Após o reajuste na passagem dos trens da SuperVia de R$ 5 para R$ 7,40 em fevereiro, no Rio de Janeiro, a procura para habilitar a tarifa social através do Bilhete Único Intermunicipal (BUI) nos cartões Riocard aumentou. Com o benefício ativado, os usuários continuam pagando o valor da passagem sem o reajuste, com a diferença subsidiada pelo governo do estado.
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Ainda assim, a tarifa social é pouco utilizada. Antes do reajuste, apenas 7% dos passageiros da SuperVia que usavam o Riocard como método de pagamento tinham o benefício habilitado. É o que indica um relatório do Observatório dos Trens com dados da transparência do BUI do primeiro mês do ano.
A coordenadora do Observatório dos Trens, Rafaela Albergaria, explica que a pesquisa calculou a média de passageiros tendo como referência os dados de operação de um dia útil disponíveis no site.
“Para fazer o cálculo olhando para o mesmo contexto, a gente fez a comparação de uma quinta-feira de dezembro, que assim como janeiro é um mês de férias escolares, para fazer o cálculo em relação ao número de usuários que têm BUI e utilizaram os trens”, detalha Rafaela.
“Quando a gente fez esse cálculo, só 7% das pessoas tinham tarifa social. Isso significa que no recorte temporal da pesquisa, só 7% das pessoas que pegam trem diariamente tinham BUI. Então 93% dos passageiros pagantes diários teriam que pagar o valor cheio da passagem (R$ 7,40)”, completa a coordenadora do projeto.
Na última quarta-feira (1º), após questionamentos do Brasil de Fato, o Riocard Mais divulgou um comunicado à imprensa com o balanço dos cadastros na tarifa social ferroviária. De acordo com o levantamento, 211.525 cartões foram habilitados com BUI até a última segunda (27) e estão aptos a pagar R$ 5 no trem, mas não informou o quanto equivale do total de cartões
"O número é resultado de quase um mês de campanha para garantir o acesso à tarifa social", segundo o Riocard Mais. A campanha foi feita em conjunto com a SuperVia e o Governo do Estado.
Por meio da assessoria de imprensa, o Riocard Mais sustenta que houve aumento na utilização da tarifa social na Supervia, "mas o período curto de tempo ainda não permitiu que os dados fossem compilados em estatísticas".
Dificuldade de cadastrar
A estagiária Thaiane Souza, moradora da Baixada Fluminense, chegou a desistir de pegar o trem do ramal Japeri no horário da manhã. Sem conseguir embarcar no vagão lotado e com o medo de se machucar, ela prefere pagar mais caro indo para o trabalho de ônibus até a estação final Pavuna e de lá pegar o metrô até o centro da cidade.
Quando soube do aumento da passagem do trem em fevereiro, Thaiane optou por abandonar de vez o serviço da SuperVia também na volta para casa. Assim, o trajeto sairia mais barato, porém com o custo adicional das horas a mais no trânsito.
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“Na volta pra casa eu pegava um ônibus para Marechal e depois um para Nova Iguaçu para ficar mais econômico já que no primeiro ônibus eu poderia usar o bilhete universitário, e pagar R$ 4,30 no ônibus para Nova Iguaçu, e não R$ 7,40 no trem. Saindo do centro do Rio às 16h, eu chegava às 19h em Marechal por causa do trânsito na Aenida Brasil, o que me custava tempo e me deixava ainda mais exausta, mas na ponta do lápis, no final do mês, faria sentido cada centavo economizado”, contou a jovem.
Thaiane só voltou a utilizar o trem depois de habilitar o Bilhete Único Intermunicipal (BUI), mas o processo foi marcado por tentativas frustradas e transtorno.
“Quase 1 hora na fila, calor de 40ºC, pressão baixa, sensação de desmaio, eu disse que já tinha tentado no site e o atendente disse para seguir um passo a passo de um folheto. Quando saí da fila, tentei ali mesmo fazer o cadastro no site e não consegui”, relata a estudante.
"Me senti assaltada"
Na segunda tentativa de habilitar o BUI na loja do Riocard Mais, após esperar 48h para o benefício ser ativado no cartão, Thaine teve uma surpresa na hora de utilizá-lo na estação.
“Quando passei deu R$ 7,40. Me senti assaltada ali. Quando entrei no vagão algumas pessoas diziam que tinham feito a tarifa social e pagaram o valor da passagem cheio”, lamentou a jovem que só resolveu o problema na terceira visita a um dos postos de atendimento.
Outra passageira relatou ao Brasil de Fato que teve problemas com o aplicativo do Riocard Mais. "Não é possível continuar o cadastro com o CPF informado", diz a mensagem no celular da jovem que preferiu não ter o nome divulgado.
A solução para não pagar a passagem mais cara é usar o Riocard Mais da mãe emprestado, único com o benefício habilitado. Mesmo com o risco de ter o cartão suspenso pelo controle de reconhecimento facial. Os cartões são pessoais e intransferíveis, segundo o site, e a tecnologia confirma o uso pelo titular do cartão.
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"Fui fazer o cadastro dos cartões, meu e da minha mãe, na estação de Deodoro. O dela eu consegui cadastrar, mas o meu não funcionou. Bloquearam meu CPF por algum motivo que não foi explicado e vou precisar ir em alguma loja da Supervia para resolver, só que ainda não tive tempo. Então eu uso o da minha mãe para pagar R$ 5", disse a adolescente de 16 anos.
A estudante conversou com a reportagem enquanto aguardava o trem na estação Madureira, zona Norte do Rio, sentido Central do Brasil, no horário de rush. Após 40 minutos de espera, ela seguiu viagem em um trem expresso até a estação final.
Arrecadação é de 2,5 milhões
Para Rafaela Albergaria, do Observatório dos Trens, a SuperVia teve um ganho na arrecadação que não condiz com o serviço prestado para a população fluminense. A concessionária é alvo recorrente de reclamações de passageiros por atrasos, superlotação, falta de acessibilidade.
“Mesmo garantindo uma tarifa social, a empresa continua recebendo do Estado a restituição de R$ 2,40 que o passageiro não pagou. Isso significa uma arrecadação diária de quase 2,5 milhões. É um dado que contrasta com a precariedade do serviço, dos trens que atrasam todos os dias, quebram no meio do caminho. Pra tudo na vida a gente precisa se deslocar. O transporte público é o acesso à educação, saúde, emprego e renda”, completa.
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Em nota, a SuperVia informou que a tarifa é a principal fonte de receita da concessionária para viabilizar o serviço e a operação do sistema e o reajuste está previsto no Contrato de Concessão. A assessoria de imprensa não respondeu sobre o Brasil de Fato sobre a baixa adesão dos usuários a tarifa social ferroviária.
Quem tem direito?
Para ter direito ao desconto da tarifa social, é preciso atender aos seguintes requisitos: ter entre 5 e 64 anos; ganho mensal até R$ 7.507,49 (teto do INSS); e possuir um cartão Riocard Mais habilitado no Bilhete Único Intermunicipal e vinculado ao próprio CPF. Quem trabalha sem carteira assinada ou não possui renda também tem direito ao benefício.
Para verificar se seu cartão está habilitado no BUI, faça uma consulta pelo CPF do titular. Ou entrar em contato com o assistente virtual da Riocard Mais pelo WhatsApp (21) 2127-4000. É possível fazer o cadastro do cartão pelo site ou em uma das lojas da Riocard Mais. São 20 pontos de atendimento, sendo 15 lojas na região metropolitana.
Edição: Mariana Pitasse