Jogada eleitoral

Presidente da Argentina, Fernández, ataca o Judiciário e aumenta a tensão com opositores

Ele abriu as sessões legislativas de seu último ano no poder com cartada para tentar a reeleição

Brasil de Fato | Buenos Aires, Argentina |
Reencontro: Alberto Fernández ao lado de Cristina Kirchner durante a abertura das sessões legislativas ordinárias do ano, nesta quarta-feira (1). - Casa Rosada

A cada 1º de março na Argentina, o presidente da Nação inaugura oficialmente as sessões legislativas do ano no Congresso Nacional, em um ato carregado de simbolismo político e que tende a marcar a pauta do governo nacional naquele ano. 

Assim foi como o presidente Alberto Fernández discursou energicamente durante duas horas no Congresso na tarde desta quarta-feira (1), não sem tensões, diante de opositores e os juízes da Corte Suprema, que são alvo de um julgamento político aberto pelo presidente e governadores.

Ao seu lado, estavam a presidenta da Câmara dos Deputados, Cecilia Moreau, e a vice-presidenta da Nação, Cristina Kirchner. Com brigas e rachas que marcam o clima interno da coalizão governista Frente de Todos, este foi o primeiro encontro entre o presidente e sua vice após 8 meses.

Judiciário na mira

“Em um mundo onde suportamos tentativas desestabilizadoras de poderes midiáticos e minorias intensas, é um orgulho celebrar 40 anos de democracia”, disse Fernández ao início de seu discurso, em referência ao aniversário da redemocratização do país após a última ditadura militar.

Um fator surpresa foi o gesto que o presidente argentino fez à vice: pediu para a Justiça julgar e condenar os autores materiais e intelectuais do atentado contra a vida de Cristina Kirchner, em setembro do ano passado.

“Peço que atuem com a mesma primazia com que arquivaram os processos contra juízes e empresários poderosos”, disse, em referência às investigações sobre os vínculos entre membros da Corte Suprema e funcionários do Proposta Republicana, partido do ex-presidente Mauricio Macri e do atual prefeito do distrito mais rico do país, a Cidade Autônoma de Buenos Aires.

Os escândalos que envolvem estes setores se desenrolaram no final do ano passado, a partir de chats vazados e divulgados recentemente. Nesse sentido, apontou também contra os meios de comunicação que contribuem para esse mesmo poder concentrado.

“Existe uma liberdade de imprensa absoluta e assim deve ser. Apenas advirto sobre os argumentos que, muitas vezes, são intelectualmente desonestos e carregados de ódio.”


Tensões com o bloco opositor

Fernández não deixou de tocar em outro assunto que tem estimulado a rivalidade com o macrismo: a lei de coparticipação federal. Em 2020, Fernández decidiu retirar os fundos extras que foram direcionados à cidade de Buenos Aires por Mauricio Macri, quando seu partido administrava tanto a presidência como a capital do país

Mas em dezembro do ano passado, a Corte Suprema decidiu a favor do chefe de governo da cidade de Buenos Aires, Horacio Rodríguez Larreta, determinando que o governo nacional pague ao governo local os 2,95% que foram retirados por Fernández para redistribuição nacional.

“Eticamente, estamos obrigados a pôr fim a tanta desigualdade e tirar da postergação aos que ficaram na pobreza, por império de políticas que concentram a riqueza com um critério centralista que tanto gera rejeição”, disse. “A intromissão da Justiça na execução orçamentária é definitivamente inadmissível.”

“Os recursos coparticipáveis são distribuídos de acordo com as formas estabelecidas por uma lei de convênio firmada por cada província argentina e o Estado Nacional. A Cidade Autônoma de Buenos Aires não forma parte desse convênio”, ressaltou o presidente.

Foi o momento de maior tensão do discurso do presidente. Alguns deputados do partido Juntos por el Cambio se levantaram e deixaram o recinto. Após abandonar o salão ainda durante a cerimônia, o deputado Martín Lousteau, do Juntos por el Cambio, justificou sua saída em sua rede social. “Fui embora porque não posso admitir semelhante barbaridade. O Presidente mente: não pode dizer que a Cidade de Buenos Aires não é parte do convênio de coparticipação”, escreveu.

Reeleição?

O enfático discurso de Alberto Fernández pode ter representado uma cartada final diante de um cenário pouco promissor para o mandatário nas pesquisas de opinião preliminares. Em seu último discurso de mandato em um 1º de março no Congresso, o Fernández fez um repasse de seus três anos de gestão como presidente.

Ainda não há definições sobre as listas de candidatos da Frente de Todos para este ano eleitoral, mas Fernández tem empenhado um tom de candidatura em seus discursos e aparições públicas. Neste sentido, reforçou o acordo com o Fundo Monetário Internacional (FMI) firmado por seu governo – o pivô de discórdia no interior da coalizão –, retomando a origem do problema: a contração da dívida durante o governo de Mauricio Macri, em 2018.

“Fui capaz de enfrentar e frear às duras condições impostas pelo FMI. Também enfrentei a pandemia e levei as vacinas aos que necessitavam”, enfatizou. Mas defendeu sua gestão em relação ao FMI. “Nem o Ministro da Economia nem eu não precisamos do FMI para ter ordem fiscal. Também não precisamos do FMI para saber que é necessário aumentar as exportações para gerar divisas”, destacou.

Edição: Rodrigo Durão Coelho