As regras para a privatização da Eletrobras estão hoje em processo de revisão na Advocacia-Geral da União (AGU). A pedido do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), o braço jurídico do governo federal iniciou um estudo sobre o caso. Esse trabalho tende a culminar em pedidos à Justiça para reversão de determinados pontos da operação.
No último dia 7, Lula declarou num café com jornalistas que a privatização da Eletrobras foi “leonina contra o governo” e “lesa-pátria”. “Foi feito quase que uma bandidagem para que o governo não volte a adquirir maioria na Eletrobras”, afirmou ele, antes de anunciar o início dos estudos da AGU.
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Em 19 de janeiro, membros do Coletivo Nacional dos Eletricitários (CNE) já haviam se reunido com o próprio advogado-geral Jorge Messias para tratar do assunto. No encontro, os eletricitários listaram a ele suspeitas de irregularidades na privatização.
Ikaro Chaves, diretor da Associação dos Engenheiros e Técnicos do Sistema Eletrobras (Aesel) e ex-membro do governo de transição, afirmou que parte do que foi informado pelos trabalhadores à AGU deve embasar os processos contra a privatização.
Tem mas não controla
Chaves afirmou que o primeiro problema apontado pelos eletricitários é que a lei da privatização da Eletrobras, na prática, limitou o poder de voto do governo na empresa num patamar abaixo do controle acionário da União.
Antes da privatização da Eletrobras, a União detinha cerca de 63% das ações da empresa. Os votos do governo tinham peso proporcional a essa parcela. Isso significa que ele controlava a empresa.
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Após a privatização, a participação societária da União na Eletrobras foi reduzida para cerca de 42%. Acontece que, com base na lei sobre a operação, o governo vota como se tivesse só 10% das ações da companhia.
Chaves explicou que a lei da privatização limitou a participação de todos os acionistas em votação da Eletrobras para que, teoricamente, nenhum grupo específico –seja ele público ou privado– tivesse controle sobre a empresa. No entanto, hoje, só a União tem mais de 10% das ações da companhia. A lei da privatização, portanto, serviu exclusivamente para “esterilizar” as ações do governo nos processos de votação.
"A única prejudicada foi a União. Foi com o objetivo de evitar que no futuro governo assumisse [a empresa]", disse Chaves.
Lula, aliás, criticou essa “esterilização” na conversa com jornalistas.
Não controla mas paga
Chaves ressaltou que essa situação sobre o poder de votação desproporcional ao capital da União pode criar uma situação absurda.
Ele lembrou que, no caso Americanas, os sócios-controladores da empresa podem ser obrigados a arcar com prejuízos causados pela varejista. No caso da Eletrobras isso também pode acontecer por conta de uma eventual má gestão, principalmente porque a empresa é hoje controlada por indicados dos sócios das Americanas.
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Chaves explicou que, nessa hipótese, a União teria que assumir 42% das dívidas, já que tem 42% do capital da empresa. Isso, mesmo tendo poder de voto sobre os rumo da companhia de só 10%.
"Um princípio básico da sociedade por ações é o de cada ação, um voto. Você tem que ter os ônus e os bônus", explicou Chaves. "Numa eventual má gestão de uma empresa pública, a União vai ter que arcar com isso. Só que ela não determina o rumo da gestão. Então como é que ela vai vai arcar com o prejuízo que ela não causou?"
Vende mas não pode comprar
Por fim, Chaves lembrou que a privatização da Eletrobras prevê uma espécie de punição para acionistas que atuem para tornar-se sócios majoritários da empresa, isto é, deter mais de 50% das ações. Essa previsão encarece uma possível tentativa do governo parar recompra do controle da companhia.
A tal punição é chamada de cláusula de poison pill – pílula de veneno, na sigla em inglês. Por meio dela, se um acionista adquirir na bolsa de valores ações para deter mais de 50% do capital da Eletrobras, ele é obrigado a ofertar aos donos dos outros 49,9% das ações um valor 200% acima do de mercado para compra dos papéis.
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Segundo cálculos do CNE, por conta desta cláusula, a União teria de pagar R$ 161 bilhões para reaver o controle da Eletrobras. Caso a poison pill e a limitação sobre poder de voto sejam derrubadas, o custo para reestatizar a Eletrobras seria de cerca de R$ 5 bilhões.
"Foi como um sequestro", disse Chaves. "Ele sequestraram a empresa e falaram: te devolvo, mas se você quiser pegar ela toda de volta tem que vir pagar o resgate aqui."
Lula afirmou que a compra de ações da Eletrobras para retomada da empresa não é prioridade em seu governo. O presidente, contudo, não descartou essa possibilidade.
Chaves afirmou que todos os problemas indicados pelo CNE à AGU já são temas de ações judiciais em tramitação. Ele, aliás, disse que há ações que visam o cancelamento de toda a privatização ainda aguardando julgamento.
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Após as declarações de Lula sobre a privatização, o atual presidente da Eletrobras, Wilson Ferreira Junior afirmou que a operação foi debatida no Congresso Nacional e aprovada no Tribunal de Contas da União (TCU). Ele informou, em nota encaminhada à revista Veja, que o processo atraiu investimentos e garantirá tarifas de energia módicas.
A AGU informou que não estipulou datas para o fim de seus estudos nem adiantou qual será o resultado deles.
Edição: Rodrigo Durão Coelho