Coluna

Trabalhadores e trabalhadoras em luta pela democracia e contra as altas taxas de juros

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Primeiro de maio unificado das centrais sindicais no Vale do Anhangabaú, em São Paulo (SP) - Roberto Parizotti/ SP Bancários
O 1 º de maio teve espírito da esperança e da comemoração, quando trabalhadores voltaram a negociar

 

Nos últimos anos, a classe trabalhadora esteve mobilizada lutando pela democracia em vários países da América Latina, resistindo aos retrocessos na legislação do mundo do trabalho, que intensificaram a precarização e criaram obstáculos para a organização sindical. Com a derrota de governos de extrema direita no Brasil, Colômbia e Chile, surge uma nova onda de governos progressistas, mudando novamente o cenário da correlação de forças na região. Assim, este 1 º de maio foi marcado pelo espírito da esperança e da comemoração, quando trabalhadores e trabalhadoras voltam a sentar nas mesas de negociação.

No Vale do Anhangabaú, em São Paulo, no 1° de maio, as centrais sindicais se reuniram com o presidente Lula. Na ocasião, o presidente da Central Única dos Trabalhadores (CUT), Sérgio Nobre, fez duras críticas à política de taxa de juros no país, hoje em 13,75%. Desde 2019, quando foi apresentado o Projeto de Lei Complementar 19/2019 - hoje Lei Complementar nº. 179/2021, o  Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (DIEESE) denuncia que a autonomia do Banco Central do Ministério da Economia significa o enfraquecimento do controle do Estado sobre a política econômica.

Um dos fatores criticados é a relação entre a alta da taxa de juros e o desemprego no país. No ato, o presidente Lula destacou: "A gente não pode viver mais em um país onde a taxa de juros não controla a inflação, ela controla, na verdade, o desemprego, porque ela é responsável por uma parte da situação que nós vivemos hoje". Não à toa, no ato, o sindicalista Sérgio Nobre anunciou a campanha permanente contra os juros altos, com duras críticas ao presidente do Banco Central.

Dentre as medidas anunciadas por Lula, encontra-se o aumento do salário mínimo, que passou para R$ 1.320,00 já neste mês. A presidência apresentou ainda um projeto de lei ao Congresso Nacional para que haja o reajuste do salário mínimo acima da inflação, como ocorria em governos anteriores. O governo alterou a faixa de isenção do imposto de renda para aqueles que recebem até R$ 2.640,00, com a promessa de subir esta faixa para R$ 5.000,00 até o final do governo.

No ato do Anhangabaú, Lula anunciou ainda que o governo estuda a possibilidade de regulamentação do trabalho em aplicativo e a isenção de imposto para o recebimento da Participação sobre Lucros, que trabalhadores e trabalhadoras recebem em certas empresas.  

A defesa da integração latino-americana

Outra mobilização da classe trabalhadora no 1° de maio é a defesa da democracia. O secretário adjunto de relações internacionais da CUT, Quintino Severo, sustentou que a defesa da democracia e dos direitos ao trabalho decente são as principais pautas na região.

O fortalecimento da democracia e da integração regional também foram bandeiras deste 1° de maio para a Central Sindical das Américas (CSA). Rafael Freire, secretário geral da CSA, aponta que é o momento de disputar o modelo econômico, a liberdade sindical e a negociação coletiva, celebrar os avanços da derrota da extrema direita, da jornada de 40h semanais no Chile e o aumento do salário mínimo no Brasil

As organizações sindicais estão celebrando a reabertura dos diálogos de integração regional no Mercosul, na Unasul e na efetivação da Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos (CELAC) por entenderem que há expectativas de retomada de crescimento na integração regional. Como destaca Quintino, o Brasil tem um importante papel na liderança regional, e com as ações já realizadas pelo governo, como o retorno à CELAC, o governo demonstra que irá assumir este lugar no diálogo internacional. 

Muitas mobilizações sindicais ainda estão por vir ao longo de todo o mês de maio. Está previsto, para o final deste mês, o encontro da Jornada Continental pela Democracia e contra o Neoliberalismo em Brasília. A Jornada se formou no final de novembro de 2015, na cidade de Havana, em Cuba, durante a comemoração dos 10 anos de derrota da Área de Livre Comércio das Américas (ALCA), com o objetivo de rearticular movimentos populares do continente na batalha contra o avanço do imperialismo na região.

Várias organizações compõem a plataforma, como a Cloc Via Campesina, a CSA/CUT, Marcha Mundial de Mulheres, Jubileu Sul Américas e Amigos da Terra América Latina e Caribe (ATALC). Daniel Gaio, Secretário Nacional de Meio Ambiente da CUT, afirma que “a Jornada Continental é uma oportunidade para fortalecer e construir alianças junto aos demais sindicatos e movimentos sociais de nossa região, uma frente popular contra a extrema direita e suas políticas autoritárias, que acentuam as mudanças climáticas, o racismo e o patriarcado”.

O encontro de maio da jornada será em Brasília tendo em vista os avanços no país da construção de uma lei sobre direitos humanos e empresas (PL nº.572/2022). No marco dos eixos de luta da Jornada está a responsabilização das empresas transnacionais pelas violações aos direitos humanos. Sabemos que as mudanças na organização da produção nos anos 70, conformando as cadeias globais de produção, têm produzido efeitos perversos sobre a vida dos trabalhadores.

As corporações buscam países de legislação laboral mais precária, ou forçam para que assim o seja, para se beneficiar da superexploração da força de trabalho a fim de assegurar suas taxas de lucratividade. Além dos efeitos perversos na jornada de trabalho, as cadeias globais de produção fragmentam a organização do trabalho. Por isso, as entidades sindicais estão também envolvidas na construção de um Tratado Vinculante sobre Empresas Transnacionais e Direitos Humanos no Conselho de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas (ONU), para pôr fim à impunidade corporativa.

Outra pauta chave tem sido as negociações do acordo entre a União Europeia(UE) e o Mercosul. Entidades sindicais compõem a Frente Brasileira contra o acordo e apresentam preocupação com os impactos sobre a destruição ambiental, a perda de renda dos trabalhadores e a concentração da produção em setores intensivos como energia e água.

Daniel Gaio destaca: “A CUT vê com muita preocupação o impacto que este acordo terá para o sistema produtivo do Brasil em geral e para certos setores econômicos estratégicos. A indústria brasileira, que ano após ano já vem perdendo participação no Produto Interno Bruto [PIB] nacional, pode sofrer um golpe definitivo."

"O modelo adotado apenas reforça nosso papel de meros exportadores de commodities e importadores de produtos industrializados e de alta tecnologia. Haverá, por exemplo, remoção de tarifas em setores estratégicos de nossa já frágil indústria, como automóveis, autopeças, químicos e fármacos”.

Estudos das organizações têm apontado para efeitos do acordo no que tange ao aprofundamento da reprimarização da economia e na intensificação da produção de commodities. Gaio afirma que o acordo reforça as vantagens comparativas dos países: “Cerca de 70% das exportações brasileiras para a União Europeia são de produtos primários e cerca de 90% das importações brasileiras do bloco europeu são de produtos manufaturados."

"Além disso, os prazos estreitos ameaçam ainda mais uma transição ordenada dos setores produtivos, com impactos substanciais tanto na quantidade quanto na qualidade do emprego em ambas as regiões, além de resultar em situações imprevistas de deslocamento social (migrações do campo para a cidade, desemprego industrial em massa etc.)”. Assim, as condições de crescimento econômico de longo prazo, defendidas pela classe trabalhadora, na busca por melhores condições de vida, não se sustentaram diante do aprofundamento da dependência externa.

O sindicalismo à frente

Há bastante tempo, as organizações sindicais têm levantado bandeiras estruturais, como a questão ambiental. Na batalha das ideias, a CUT e a CSA têm protagonizado uma discussão sobre a transição energética justa, evidenciando o papel protagonista que a classe trabalhadora tem na construção das alternativas ao sistema. “Nosso trabalho vai no sentido de colocar a pauta da transição energética no cotidiano da classe trabalhadora, defendendo que esse tema não fique limitado a um debate entre especialistas e ecologistas e, menos ainda, um debate capitaneado pelo Capitalismo Verde e empresários do agronegócio e indústria. A existência de uma crise climática é visível e sentida por todas/os, na qualidade de vida, impacto na saúde, no acesso à água, qualidade dos alimentos. O que precisamos garantir é que a classe trabalhadora tenha a possibilidade de colocar seu ponto de vista, disputar a hegemonia e construir soluções para essa realidade. A partir de seus territórios e sua vida cotidiana, somos capazes de identificar quem e como causam problemas. Da mesma maneira que apontamos soluções”, explica Gaio.

As mobilizações do 1° de maio seguiram na campanha permanente contra a alta da taxa de juros, na defesa da democracia, contra o Acordo UE-Mercosul e na organização regional da classe trabalhadora na Jornada. “No Brasil, nós vamos continuar fazendo mobilizações. E o 1° de maio é um símbolo histórico para todos nós. Acreditamos que para recuperar o Brasil precisa de muita pressão e ação popular, como nós estamos vendo agora, por exemplo, na questão da regulamentação das plataformas digitais no Congresso Nacional. Estamos vendo que, apesar da vitória importante do presidente Lula, o Congresso Nacional, o parlamento brasileiro, é muito retrógrado, muito conservador. Portanto, precisamos continuar com as mobilizações sociais, e os trabalhadores seguir mobilizando para evitar que haja mais retrocessos, e temos a possibilidade de avançar naquilo que o governo brasileiro se dispôs a fazer durante sua campanha, que é reconstruir o Brasil e colocar o país de volta aos brasileiros”, defendeu Quintino, reafirmando a luta das organizações sociais.

 

Edição: Rodrigo Durão Coelho