Uma das áreas mais afetadas com a pandemia de covid-19 no mundo todo foi a educação. A suspensão das aulas presenciais fez com que todas as escolas e os estudantes tivessem que se adaptar ao ensino remoto, mas as graves consequências se concentraram principalmente no ensino público.
A última edição do Mapa Social do Corona, produzido pelo Observatório de Favelas em parceria com a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), mostrou os impactos das aulas remotas para o ensino fundamental da rede de ensino municipal do Rio de Janeiro e como continuam a ter reflexos para os estudantes.
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A pesquisa comparou o desempenho de estudantes de favelas e periferias com alunos de bairros considerados mais ricos. Para isso usou dados do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB) dos anos de 2019 (ano anterior à pandemia) e 2021 (ano com maior número de casos e mortes pela doença).
O coordenador do eixo de políticas urbanas do Observatório de Favelas, Aruan Braga, conta que a pesquisa teceu comparações “da Cidade de Deus à Barra da Tijuca, na zona Oeste, da Rocinha à Copacabana, na zona Sul, e da Maré ao bairro da Tijuca, na zona Norte”.
Em 2019, estudantes da Tijuca (5,7) e mareenses (5,4) tiveram uma média parecida. Em 2021, a média continuou próxima com um leve aumento, com os alunos da Maré tendo 5,1 de média e os da Tijuca ficando com 5,5.
Já nos casos da Rocinha, comparada à Copacabana, e Cidade de Deus, em relação à Barra da Tijuca, tiveram maior disparidade. Na primeira comparação, a diferença em 2019 era de 0,8, sendo que a Rocinha tinha média de 5,6 e Copacabana 6,4, e em 2021, a diferença aumentou para 1,3, com a Rocinha tendo média de 5,2 (caindo 0,4) e Copacabana crescendo para 6,5. A Barra da Tijuca caiu de 6,7, em 2019 para 6,5, em 2021, e os estudantes da Cidade de Deus tiveram queda de rendimento de 5,4 para 4,6.
“Tanto para Rocinha quanto para Cidade de Deus teve queda de quase um ponto do IDEB no ano de 2021, um impacto muito significativo da pandemia. No caso da Maré, a gente observa um cenário diferente, o índice do IDEB não teve um decréscimo tão significativo e a nossa percepção através de entrevistas que fizemos no local indicou que algumas ações realizadas pela sociedade civil organizada, ONGs e associações de moradores foram muito significativas para o enfrentamento desse aprofundamento das desigualdades”, explica.
Diferentes realidades
A professora de Geografia, Michele Souza, dá aula para o ensino fundamental de uma escola municipal em Santa Cruz, bairro periférico do Rio. Ela conta que as dificuldades que os alunos enfrentaram durante o ensino remoto foram causadas, sobretudo, por tentativas de homogeinezar as realidades dos diferentes estudantes.
“A gente tem alunos que se dão bem no ensino remoto porque tem um quarto só para eles poderem estudar, computador, rede de internet, enquanto em outras realidades isso não existe. Muitos alunos moram numa casa em que dividem quarto com outras pessoas, não tem computador, é muito difícil estudar pelo celular. Esses prejuízos foram muito grandes e a gente conseguiu ver isso muito bem no ano de 2022, os alunos voltaram com uma grande defasagem no ensino”, diz.
Além disso, Michele também chama atenção para as dificuldades enfrentadas pelos professores para trabalhar no ensino remoto e encontrar formas de auxiliar os estudantes que não estavam conseguindo acompanhar.
“O ensino remoto é muito mais cansativo para o professor também, que tem que sentar na frente de um computador e falar por duas horas. Isso fez com que a gente perdesse a noção das nossas horas de trabalho e muitas vezes extrapolamos. Alguns alunos que estavam em casa pareciam perdidos, então mesmo que eu enviasse conteúdo, sentia que eles ficavam perdidos e não faziam as atividades. Fora que no ensino remoto é muito mais fácil se distrair”, conta Michele.
Para Aruan, o fato do Complexo da Maré ter conseguido manter bons índices na educação mesmo com as dificuldades trazidas pela pandemia, mostra como as organizações da sociedade civil possuem um papel importante no enfrentamento às desigualdades e devem ser mais valorizadas pelo poder público.
“A gente teve a experiência da Rede de Desenvolvimento da Maré, por exemplo, com a distribuição de recursos para contratação de serviços de internet, distribuição de chips para acesso à internet, distribuíram tablets para alguns alunos. As próprias organizações também imprimiam materiais para os alunos, atuavam no reforço escolar. Esse panorama foi fundamental para desenvolver atividades complementares a essas que as escolas, infelizmente, não estavam dando conta”, finaliza.
Edição: Mariana Pitasse