Foram pelo menos seis ataques em escolas brasileiras em pouco mais de duas semanas, em estados diferentes: em Goiás, Amazonas, Pará, São Paulo, Santa Catarina e Ceará. O mais greve deles resultou na morte de quatro crianças entre quatro e sete anos, em uma creche particular em Blumenau.
Em resposta aos ataques, prefeituras e estados vêm apostando no policiamento dentro e fora das escolas. No município de Cajamar, na região metropolitana de São Paulo, uma lei aprovada em sete de abril estabelece a vigilância armada em todas as unidades educacionais particulares e públicas. Em São Bernardo do Campo, há um guarda civil armado em cada escola municipal.
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Em Santa Catarina, onde houve o ataque em Blumenau, o governador Jorginho Mello (PL) anunciou que em dois meses cada escola estadual terá um policial armado. Em Minas Gerais, o governador Romeu Zema (Novo) anunciou que a Polícia Militar do estado fará visitas periódicas e surpresas nas escolas estaduais.
Sem reducionismo
A escolha pelo policiamento, entretanto, é alvo de críticas por ser uma medida extremamente simplista para um problema complexo, sistemático e global. Adriana Marcondes Machado, professora do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo (IP-USP), defende que “ou analisamos os diversos fatores [que levam aos ataques nas escolas] ou cairemos em reducionismos cruéis frutos da armadilha da violência: anular a complexidade e reduzir tudo a uma ou duas questões a serem resolvidas”.
A fala foi feita durante o debate “Violência nas escolas e universidades: crise e estratégias de enfrentamento”, promovido pela Pró-Reitoria de Inclusão e Pertencimento USP, na manhã desta sexta-feira (14).
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Na ocasião, Marcondes falou sobre como os modelos atuais de educação não cumprem aquilo que deveria dar sentido às escolas: o aprendizado em comum, a coletividade, a troca de afetos e o cuidado. Ao contrário, ao chegar nesses espaços, os jovens se deparam com um ambiente de “competição, individualismo, medo e intolerância” que estão na sociedade e são refletidos nas escolas.
Nesse sentido, em vez de ser um espaço de desenvolvimento social e intelectual, as instituições de ensino passam a reforçar o adoecimento mental que vem acometendo adolescentes e jovens adultos. "Quando preconceitos, por exemplo, não são discutidos nos espaços educacionais, isso é violento e implica mudanças nas formas de viver e construir a educação”, afirma Marcondes ao parafrasear que a sociedade está “falhando miseravelmente” com as crianças, como disse o ministro dos Direitos Humanos Silvio Almeida afirmou, diante dos ataques recentes.
Escola enquanto amostra da sociedade
Eles ressaltam que as escolas não são responsáveis pelos ataques e nem os únicos espaços de solução. Como defendeu o professor José Sérgio Fonseca de Carvalho, da Faculdade de Educação da USP, que também participou do debate, trata-se de um sintoma de um processo sistemático e global.
“Os atos de ódio e furor de um homicida” podem ser lidos como “o fracasso ou nosso atraso em relação a um processo civilizatório, o resíduo daqueles que não foram atingidos por esse processo. São a face mais cruel desse processo de uma origem econômica altamente concorrencial”, afirma o professor ao reforçar como o caráter competitivo do modelo produtivo atual é capaz de deixar indivíduos à margem da sociedade.
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Nesse sentido, na mesma linha de Adriana Marcondes, o professor afirma que o que se pretende nas escolas é a conformação dos indivíduos “em uma ordem dada e tida como natural”, justamente essa que é competitiva, ressalta as características mais cartesianas de cada pessoa, sem dar espaço para a reflexão, o afeto e a coletividade.
Uma ordem “instrumental e funcionalista na qual todos podem ser repostos, uma ordem que reforça o caráter supérfluo de todo o ser humano”, constata o docente. Para o professor, “a escola precisa ser mais escola em seu sentido estrito histórico, e não como apêndice do mundo produtivo e concorrencial”.
Células extremistas
Nesta linha, a escola é o primeiro ambiente fora do âmbito familiar em que as crianças têm contato. É, portanto, também o primeiro local onde aprendem que podem ser marginalizados e excluídos do tecido social. Sobre isso, Bruno Paes Manso Núcleo de Estudos da Violência da Universidade de São Paulo (NEV-USP), afirma que se esses jovens que são de alguma maneira excluídos nesses espaços antes ficavam “isolados em seus quartos”, agora “passam a conviver com seus iguais em bolhas digitais de pessoas que compartilham o mesmo ódio e mal-estar e o incentiva a se vingar do mundo produzindo o mesmo mal-estar que sentem”.
“São casos isolados, mas que se formam nesse contexto. As redes sociais provocaram esses diálogos e esses conflitos entre bolhas”, afirma Paes Manso. Aqui, há a “ideia do inimigo que atrapalha a sua vida, e por isso a sua vida passa a ter um significado".
No relatório “O extremismo de direita entre adolescentes e jovens no Brasil: ataques às escolas e alternativas para a ação governamental” entregue a Luiz Inácio Lula da Silva (PT) ainda durante o governo de transição, especialistas em educação como grupos de extrema-direita capturam crianças e adolescentes por meio das redes sociais e estimulam ações violentas.
“A opção por invadir uma escola não é mera coincidência ou fruto de uma escolha aleatória. As motivações incluem ódio às maiorias minorizadas e aproximação ideológica a teorias nazistas e fascistas”, diz um trecho do relatório.
Não à toa, uma das medidas anunciadas pelo Ministério da Educação para resolver o problema dos ataques nas escolas é a ampliação da inteligência sobre as redes sociais para monitorar possíveis ameaças nas escolas, com auxílio dos ministérios da Comunicação e da Justiça.
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Esta é, inclusive, uma das sugestões listadas no relatório citado acima. “Os agentes encarregados das ações de inteligência e de monitoramento dessas células e grupos extremistas de direita devem receber treinamento e atualizações constantes, de forma a acompanhar no mesmo ritmo a rápida evolução dos modos e meios de recrutamento de crianças e adolescentes, com altíssimas possibilidades de repercussão nos ambientes escolares, bem como formação contínua no uso de símbolos e da iconografia extremista, a fim de propiciar que os agentes públicos identifiquem de forma eficaz a linguagem do ódio.”
Nesta quarta-feira (12), o ministro da Educação, Camilo Santana, defendeu ações interministeriais e suprapartidárias para compreender e dar fim aos ataques em escolas, durante reunião da Comissão da Educação na Câmara dos Deputados. Além da ampliação da inteligência, o chefe da pasta também citou o acompanhamento voltado para a saúde mental e apoio psicológico nas escolas, com o apoio do Ministério da Saúde.
Edição: Rodrigo Durão Coelho