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Artigo | Na luta das mulheres, se não avançam todas juntas, nenhuma será livre

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"Não há como ordenar se vem primeiro as mulheres, as pessoas negras, os povos indígenas, as LGBTI+, trabalhadores, pessoas com deficiência. É preciso colocar nossas necessidades lado a lado" - Foto: Mídia NINJA
Por um mundo mais justo, com comida limpa e farta na mesa, prazer e dignidade

Assim como o antirracismo é um grande guarda-chuva em que se abrigam tantas pautas, a luta das mulheres, no plural, acolhe diversas pessoas e grupos que, com todas as complexidades envolvidas, têm diversas necessidades a serem pensadas. O machismo atinge o conjunto de mulheres, sendo brutal contra todas nós, tanto cis quanto trans, porque o que se persegue é o imaginário coletivo do que é ser mulher, não importando o formato do corpo que carrega essa identidade.

A misoginia viola todos os corpos com vagina, independentemente da identidade de gênero e de qual experiência esse corpo tem no mundo. Nesse caso, a maioria das pessoas atingidas são mulheres, mas não só, uma vez que pessoas transmasculinas, não binárias e outras dissidentes de gênero que possuem vulva, não ficam isentas de sofrer violência ao deixarem de se identificar com o que a sociedade chama de mulher.

Interseccionalidade

O capitalismo está na base de todas as opressões, que se retroalimentam e se reinventam de maneira perversa conforme nossas lutas avançam. Não existe uma só maneira de enfrentar esse poder, não é possível eleger prioridades numa imensa lista de violências que têm a mesma urgência.

Não há como ordenar se vem primeiro as mulheres, as pessoas negras, os povos indígenas, as LGBTI+, trabalhadores, pessoas com deficiência. É preciso colocar nossas necessidades lado a lado, de maneira horizontal, e juntar esforços para que se avance sem deixar ninguém para trás.

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Joênia Wapichana, ex-deputada federal e atual presidenta da Funai, falando sobre o livro Feminismo para os 99%, explica que "para solucionar uma crise múltipla, são necessárias múltiplas formas de enfrentamentos, próprias para cada situação". E que mesmo que "cada avanço seja uma vitória, a chave é a coordenação dos esforços, a articulação das lutas, para que as vitórias não se anulem".

Mas, como isso se materializa na prática?

Nunca se debateu e avançou tanto no campo da dignidade menstrual como agora. Iniciativas de lei de combate à pobreza menstrual foram criadas nas três instâncias de poder. Só na Câmara Municipal de Belo Horizonte, desde o começo desta legislatura, três projetos de lei (PL) foram apresentados sobre o tema, um deles do nosso mandato, o PL 99/2021, que prevê a distribuição gratuita de absorventes para mulheres em situação de vulnerabilidade na cidade e conscientização sobre a menstruação.

Estamos conseguindo pautar esse tema nas escolas e na mídia, avançando em busca de garantir dignidade para meninas, mulheres e demais pessoas que menstruam na nossa cidade e em todo o país.


Dignidade menstrual é permitir que as meninas mais pobres também possam ter o mesmo acesso ao absorvente higiênico que as meninas da classe média e alta / Divulgação

E da mesma forma, a última eleição foi a que mais mulheres trans foram eleitas para cargos legislativos Brasil afora, provando que não precisamos disputar espaços entre nós, mas juntas devemos avançar contra aqueles que ocupam o poder historicamente e não querem perder privilégios.

Não precisamos opor nossas lutas por um suposto local único que existiria para ser disputado entre nós. Devemos ocupar mais e mais vagas, retirando de cena a maioria branca, masculina e cisgênera que sempre esteve ali e pouco está disposta a ceder esse espaço.

"Precisamos ir além das dicotomias, de um mundo dividido em apenas duas opções", nos traz Joênia, em mais um trecho do livro. Menos ainda, essas opções devem ser excludentes ou só podem existir na negação das outras. A ideia de que precisamos eleger a pauta única da vez e nos debruçar exclusivamente sobre ela é uma grande cilada que apenas nos distrai do nosso objetivo principal: a superação das opressões.

As mulheres, todas nós, das meninas às idosas, nossos filhos pretos na mira do fuzil da polícia, todas as dissidências de gênero que não se submetem às normas sociais, nossa cultura e tradições, as juventudes com seu fôlego novo, negros e indígenas, temos todos um norte comum, aquele que busca a erradicação de todas as formas de opressão e exploração, um mundo mais justo, com comida limpa e farta na mesa, prazer e dignidade.

E no fim das contas, é isso que qualquer pessoa precisa para viver bem. Se organizar direito, tem para todos e ainda sobra para as próximas gerações.

Iza Lourença é vereadora em BH pelo PSOL.

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Este é um artigo de opinião. A visão da autora não necessariamente expressa a linha editorial do jornal.

Edição: Larissa Costa