Durante a 38º Reunião Ordinária do Comitê Nacional de Prevenção e Combate à Tortura (CNPCT), realizada na última quarta-feira (22), que tinha como tema principal a crise no sistema carcerário do Rio Grande do Norte, o depoimento de uma mãe interrompeu o fluxo de protocolos e burocracias estabelecidos pelo regimento do conselho.
Laura (nome fictício) tem dois filhos presos na Penitenciária Estadual Dr. Francisco Nogueira Fernandes, em Alcaçuz. Por mais de quinze minutos, ela narrou para os participantes do encontro a rotina de torturas e descasos a que presos da unidade estão submetidos.
“As celas superlotadas deixam muitas pessoas doentes sem tratamento adequado, o que pode causar complicações graves. Meu filho contraiu tuberculose lá dentro e está novamente com sintomas, vomitando sangue. Ele divide a cela com outras oito pessoas, nenhuma delas com tratamento para a doença. Se não houver tratamento, muitas pessoas vão morrer”, contou Laura.
Mateus Moro, representante da Associação Nacional de Defensoras e Defensores Públicos (ANADEP), explica que a situação do sistema penitenciário potiguar é similar à encontrada em outros estados.
“Ela traz uma série de questões que quem está acostumado a fazer inspeções (em presídios), como eu, está acostumado. Tem aí familiares falando de fome, essa pena de fome é usada em São Paulo, por exemplo”, conta Moro.
A crise dentro do sistema carcerário potiguar provocou uma reação do Sindicato do Crime, facção criminosa que atua dentro dos presídios, que foi às ruas e há 12 dias ataca prédios públicos e comércios, em protesto contra a rotina de violações de direitos humanos no cárcere.
No meio da guerra entre o Estado e a facção, se encontram familiares como Laura. “Somos maltratados do início ao fim e para entrar na prisão precisamos rasgar nossas roupas, para que eles nos revistem”, encerra.
Confira na íntegra o depoimento de Laura, contando a rotina de seus filhos e milhares de presos que vivem seus dias dentro do sistema carcerário do Rio Grande do Norte:
Os internos relatam que a alimentação oferecida é totalmente azeda, é péssima. Além disso, há situações em que a comida azeda e há opressão em relação à alimentação, como já aconteceu em visitas. Eu mesma estava lá em uma visita, quando de repente anunciaram que todos seriam submetidos a um procedimento. Na nossa frente, eles pegaram um grande saco preto e colocaram todas as quentinhas dentro, dizendo que ninguém comeria naquele dia. Imaginem a tortura psicológica para uma mãe que estava em visita desde 8h, já era 12h e nós já não aguentávamos mais de fome, imagina eles.
Quando a gente entra lá com uma sacolinha de lanche, eles não olham pra gente, eles só olham para o lanche. Aquela comida que levamos, eles comem de uma vez só. A fome é uma situação extrema e a pessoa que passa fome é torturada, principalmente psicologicamente. Já fizemos denúncias no Ministério Público, mas nada mudou.
Sobre a questão da saúde, meus filhos estão em uma cela com 35 presos, quando deveria caber apenas 15. Desses, oito estão vomitando sangue dentro cela, sem tratamento de tuberculose, mas o estado não está fornecendo medicamentos. Isso é uma negligência total e uma falta de entendimento do que está acontecendo, um cinismo dentro do nosso estado. É uma situação grave.
Você sabia que estão matando nossos presos aos poucos? Isso é uma negligência total. Há uma falta de entendimento sobre o que está acontecendo e um cinismo total aqui em nosso estado.
Sou socorrista da Cruz Vermelha e precisei me afastar um pouco do cargo. Fiquei abalada quando vi as mãos do meu filho sangrando e machucadas depois de ser preso. Decidi então mobilizar outros funcionários das unidades prisionais para ver se conseguíamos fazer algo. Não suportamos mais ver tantas torturas. Tenho fotos aqui de pessoas que morreram dentro do sistema prisional. Os advogados têm medo de lutar pelos nossos direitos, devido à opressão que sofremos, lá dentro e aqui fora.
Os funcionários ligam a água e dão um minuto para os meninos encherem os garrafões. A falta de água é imensa lá dentro, ninguém vive sem água. As pessoas estão morrendo devido a várias doenças, como a tuberculose, devido à falta de água e alimentação adequada. E as autoridades do Rio Grande do Norte, do juiz ao Ministério Público, não fazem nada para mudar essa situação.
Eu entreguei meus dois filhos ao sistema carcerário, sabendo que um era culpado e o outro não. Os dois estão lá dentro pela falta de uma investigação correta. Tem muito inocente lá dentro. Me desculpe, estou confusa, mas quando fala do sistema prisional eu me perco, fico muito nervosa.
A cada 15 dias, por vinte minutos, o pavilhão um de Alcaçuz, que na verdade não existe, é o único espaço disponível para banho de sol. Sabemos que a exposição ao sol é necessária não só para a saúde física, mas também para a saúde mental dos presos. Meus filhos pedem por banho de sol constantemente, pois precisam higienizar-se nesse dia e o tempo é curto para fazer os dois. Ou toma banho de sol ou se higieniza. Se não se higienizam, são punidos, apanham e não sobra tempo para banho de sol. A situação das celas superlotadas. Infelizmente, há problemas com a lei, pois algumas pessoas têm direito à saída e não são liberadas, sendo obrigadas a cumprir um ano a mais de pena.
As celas superlotadas deixam muitas pessoas doentes sem tratamento adequado, o que pode levar a complicações graves. Meu filho contraiu tuberculose lá dentro e está novamente com sintomas, vomitando sangue. Ele divide a cela com outras oito pessoas, nenhuma delas com tratamento para a doença. Se não houver tratamento, muitas pessoas vão morrer.
Sabe-se que nós precisamos arcar com os custos dos materiais de limpeza e produtos de higiene. A cada três meses, temos que comprar itens como colchões, lençóis, cuecas e calções. O restante dos itens são comprados mensalmente e precisamos levá-los em qualquer procedimento. Porém, o que acontece é que, durante qualquer procedimento, os guardas tiram tudo o que é nosso e jogam na frente de todo mundo. Isso nos faz sentir que eles não se importam conosco.
Somos maltratados do início ao fim e para entrar na prisão precisamos rasgar nossas roupas, para que eles nos revistem. Eles dizem que tem familiar que leva droga. E eu com isso? Isso não faz sentido, já que não sabemos quem leva drogas e eu não levo droga lá para dentro. Se alguém leva drogas, que punam essa pessoa e não façam todos nós pagar por isso.
Estamos pedindo ajuda das autoridades para que tomem posição sobre essa situação, pois o sistema prisional está totalmente falido. Não queremos que mais nada aconteça, precisamos de ajuda agora. Se for preciso, até ajuda internacional. Não queremos mais que entre e saia presidentes sem nada mudar. Todos os estados estão praticamente iguais e, em breve, todo o país estará em caos. Por favor, pedimos que as autoridades tenham autonomia para nos ajudar. Eu não aguento mais, ninguém aguenta mais.
Edição: Rodrigo Durão Coelho