Rio de Janeiro

Coluna

Por que normalizamos a violência nos estádios de futebol?

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Um torcedor invadiu o gramado do Beira-Rio com uma criança de colo para agredir jogadores do Caxias - Reprodução / Premiere
É mais do que necessário abordar esse problema e combatê-lo com todas as nossas forças

*Luiz Ferreira

Eu confesso a vocês que não gosto muito de falar sobre esse assunto. Pra mim, o esporte não pode nunca servir de palco para qualquer tipo de violência. É algo que me entristece profundamente e que sempre faz com que eu me pergunte se falhamos enquanto seres humanos e amantes da nossa modalidade preferida. E o que mais me impressiona é que não é nem um pouco difícil encontrar pessoas que usam todo tipo de malabarismo argumentativo para justificar o injustificável.

Por outro lado, é mais do que necessário abordar esse problema e combatê-lo com todas as nossas forças antes que isso saia de qualquer controle possível. Graças a Deus, ainda tem gente que se choca com as cenas que vimos no Rio de Janeiro (durante as semifinais do Campeonato Carioca) e em Porto Alegre no último domingo (26). Isso só para citar duas cidades.

Depois do empate em 1 a 1 no tempo normal, Internacional e Caxias decidiram quem iria para a grande final do Gauchão na decisão por penalidades. A vitória do escrete grená na marca de cal por 5 a 4 acabou desencadeando uma verdadeira pancadaria no gramado do Beira-Rio. O “auge” da confusão aconteceu quando um torcedor do Internacional com um criança invadiu o gramado e agrediu um atleta do time vencedor e um cinegrafista da RBS TV.

Depois do ocorrido, o Inter soltou uma nota repudiando a confusão e informando que está trabalhando na identificação de todos os invasores.

Já o tal irresponsável (pra não usar uma palavra feia aqui na crônica) foi detido e levado para o Juizado Especial Criminal no Beira-Rio. De acordo com informações da Rádio Gaúcha, o torcedor já tinha passagem pela polícia pela lei Maria da Penha e a menina de 5 anos foi entregue para a mãe.

Tudo isso que vimos em Porto Alegre no último domingo (26), somado às constantes brigas entre “torcedores” no Rio de Janeiro, em São Paulo e em outras grandes cidades do país me levam a crer que a gente falhou sim. Falhamos ontem, falhamos hoje e seguiremos falhando como torcedores até que alguém tome uma atitude enérgica. Alguns colegas de imprensa insistem em minimizar o problema e até em colocar lenha na fogueira inflamando quem os lê, escuta, assiste e segue nas redes sociais usando uma imparcialidade mais falsa que nota de três reais. “É apenas rivalidade”, dizem eles. Mas são os primeiros a se esconder e cobrar providências quando eles mesmos acabam alvo da violência que promoveram.

Sim, meus amigos. Eu também sou torcedor e também fico “P” da vida quando meu time perde. No entanto, o ponto central dessa discussão está em entender que o futebol (assim como qualquer modalidade) é apaixonante sim. Mas ainda assim, é apenas um esporte e deve ser encarado como tal.

Vejo muita gente reclamando que o futebol brasileiro está se afastando do seu torcedor.

Mas é meio óbvio, não é? Como é que vamos trazer famílias para os estádios se existe o medo de esbarrar uma briga entre “organizadas” no meio do caminho? Como é que vamos trazer as pessoas de volta para as arenas se todo nós estamos completamente desprotegidos disso tudo?

Hoje foi um torcedor que invadiu o gramado usando uma criança de 5 anos como escudo. O que vai ser amanhã? Confronto entre torcidas organizadas sendo transmitido no horário nobre no lugar das partidas do Brasileirão?

Entendam que todo esse cenário só reforça o discurso daqueles que desejam transformar o velho e rude esporte bretão em “linha de show”, num espetáculo frio e sem o show que os verdadeiros torcedores faziam. Tudo por conta de um “combo” de incompetência e omissão por parte toda a nossa sociedade.

Não é preciso ser nenhum Sherlock Holmes para descobrir que a polícia “finge que não vê” a quantidade absurda de cambistas que ficam perto dos estádios vendendo ingresso a preços abusivos. Ou vocês acham mesmo que a violência não está ligada à pobreza?

Não é preciso ser o Batman para saber que nossas autoridades sabem muito bem onde cada brigão se esconde e onde cada “organizada” marca suas brigas. Elas só não agem para “evitar a fadiga”, como diria o grande Jaiminho (do seriado “Chaves”).

Não é preciso ser nenhum Perry Mason ou jurista formado para entender que nosso judiciário parece viver em outro mundo e simplesmente ignora a urgência que esse assunto possui. Pedir torcida única e achar que tá tudo bem é ignorar toda a gravidade do problema.

Não é preciso ser nenhum dirigente para compreender que clubes, federações e entidades de prática desportiva têm a obrigação de conscientizar seus torcedores sobre tudo isso.

Mas todos eles preferem cobrar punições dos outros e jogar seus problemas pra debaixo do tapete.

E, por fim, não é preciso ser nenhum Chico Xavier para chegar à conclusão óbvia de que agredir o coleguinha por qualquer motivo que seja é errado. E quando se faz isso por causa de futebol, meu amigo, é porque a vaquinha já está deitando no brejo.

A sensação que eu tenho é que os deuses e deusas do velho e rude esporte bretão estão nos dando chances de resolver tudo isso antes que alguma coisa muito mais grave aconteça. Algo do nível de Heysel e de Hillsborough, tragédias que marcaram para sempre a história do futebol inglês e mundial. Desastres que foram provocados pela irresponsabilidade dos ditos torcedores e pela incompetência das autoridades.

Os últimos acontecimentos mostram muito bem como falhamos como torcedores e como consumidores do futebol. Parece que estamos vendo um Big Brother Brasil e torcendo por “cenas lamentáveis” e distribuindo memes nos grupos de WhatsApp como se isso não influenciasse diretamente nas nossas vidas.

Normalizamos muita coisa nesses últimos anos. A violência nos estádios foi uma delas. E é por isso que estamos falhando feiamente como consumidores do velho e rude esporte bretão. De qualquer esporte, aliás. Isso porque não existe espaço para qualquer tipo de agressão dentro das nossas arenas e estádios. Quanto mais cedo tomarmos consciência disso, mais cedo retornaremos para os trilhos e veremos o torcedor mais próximo do nosso futebol.

*Luiz Ferreira escreve toda semana para a coluna Papo Esportivo do Brasil de Fato RJ sobre os bastidores do mundo dos atletas, das competições e dos principais clubes de futebol. Luiz é produtor executivo da equipe de esportes da Rádio Nacional do Rio de Janeiro, jornalista e radialista e grande amante de esportes.

**Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.

Edição: Mariana Pitasse