A pesquisa “Conta Pra Gente Estudante – Grande Rio” revelou dados alarmantes sobre a insegurança alimentar no estado do Rio: a maioria dos estudantes da rede pública de ensino da região metropolitana tem a merenda escolar como única ou principal refeição do dia, ou seja, 56% dessas crianças dependem dos alimentos oferecidos na escola.
O Observatório da Alimentação Escolar (ÓAÊ) em parceria com a Ação da Cidadania entrevistou 1.046 estudantes e seus responsáveis para o levantamento. Os dados mostram também que para 41% dos estudantes a quantidade de comida é pouca ou muito pouca.
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O programa Bem Viver, uma parceria do Brasil de Fato com a rede TVT, conversou com Patrícia Marino, de 28 anos. Ela é moradora do Parque Esperança, no Complexo do Chapadão, Zona Norte do Rio e tem seis filhos, mas apenas três estão matriculados na escola. Ela conta que está desempregada e seu marido recolhe materiais recicláveis como fonte de renda, mas o dinheiro não é suficiente para garantir a alimentação da família.
“A gente passa muita necessidade, então eles indo para escola já é uma boa porque eles almoçam na escola, lancham na escola e é muito bom isso porque às vezes não tem nada em casa, e já é um alívio. Às vezes tem dois pães, aí já divide para os três que estão em casa, porque para mim e meu marido a gente não se importa se comeu ou não comeu, o que importa é a criança tá alimentada”, conta Patrícia.
Combate à fome
A gerente de Advocacy da Ação da Cidadania, Ana Paula, participou da realização da pesquisa e explica que o levantamento é um alerta para o poder público da importância da merenda escolar no combate à fome.
“A gente tem uma legislação que é referência em vários países, o PNAE [Programa Nacional de Alimentação Escolar], se colocada em prática se torna uma das políticas públicas mais importantes de combate à fome porque ela alcança todas as crianças em idade escolar na rede pública de ensino e em um país onde 33 milhões de pessoas estão em situação de fome, esse alimento é mais do que importante porque pode ser a única refeição do dia para muitas dessas crianças e também a única refeição saudável”, diz.
O PNAE determina que 30% do valor repassado aos estados e municípios pelo Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) deve ser utilizado na compra de alimentos da agricultura familiar, o que é importante para garantir merendas saudáveis para os estudantes.
No início de seu novo governo, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) retomou o Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (CONSEA) e o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) como forma de priorizar o combate à fome no país. Apesar disso, para Ana Paula, o problema da fome no estado só poderá ser resolvido quando o governo do Rio o colocar como prioridade.
“Muitas vezes a gente tem uma nutricionista no estado ou município para dar conta de todas as escolas, hospitais, todos os equipamentos públicos. A gente tem visto isso como uma grande dificuldade de operacionalização do programa”
De acordo com a pesquisa, 87% dos entrevistados consideram saudável a comida distribuída nas escolas, porém, 56% nunca participaram de atividade escolar sobre alimentação saudável. Para a nutricionista e assessora executiva e de pesquisa do ÓAÊ, Luana de Lima Cunha, é preciso também criar ações de educação alimentar e nutricional para que “tanto as crianças quanto os pais saibam se alimentar corretamente”.
“A gente vê que a abertura desses mercados institucionais, que o PNAE é um deles, para os agricultores favorece o crescimento de toda a comunidade. Então a gente vê o fortalecimento da cultura alimentar por uma própria produção local, a gente tem o favorecimento da gestão de alimentos na sua época, então a safra vai garantir maior oferta de nutrientes. Vai contribuir para a saúde de quem está recebendo e quem está produzindo”, conta Luana.
Estudantes negros sofrem mais
A pesquisa aponta também que estudantes negros são os mais afetados por falta de merenda nas escolas ou por falta de quantidade adequada de alimentos. Para o mobilizador de advocacy da Ação da Cidadania, João Victor, esse dado “é a prova de racismo alimentar”.
“A gente vê que é uma geração de alunos que consegue perceber que convive com a fome diariamente, que são vitimadas pela violência da fome, é toda uma geração que perde um pouco de sua inocência justamente por sofrer dessa violência. E aí quando a gente vê que o PNAE está sendo sucateado fica cada vez mais nítido para gente que esses números da fome no nosso país tem um motivo, as pessoas que estão sofrendo com esse sucateamento são em maioria pessoas negras”, finaliza.
Edição: Mariana Pitasse