O ano de 2023 celebra a retomada, sem restrições da pandemia, das ruas pelos foliões que curtem, pulam e brincam o carnaval. Ainda que em 2022 o Rio de Janeiro tenha sido a única capital do Brasil que, de certa forma, contou não só com um, mas dois carnavais, 2023 marca a retomada do carnaval por inteiro.
Um carnaval completo, com as escolas de samba na Marquês de Sapucaí e na Intendente Magalhães, com os grupos de bate-bola na Zona Norte e com as centenas de blocos carnavalescos espalhados por toda cidade acontecendo, simultaneamente, 24 horas durante os quatro dias de folia.
É importante repensar a festa após o período de pandemia: reforçar e ressignificar os afetos, os encontros, os beijos e os abraços, também recuperar o território, ao lembrar que as ruas que já estiveram abandonadas, tristes e desertas, voltam a ter cores, alegria e vida.
O Aterro do Flamengo que foi ocupado por motociatas de apoio ao ex-presidente Jair Bolsonaro, no passado, voltou a ser ocupado por blocos como o Amigos da Onça, o Sargento Pimenta e a Orquestra Voadora. As multidões que em uníssono já gritaram “Fora Temer!” e “Fora Bolsonaro!”, agora puderam, aliviadas, cantar “olê, olê, olê, olá Lula Lula”.
Apesar de se dizer entusiasta do carnaval, o prefeito do Rio Eduardo Paes esteve longe de, através da Secretaria de Cultura e da Empresa de Turismo do Município do Rio de Janeiro (Riotur), prestar o apoio que as manifestações culturais e artísticas do carnaval realmente precisam e merecem - fazendo uma alusão ao período de governo de Marcelo Crivella.
Diversos organizadores relataram dificuldades em inscrever e conseguir as devidas autorizações para seus blocos desfilarem.
Apontaram ainda que houve uma priorização ao carnaval dos grandes eventos, dos patrocínios e do turismo, em detrimento ao carnaval de rua, das manifestações tradicionais e populares do Rio.
Também chamou atenção dos organizadores dos blocos e foliões o gradeamento de algumas áreas do centro da cidade que costumavam funcionar como refúgio durante a chuva ou nos momentos em que o sol estava latente a ponto de atrapalhar a brincadeira. Desta vez, algumas dessas áreas ficaram inacessíveis, como foi o caso do pátio do Museu de Arte Moderna (MAM) e das “varandas” dos armazéns no Boulevard Olímpico.
Essas ações, organizadas a partir de uma parceria entre a prefeitura e a iniciativa privada, são justificadas com o argumento de que estes espaços ficam sujos e são utilizados pelos foliões para urinar. Entretanto, o que a prefeitura deveria ter feito é aumentar exponencialmente o número de banheiros químicos, melhorar a estrutura de manutenção e limpeza, sobretudo na Zona Norte e na região central da cidade, áreas tradicionalmente ocupadas pelos blocos de carnaval.
Neste ano, a escolha foi por um direcionamento de investimentos e de efetivo de segurança quase que exclusivamente aos mega blocos e blocos que acontecem na Zona Sul - áreas nobres, que geram dinheiro e atraem turismo. A Zona Norte e a região central da cidade pareceram estar largadas, à mercê da própria sorte.
O carnaval que mantém vivas as tradições e a cultura brasileira - principalmente do Rio de Janeiro -, segue sua toada de sobrevivência, tentando se manter na base da alegria, amor e trabalho.
O que há alguns anos vem sendo adotado como estratégia por diversos blocos é a modificação do horário de seus cortejos, de maneira que aconteçam o mais cedo possível, 9 horas, 8 horas ou até mesmo 7 horas da manhã. Desta forma evita-se o horário da noite, período do dia em que as ruas da cidade ficam ainda mais perigosas. Mesmo assim, foram comuns os relatos de violência, furto de celular e até mesmo assaltos com faca ou cacos de vidro.
Como acontece em todos os anos, o carnaval de 2023 também teve sua carga de discussões polêmicas.
Em anos anteriores, o debate se dava a respeito dos blocos ditos "secretos", se seriam eles uma forma planejada de segregação social ou apenas uma alternativa para driblar as multidões que inviabilizaram seus cortejos. Houve também a polêmica em torno das fantasias, se poderiam ser consideradas apropriações culturais ou apenas homenagens bem humoradas para brincar o carnaval. Em 2022, a polêmica se deu em torno das restrições devido à pandemia, se era ou não irresponsável participar do carnaval.
Em 2023 a polêmica da vez, bem mais leve que a anterior, é em torno do termo "bloquinho". O questionamento foi sobre os cariocas se referirem aos acontecimentos carnavalescos no diminutivo. Até os perfis oficiais da Prefeitura do Rio de Janeiro no Twitter e Instagram entraram na brincadeira, afirmando que carioca fala “bloco”, “bloquinho” fica para os paulistas.
Pois este que vos fala também tomará partido para dizer que “blocos” são instituições seculares, que envolvem organizações coletivas e que no Brasil têm fortes ligações com a cultura negra e de origem popular. Enquanto os “bloquinhos” são um produto, um enlatado, que você usa e joga fora. Carnaval não é qualquer coisa, há de se respeitar quem mantém viva essa cultura e que trabalha sério pela realização da festa.
Para além das polêmicas, encerrando o carnaval de 2023 ainda teve a coroação da Imperatriz Leopoldinense como a grande campeã entre as escolas de samba. Essa vitória é de imensa importância para a escola e sua comunidade, que amargam um jejum de mais de 20 anos. Reforça também a qualidade do trabalho do carnavalesco Leandro Vieira, que vence seu terceiro título em sete anos disputados no grupo especial.
Com enredos que valorizam a história das escolas e a cultura brasileira, além de não deixarem de se posicionar politicamente, deixando claro de qual lado do nosso espectro político o carnaval deve estar.
Para 2024 ficam as lições de que é necessário se mobilizar politicamente.
É preciso reivindicar ao prefeito da cidade uma melhor estrutura, principalmente nas praças e ruas, mais banheiros químicos, segurança e melhor iluminação são pontos importantes. Ficam ainda as expectativas referentes às escolas de samba: quais inovações conheceremos, qual samba-enredo estará na boca do povo, quem será a grande campeã?
Em relação aos blocos, permanecem as lembranças de momentos marcantes como o retorno dos tradicionais cortejos do Cordão do Boitatá, do Céu na Terra e do Cordão do Prata Preta. Mas entre todas estas expectativas, fica a certeza de que o nosso carnaval é forte, se mantém apesar das permanentes críticas e dos ataques que recebe, se modifica e sabe se reinventar: tudo isso por uma vontade inabalável de sobreviver. Que em 2024 ele novamente virá e que, como sempre, será incrível.
*Felippe Stellet é professor da Universidade Federal Fluminense (UFF), atua no Colégio Universitário Geraldo Reis (Coluni-UFF) e é mestre em Cultura e Territorialidades pela mesma universidade.
**Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.
Edição: Mariana Pitasse