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As ruas de Havana e a fé dos cubanos comuns

Após período de proibição e hostilidade, diversas religiões convivem na ilha socialista

Havana (Cuba) |
Celebração do Dia da Nossa Senhora da Caridade em Cuba - Yamil Lage / AFP

Ao andar pelas ruas de Havana, é comum que se veja pessoas usando roupas que expressam culturas e regiliões próprias da diáspora africana nas Américas. Em Cuba, as raízes negras e africanas coexistem com as tradições cristãs, mesclando-se na paisagem urbana que cada vez mais é preenchida com imagens de igrejas evangélicas.

Entre os dias 6 e 9 de abril, assim como milhões de cristãos de todo o mundo, comemora-se, no país caribenho, a Semana Santa. Estima-se que 60% da população cubana é batizada na Igreja Católica.

"É comum encontrar pessoas que foram batizadas, mas ao mesmo tempo foram iniciadas em Santeria. Pessoas que talvez se considerem cristãs, mas que celebram festividades como o dia de Santa Bárbara, ou Changó, pertencente à tradição iorubá", explica Ileana Hodge Limonta, uma das mais proeminentes estudiosas de assuntos religiosos e atual diretora do Centro de Pesquisa Psicológica e Sociológica (CIPS).

Para Ileana, o conceito de sincretismo religioso não dá conta de descrever a complexidade religiosa em Cuba, mas ela afirma que é possível falar de uma multireligiosidade cubana.

"Os cubanos expressam muita espiritualidade, nem sempre no Senhor Jesus Cristo. Isso tem se manifestado ao longo de todos esses anos de história por suas próprias práticas, festividades e encontros que mantêm aquilo em que acreditamos como cubanos. Nossa própria idiossincrasia", diz o pastor Leriel Modesto Garcia, membro da Associação Missionária Internacional, ao Brasil de Fato.

A diretora do Centro de Pesquisa Psicológica e Sociológica explica que "existe uma religiosidade popular. Dizemos que dentro desta religiosidade popular existe uma multi-religiosidade. É isto que liga: Santeria, espiritismo, palo, a Igreja Católica e algumas coisas cristãs. Essa é a religiosidade popular em Cuba: essa multirreligiosidade".

Religião e Estado

A liberdade religiosa em Cuba é incorporada como um direito constitucional. A Carta Magna do país declara expressamente que "o Estado reconhece, respeita e garante a liberdade religiosa" e que "as diferentes crenças gozam de igual consideração". A discriminação com base em crenças religiosas é proibida e o país se declara um Estado secular, agindo independentemente de preceitos e doutrinas religiosas.

Entretanto, a relação entre as instituições religiosas e o Estado nem sempre foi pacífica. Com o triunfo da Revolução em 1959, gerou-se a desconfiança mútua. Fortemente influenciada pela doutrina oficial da União Soviética, a revolução nascente encarou a fé com suspeita e proibiu os membros do Partido Comunista Cubano de serem religiosos. Ao mesmo tempo, muitas instituições religiosas (principalmente as Igrejas Católicas) eram organizadoras ativas de movimentos contra-revolucionários.

Uma das mais importantes hostilidades da época foi a Operação Peter Pan. Em cooperação, a CIA e Igreja Católica levaram 14 mil crianças de Cuba para os EUA. Esta operação foi realizada através da divulgação de propaganda afirmando que o governo cubano iria tirar a custódia das crianças de seus pais. As crianças levadas para os Estados Unidos nunca foram reunidas com seus pais.   

Entretanto, há várias décadas, a relação entre o Estado cubano e as instituições religiosas tem melhorado. Após várias tentativas de aproximação e mesas redondas, em 1985, o Conselho de Estado em Havana publicou o famoso livro "Fidel e Religião". Uma longa conversa entre Fidel Castro e o religioso brasileiro Frei Betto, um membro da teologia da libertação. Naqueles anos, Frei Betto atuou como mediador entre as conversas dos líderes religiosos com o governo cubano. Alguns anos mais tarde, em 1991, o Partido Comunista Cubano alterou seus estatutos para permitir que religiosos fizessem parte do partido.

Hoje, mais de 1.850 organizações e instituições religiosas estão registradas no país e reconhecidas pelo Ministério da Justiça. Estima-se em cerca de 1,5 milhão de pessoas o número de membros destas instituições.

"Não há maior expressão de socialismo do que a obra de Jesus. De um sentimento social, de um sentimento de amor ao próximo, e assim é também o que o socialismo nos ensina. Querer ajudar o outro, acima de tudo, e este é o nosso exemplo de Jesus. Eu sempre digo que Jesus foi um socialista de seu tempo. Às vezes se diz que a religião não deve ser misturada com a política. Mas tudo é político, toda ação tem uma atitude política. Portanto, parece-me que o socialismo e a religião estão muito ligados", diz Claudia Morales Moreno, do Movimento de Estudantes Cristãos.

Edição: Thales Schmidt e Patrícia de Matos