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Artigo | Bolsonaro favoreceu a Águas do Rio no apagar das luzes

Água vem recebendo tratamento de mercadoria desde que Bolsonaro abriu as porteiras para a privatização

Brasil de Fato | Rio de Janeiro (RJ) |
Cedae foi entregue à iniciativa privada há dois anos, mas investimentos não vieram na velocidade prometida, afirma deputado federal - Reprodução Maré de Notícias

Em 16 de dezembro, nos estertores do governo Bolsonaro (que fugiria para os Estados Unidos dias depois), o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social surpreendeu o mercado, anunciando um financiamento bilionário e em condições inéditas para a Águas do Rio, braço da empresa Aegae, que foi a grande vitoriosa no controverso leilão organizado pelo BNDES para a privatização da CEDAE.

O valor era de R$ 19,3 bilhões, em condições especialíssimas, com dispensa da exigência de garantias corporativas ou bancárias. Do total, R$ 15,5 bilhões seriam destinados a financiar investimentos  e R$ 3,8 bilhões iriam garantir um seguro de funding que permita à empresa ter acesso aos valores, caso não consiga equacionar todos os recursos do projeto até o final de 2024. 

Segundo nota de fato relevante divulgada então pela Aegae, o financiamento seria de longo prazo, mas não deu detalhes. Os desembolsos estavam sujeitos ao cumprimento de “certas condições precedentes”, também afirmou a companhia, mas ainda uma vez sem detalhar.

A falta de informações faz pensar em um presente de pai para filho. É preciso investigar. Principalmente quando se sabe que, menos de um mês antes do anúncio do mega financiamento, a concessionária Águas do Rio pediu e foi autorizada pelo mesmo governo a captar R$ 12,32 bilhões na iniciativa privada, por meio de debêntures incentivadas. Mas, ainda neste caso, não encontramos qualquer informação detalhada e nem anúncios relacionados à emissão das tais debêntures. 

O que encontramos foi uma análise feita pela S&P Global, em julho de 2022, na qual a consultoria faz alguns alertas importantes ao mercado. Destaco dois pontos:

1) "A Aegea ainda apresenta uma concentração significativa de dívidas em 2023, de cerca de R$ 9 bilhões, dos quais R$ 7,8 bilhões referem-se aos empréstimos-ponte para o financiamento da outorga de Águas do Rio";
2) A possibilidade de rebaixamento dos ratings da empresa “caso o plano de refinanciamento da empresa no nível das concessões de Águas do Rio não fosse concluído até o final de 2022, resultando em pressões de liquidez”.

É curioso ver que, no primeiro trimestre de 2022, a Águas do Rio registrou um aumento de cerca de 16% em sua base de consumidores, mas o lucro cresceu algumas vezes mais - aproximadamente 27%, no volume faturado.

Recurso essencial para a vida e elemento central para as políticas públicas de saneamento básico, a água vem recebendo tratamento de mercadoria, desde que, há quase três anos, o governo Bolsonaro assinou o novo Marco Legal do Saneamento Básico, que abriu as porteiras para a privatização desse segmento vital para a população. De lá pra cá, quase nada mudou; houve até um preocupante recuo na oferta de água potável, que era de 94,38%, em 2020, e caiu para 94,19%. 

No caso do Rio, há quase dois anos, a Cedae foi entregue à iniciativa privada, por R$ 24,9 bilhões, somando os dois leilões organizados pelo BNDES. Mas os investimentos não vieram na velocidade e no volume prometidos. A situação em alguns municípios piorou, inclusive na capital.

Um estudo divulgado no último dia 20 de julho, pelo Instituto Trata Brasil, analisa especialmente os 100 maiores municípios do país e torna evidente o dano causado pela privatização da Cedae. Das 20 melhores cidades analisadas, o estado do Rio comparece apenas com Niterói, em quarto lugar. Mas entre as 20 piores, estão quatro municípios fluminenses, sendo três da Baixada - Belford Roxo, em 85º lugar, São João de Meriti, em 89°, Duque de Caxias em 90º e São Gonçalo 96º lugar. Mesmo a cidade do Rio de Janeiro, que, em 2020, ocupava o 44º lugar, agora caiu para 48º.

O estudo do Instituto Trata Brasil testemunha um quadro trágico. De 2020 até hoje, permanece inalterada a situação dos 35 milhões de brasileiros sem acesso à água tratada em todo o país, dos 100 milhões sem coleta de esgoto e das mesmas 5,3 mil piscinas olímpicas de esgoto sem tratamento despejadas na natureza todos os dias. 

A população mais empobrecida é a mais penalizada, conforme dita a cartilha do lucro acima de tudo e de todos. Não por coincidência, no país herdado de Bolsonaro, onde mais de 33 milhões de pessoas não têm garantido o direito a comer, temos 35 milhões também sem direito a beber água de qualidade.

O Brasil tem o maior potencial hídrico do nosso planeta; aproximadamente 12% dos recursos mundiais de água doce. O estado do Rio de Janeiro é rico em recursos hídricos - só na Baixada, temos oito rios; em São Gonçalo, temos sete. 

É preciso cuidar, tratar e aproveitar esses mananciais em benefício da população, em projetos de desenvolvimento, lazer e geração de empregos e renda, como nas áreas da agroecologia, transporte, turismo … e, claro, saneamento básico e água de qualidade para o povo.

* Reimont é deputado federal pelo Rio de Janeiro e vice-líder do Partido dos Trabalhadores na Câmara Federal.

** Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.

Edição: Eduardo Miranda