CPI vai tentar alimentar a narrativa de criminalização de quem luta pela terra
Todo o trauma vivido pelo povo brasileiro nos últimos anos, experimentando uma pandemia e um governo protofascista, fez com que parcelas da sociedade reagissem política e simbolicamente. Uma dessas reações, certamente, foi a própria eleição do presidente Lula.
Mas outra reação, que chamou a atenção na época eleitoral, foi a multiplicação de pessoas, das mais variadas tendências progressistas e classes sociais, utilizando o boné marcante do MST. O sucesso do boné foi tamanho que o clássico boné vermelho também deu lugar aos bonés pretos e verdes ou até mesmo, aba reta colorida celebrando a luta LGBTQIA +. Inúmeras pessoas circulavam com eles nas festas, no ambiente universitário, nas praias cariocas, nos sambas paulistas, nos bares mineiros, nas quadras brasilienses, em diversos cantos do país sempre tinha alguém com o boné ou querendo adquiri-lo.
O curioso é que na minha geração, quando víamos alguém com o boné do MST na rua, ou era ato público ou se tratava de conhecidos/as dirigentes ou militantes que tinham ligação mais orgânica com a causa da reforma agrária e com o próprio movimento social. O recente processo de massificação do símbolo, em geral, foi bem visto, uma vez que se afirmar como uma pessoa apoiadora do MST faz diminuir a rejeição e a criminalização do movimento em setores da sociedade com maior resistência a isso.
Pois bem, esse movimento social, simbolizado na cabeça de milhares de pessoas durante o período eleitoral, vai ser, mais uma vez, colocado à prova em 2023. Foi instaurada a CPI do MST no Congresso Nacional. Importante salientar que não é a primeira vez que o MST passa por uma CPI. Trata-se da quinta CPI nos últimos vinte anos, que insiste na tentativa de criminalização da reforma agrária e daqueles/as que lutam pela democratização da terra e pela produção de alimentos saudáveis.
É sempre importante lembrar que temos um parlamento que possui quase metade dos seus membros cujas campanhas foram financiadas por setores agrícolas, inclusive, por transnacionais. São eles que compõem a bancada ruralista, responsável direta pelo retrocesso da legislação ambiental, conservação dos latifúndios e pela manutenção dos privilégios econômicos para o setor exportador de commodities do agronegócio.
A instauração de uma CPI, nesse contexto, funciona como mera cortina de fumaça para atrapalhar a atuação do governo federal na desapropriação de terras improdutivas ou griladas no Brasil e na expropriação de terras que mantêm a utilização de trabalho análogo à escravidão. Esta deveria ser a função e atuação do governo neste momento: cumprir as promessas de campanha e, consequentemente, a Constituição e não ter que gastar energia se defendendo de uma CPI por cumprir a Constituição. É a Carta Magna de 1988 que exige o cumprimento da função social no artigo 186 e, consequente desapropriação daqueles que a descumprirem, além do artigo 243 que aponta a expropriação para terras onde se evidencia situações de trabalho escravo.
O que se tem no Brasil é simples. Um movimento social que cumpre e exige do Estado o cumprimento da Constituição e um setor, herdeiro dos latifúndios coloniais, porém repaginado de “moderno”, que ignora a função social da propriedade, trata trabalhador como escravo e não respeita a lei, nem a Constituição. O papel da CPI será tentar alimentar a narrativa que mantêm o processo histórico de criminalização de quem luta pela terra.
Nessa hora retorno ao título desse artigo. Lembram daquele boné do MST, usado em tantas situações para festejar e garantir a vitória de um governo progressista? É hora de fincá-lo na cabeça, conhecer a fundo as mazelas que o MST enfrenta para garantir dignidade ao povo e realizar a defesa da reforma agrária em um dos países que mais concentra terra e riqueza no mundo.
Edição: Glauco Faria