Áudios que circulam em grupos de garimpeiros de Roraima desde o final de semana indicam que os invasores estão sendo orientados, pelos seus próprios porta-vozes e articuladores políticos, a saírem da Terra Indígena Yanomami. Eles querem apoio do governo de Roraima para montar uma “operação” a fim de retirar os garimpeiros.
A Agência Pública conversou com um desses operadores políticos, Jailson Reis de Mesquita, que confirmou a orientação: “O nosso pedido é que todos saiam [do território indígena]. Até para evitar qualquer tipo de conflito, de confronto. Até porque o próprio governo federal – é uma grata surpresa para nós – está se dispondo a buscar diálogo […]. Já se fala em buscar novas áreas para realocamento das pessoas. Então não tem por que ninguém ficar lá numa área que não é legalizada se a gente pode buscar o caminho correto”.
Nos áudios, Mesquita afirma que a saída “voluntária” é necessária porque o governo federal vai adotar, depois do dia 6 de abril, prisões e persecução penal para todos os garimpeiros que insistirem em ficar ou que estejam saindo do território indígena.
Mesquita é assessor da Mesa Diretora da Assembleia Legislativa de Roraima e se identifica como “coordenador político” do Movimento Garimpo É Legal (MGL), grupo que afirma estar mantendo reuniões com representantes dos governos estadual e federal sobre os efeitos da operação de desintrusão dos garimpeiros determinada no final de janeiro, por decreto, pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva após a constatação de centenas de mortes de Yanomami por causas evitáveis, como desnutrição e malária.
Jailson Mesquita também já participou de eventos na Assembleia e deu diversas entrevistas à imprensa local e nacional na condição de “coordenador político” do MGL. Em 2008, ele foi candidato a vereador pelo DEM em Boa Vista (RR). Em um evento pró-garimpeiros em 9 de fevereiro passado numa praça de Boa Vista, Mesquita discursou ao microfone para os garimpeiros e familiares e foi bastante aplaudido.
Mesquita disse à Pública que o MGL hoje representa “uma totalidade de todos os garimpeiros, nós nos tornamos a voz de todos os garimpeiros de Roraima. Inclusive a nossa missão nesse ‘pós garimpo’ é organizar as associações como manda o artigo 174 da constituição, vamos reorganizar as cooperativas que estão totalmente irregulares, vamos tentar ajustar todas as instituições necessárias”.
Em seu perfil no Facebook, o empresário Rodrigo Martins de Mello, o Cataratas, aparece como “coordenador-geral” do MGL. Cataratas é alvo de diversas investigações da Polícia Federal e do Ministério Público Federal em Roraima por conexões com o garimpo. Em 2021, ele foi multado em R$ 1,9 milhão pelo Ibama por problemas relacionados à sua empresa de táxi aéreo, incluindo “armazenamento de combustível e funcionamento de heliponto e ponto de abastecimento de maneira irregular”, conforme a Pública divulgou no ano passado.
Em 2022, Cataratas foi candidato derrotado a deputado federal pelo partido de Bolsonaro, o PL. No último dia 15, a Justiça Federal de Roraima rejeitou, pela sexta vez, um pedido de prisão do empresário, que nega qualquer relação com o garimpo ilegal na terra Yanomami.
A retirada dos garimpeiros agora orientada pelos articuladores políticos é um sinal de que a operação de desintrusão da terra indígena Yanomami está surtindo efeito. O governo age em duas frentes distintas: bloqueio de rios e ações de localização e destruição de equipamentos de garimpeiros, feitos principalmente por Ibama, Funai e Força Nacional, e controle do espaço aéreo, com a proibição de vôos não autorizados pela FAB (Força Aérea Brasileira).
Foram abertos “corredores aéreos”, que os militares chamaram em nota de “humanitários”, até o dia 6 de abril, para a saída “voluntária” dos garimpeiros. A Polícia Federal também fez algumas e pontuais incursões no território a fim de destruir equipamentos.
O bloqueio do abastecimento de alimentos e de óleo diesel, usado nos motores das dragas, levou à saída “voluntária” de muitos garimpeiros desde o final de janeiro. Ainda é incerto o número de quantos saíram e de quantos ficaram no território.
O ministro Flávio Dino (Justiça) chegou a dizer há duas semanas que restariam apenas 1 mil garimpeiros, número recebido com grande ceticismo pelos servidores públicos diretamente envolvidos na operação de desintrusão. Mesquita estimou à Pública que 2 mil garimpeiros permaneçam no território, mas logo depois reconheceu que “ninguém é capaz de te dizer um número preciso, nem nós, nem o governo”.