Cerca de 5 mil indígenas marcharam, nesta segunda-feira (24), em Brasília (DF), para protestar contra projetos de lei (PLs) que atacam os direitos do segmento. O grupo saiu da sede do Acampamento Terra Livre (ATL) 2023, na região central da cidade, e se dirigiu até o Congresso Nacional para pedir a rejeição dessas propostas. O ato integra a programação do ATL, que começou no domingo (27) e se estende até sexta-feira (28), na capital federal.
Mais de 30 PLs que tramitam no Congresso povoam os pesadelos dos povos indígenas, com destaque para seis medidas principais. A primeira delas é o PL 490/2007, que altera o regime jurídico de demarcação das terras e legaliza a tese do marco temporal por fixar o entendimento de que os povos só podem ter suas áreas reconhecidas se comprovarem que lá estavam em 5 de outubro de 1988, data da promulgação da atual Constituição Federal. Lideranças do segmento e especialistas apontam que, na prática, a medida acaba com as demarcações.
A cacica Andréa, do povo Tapuya Kariri, no Ceará, conta que vive numa terra ainda não homologada. Ela teme que uma eventual aprovação do PL 490 encerre de vez a tão sonhada possibilidade de demarcação da área e ressalta que esse tipo de proposta é “um ataque à vida dos povos indígenas”, uma vez que as comunidades e suas culturas não sobrevivem sem seus territórios tradicionais.
“Nós lideranças colocamos as nossas vidas em risco pra defender os nossos territórios, enquanto um PL desse desrespeita isso. Nossa maior preocupação é com a vida, é com a demarcação dos nossos territórios, e esses projetos vêm realmente pra matar.” O tema abordado no PL 490 também está em debate no Supremo Tribunal Federal (STF), onde a tese do marco temporal deve ser julgada no próximo dia 7 de junho.
Outras propostas de lei consideradas preocupantes para o segmento são o PL 191/2020, que regulamenta a mineração em áreas tradicionais, e os PLs 2633/2020 e 510/2021, que regularizam a grilagem de terras. Também consta no rol de pautas anti-indígenas o PL 2159/2021, que flexibiliza regras para o processo de licenciamento ambiental, prejudicando a preservação dos recursos naturais e as comunidades.
“É por causa desse tipo de ameaça que estamos aqui hoje. É pra lutar contra madeireiros, os garimpeiros e outros invasores, os únicos que têm algo a ganhar com esse tipo de proposta”, afirma o cacique Karangré, que veio do Pará para participar do ATL e da marcha.
O movimento indígena também chama a atenção para o Projeto de Decreto Legislativo (PDL) 177/2021, que coloca em xeque o cumprimento da Convenção 169, da Organização Internacional do Trabalho (OIT), por parte do Estado brasileiro. O acordo estabelece, entre outras coisas, que os povos indígenas devem ser previamente consultados sempre que uma decisão tiver o poder de afetar seus bens ou direitos.
O indígena Sahu da Silva, do povo Sateerewe, do Amazonas, afirma que, em última instância, todos os PLs que retiram direitos do segmento atingem a demarcação das terras indígenas. “E o que move a gente a vir pra cá fazer isso é justamente a luta por esse nosso direito, que não vem sendo cumprido. Todos nós sofremos um pouco com o sofrimento de cada comunidade atingida.”
Articulação
A marcha se encerrou com uma sessão legislativa na Câmara dos Deputados em homenagem à 19ª edição do ATL. Em conversa com o Brasil de Fato, o secretário-executivo do Ministério dos Povos Indígenas, Eloy Terena, disse que há mais de 30 projetos de lei que preocupam o segmento indígena no âmbito do Congresso. Ele afirma que o trabalho da pasta é importante para somar forças com os interlocutores que estão presentes no Legislativo.
“O MPI tem sido fundamental dentro do governo para justamente redirecionar a pauta governamental e para o próprio governo se posicionar contra esses PLs. Um exemplo claro que tivemos agora em abril foi justamente o do PL 191. O governo anterior tinha uma posição favorável e o atual mudou a posição a partir de uma provocação da ministra Sônia Guajajara”.
O evento contou também com a participação de outras lideranças do campo que atuam na luta institucional. É o caso da deputada Célia Xakriabá (PSOL-MG), que disse ao Brasil de Fato que a resistência aos PLs que ameaçam o segmento “seguirá adiante”, mesmo com a configuração majoritariamente conservadora que o Congresso tem. Há apenas quatro deputados indígenas ente os 513 membros da Casa.
“Se a nossa voz não for suficiente do lado de dentro, vamos continuar chamando o movimento indígena do lado de fora. É com essa força que nós entendemos que mudamos processos de decisão (0:20).” A ministra dos Povos Indígenas, Sônia Guajajara, também se somou ao coro coletivo que se formou no Congresso nesta segunda.
“Nós vamos seguir trazendo pra cá a pauta prioritária dos povos indígenas, que é a demarcação dos territórios. Só assim vamos conseguir conter essa crise climática. Sem demarcação, não há solução para a crise. Saímos de quatro anos de ataque, de uma pandemia que matou muitos dos nossos parentes, mas estamos aqui vivos, de pé, com a nossa resistência secular, pra dizer que estamos aqui pra apresentar a nossa contribuição não só pro Brasil, mas para o mundo. Estamos aqui pra reafirmar mais uma vez que não vamos permitir nunca mais um Brasil sem nós”, bradou a mandatária.
Edição: Rodrigo Durão Coelho