A população que utiliza as barcas para atravessar a Baía de Guanabara ou chegar a ilhas da região, assim como moradores e turistas que transitam entre Mangaratiba, Angra dos Reis e a Ilha Grande devem estar se perguntando sobre o futuro do transporte, diante de tantos vaivéns da empresa que administra o serviço, a concessionária CCR, cujo contrato para o serviço terminou no último sábado (11).
O governador Cláudio Castro (PL) é apontado como o principal culpado por atores envolvidos no caso e entrevistados pelo Brasil de Fato. Para muitos, o chefe do Executivo fluminense demorou para agir quando a empresa anunciou que não tinha mais a intenção de renovar o contrato. Sem ação na época, o governo agora cede aos pedidos da CCR por mais dinheiro para que o transporte não pare.
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Em novembro do ano passado, a própria CCR disse ao Brasil de Fato que a decisão havia sido comunicada às autoridades "em tempo hábil para que o estado tome as providências necessárias para assegurar a continuidade da prestação dos serviços de transporte aquaviário".
A principal razão para que a Justiça do Rio de Janeiro ainda não tenha homologado o novo acordo do governo do estado com a CCR para que o serviço das barcas seja continuado, com toda a insegurança gerada por um contrato já vencido, diz respeito ao valor de R$ 1 bilhão que Cláudio Castro aceitou pagar à empresa concessionária como reconhecimento de uma dívida.
Desde 2015, a CCR pede para deixar a concessão das barcas, alegando prejuízos que chegam, segundo cálculos da empresa, a R$ 1 bilhão. No caso de o novo acordo de um ano, renovável por mais um ano, ser aprovado pelo MP-RJ e homologado pela Justiça, o governo do estado teria tempo hábil de apresentar em licitação uma nova modelagem de concessão que está sendo elaborada pelo Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-Graduação e Pesquisa de Engenharia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (Coppe/UFRJ).
"Até o caixa suportar"
O Ministério Público do estado questiona o valor e pede que sejam apresentadas em documento as razões para o pagamento da multa. A 6ª Promotoria de Justiça de Fazenda Pública da Capital afirma apenas que "solicitou ao Governo do Estado do Rio, à CCR Barcas e à Agência Reguladora de Serviços Públicos Concedidos de Transportes Aquaviários, Ferroviários, Metroviários e de Rodovias do Estado (Agetransp) a apresentação do acordo integral e a sua regularização para posterior análise".
A reportagem perguntou à Agetransp se, diante do impasse para que o acordo seja homologado, os valores no contrato prometidos à CCR por Castro poderiam ser revistos e uma nova rodada de conversas poderia acontecer. A Agetransp afastou essa possibilidade, afirmando que já se manifestou nos autos e que "ratifica todos os cálculos aprovados pelo seu conselho diretor".
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A CCR Barcas disse que continuará prestando o serviço de transporte aquaviário, "em respeito aos usuários, confiando que a Justiça homologará o acordo celebrado nos próximos dias". Mas a concessionária também explicou que, caso o acordo não seja homologado, "o serviço será prestado pelo período que o caixa da concessionária suportar".
"Incompetência"
Para o deputado estadual Flavio Serafini (Psol), que vem acompanhando de perto a crise do transporte aquaviário no Rio de Janeiro, o governador cedeu a uma chantagem da empresa que explora o serviço por completa falta de ação no passado para tentar mudar a concessionária que exploraria o serviço a partir deste mês, após os vários avisos da CCR de que não pretendia continuar no modal.
"O governo do estado está usando sua incompetência de não ter conseguido encontrar uma saída lá atrás para agora legitimar um acordo que é escandaloso. O governo deveria ter construído alternativas, ter feito uma chamada pública emergencial para operar o serviço durante um ano ou organizar uma intervenção direta para dar continuidade ao serviço, mas ele preferiu ser omisso", critica Serafini.
Desde o início da pandemia da covid-19, a Ilha de Paquetá foi a região atendida pela CCR Barcas que mais sofreu. A redução da oferta de barcas, revertida após o período mais agudo da pandemia nas demais regiões, foi mantida no bairro por conta de uma decisão judicial favorável à CCR, que alegou que a linha Rio-Paquetá é deficitária e provoca desequilíbrio econômico no caixa da concessionária.
Presidente da Associação de Moradores da Ilha de Paquetá (Morena), Guto Pires afirma que o acordo "tem jeito, forma e cheiro de corrupção com os recursos públicos". Ele contou que a associação nunca teve acesso aos cálculos que justifiquem a chancela que a Agetransp deu para o estado indenizar a CCR. Pires disse também que a situação de Paquetá é ainda mais dramática.
"Todas as populações da Baía de Guanabara precisam das barcas, têm esse direito ao transporte. Mas no caso de Paquetá esse é o único transporte. Ou vai de barca ou não vai. A redução das barcas alterou e reduziu drasticamente nossa qualidade de vida, sem falar que Paquetá é uma ilha turística e o turismo ficou inviabilizado, perdemos economicamente também", lamentou ele.
Edição: Mariana Pitasse