Um cenário de guerra. Mortes. Deslizamentos de terra. Enchentes. Destruição de casas, lojas e famílias. Há um ano o município de Petrópolis, na região serrana do estado do Rio de Janeiro, foi atingido por uma das maiores catástrofes climáticas do país. As fortes chuvas, de fevereiro e março, mataram 241 pessoas.
Os impactos da tempestade do dia 15 de fevereiro de 2022 podem ser vistos até hoje pelas ruas da cidade. O Brasil de Fato esteve em Petrópolis e conversou com comerciantes locais de uma das áreas mais afetadas na região central do município, a rua Washington Luiz. As marcas da tragédia permanecem em lojas abandonadas e com as portas de aço destruídas, em restos de pontes e casas que sofreram com as fortes chuvas de fevereiro e março do ano passado.
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Claudio Fabião é dono de um bar na Washinton Luiz há 13 anos. No ano passado o Brasil de Fato acompanhou a luta do comerciante para reabrir as portas do estabelecimento após o segundo temporal, em março. Um ano depois da primeira chuva, o pequeno empresário contou à reportagem que o prejuízo acumulado por conta das chuvas chegou a R$ 50 mil e que o bar não conseguiu retomar plenamente o movimento que tinha antes da tragédia.
“Trabalho com a minha família e alguns colaboradores. Estamos nas mesmas dificuldades depois que aconteceu a tragédia de fevereiro e depois repetidamente a de março. Dificuldade de investimentos, de cumprir com os compromissos, de ter os clientes de volta. Porque a loja não é mais a mesma. Até depois das chuvas vem refluxo do rio e sai pelo ralo, não tem investimento do poder público”, explica.
Fabião tem um custo mensal de funcionamento de R$ 9 mil contabilizando aluguel despesa com funcionários, Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana (IPTU), gás e água. Na avaliação dele, pouco foi feito para ajudar os estabelecimentos comerciais do município.
“Agora só tenho um motoboy e uma colaboradora, mas eu já cheguei a ter três funcionários mais o motoboy. Aqui era tudo mais pintadinho, bonitinho, agora está feio, difícil, a dificuldade começa desde o poder público que ainda cobra IPTU num ano desse”, afirma o comerciante que destaca ainda que o único recurso público que teve acesso após a tragédia foram R$ 10 mil da Agência Estadual de Fomento (AgeRio).
Corrente humana
Lívia Azevedo tem uma loja de material de construção da Washington Luiz. O comércio funciona há 25 anos no mesmo local e, segundo ela, nunca presenciou uma enchente como a do dia 15 de fevereiro. A empresária saiu da loja com a água no pescoço e com a ajuda de uma corrente humana.
“A água chegou a 1,70, 1,80 metros. Quando eu sai daqui a água estava no meu pescoço. Fizemos uma corrente humana e como a loja está após a curva, a correnteza não estava forte na calçada, e nós fomos segurando pela parede e entramos no hotel ao lado”, relata.
A comerciante parou de contabilizar os prejuízos. De acordo com ela, como trabalha com muita mercadoria em ferro, alguns itens enferrujaram e não podem mais ser vendidos. Além da perda de produtos, Lívia precisou investir numa estrutura para minimizar o impacto dos danos em caso de novas enchentes.
“Aqui já tinha uma comporta porque sempre foi um local que quando o rio transbordava enchia, mas a minha comporta era de 80 centímetros, dessa vez eu tive quase que dobrar o tamanho da minha comporta que está com o total de 1,80 metros. Fiz uma comporta na frente, uma outra nos fundos. Tive que reorganizar o nosso material. Colocar pra baixo o que pode molhar e não estragar, tive que refazer a parte de esgoto, botar uma válvula de contenção para segurar a água do rio se ela voltar pelo esgoto para não sair nos ralos, vaso sanitário e na pia”, conta a empresária que também não conseguiu isenção do IPTU pelo município.
O estabelecimento de Lívia fica próximo da Rua do Imperador, uma das principais vias do centro. Com as chuvas, uma parte da rua Washington Luiz desmoronou. Em caráter emergencial, o governo do estado do Rio de Janeiro assumiu a obra para reconstruir a via e o muro de contenção do rio. A obra neste trecho já foi concluída. Porém, a preocupação dos comerciantes da localidade permanece.
“Essa obra foi muito boa. Um muro de contenção muito forte para segurar a rua porque aqui é um tráfico pesado de carro só que com isso eles fizeram muros mais largos e o rio estreitou, ali na saída do portão da fábrica, eles entraram para dentro do rio e a água desce com mais velocidade. A tendência é o centro encher até mais rápido. Ainda mais com a obra no [Túnel] Extravasor”, ressalta com preocupação Lívia que já presenciou uma enchente em dezembro em que a água chegou até a calçada da sua loja.
Imbróglio
Os comerciantes apontaram para a reportagem uma falta de apoio da prefeitura de Petrópolis para retomar as atividades após a tragédia. Há locais que seguem tentando se recuperar dos danos, mas esbarram em excessos de burocracias e ficam impedidos de reconstruir os imóveis atingidos pela tempestade.
Um exemplo é o Instituto Corrente do Bem, uma organização que atua com a população em situação de rua no município. Desde julho do ano passado a instituição está funcionando numa casa antiga que foi afetada pela enxurrada de fevereiro e teve o muro e o guarda-corpo da ponte, que dá acesso à residência, levados pelas águas.
De acordo com o diretor do instituto, João da Vitória Costa, uma parte da construção do muro é a cargo do município e mesmo com solicitações que ocorrem desde o segundo semestre de 2022 nada foi feito até agora.
"Nós entramos em julho, nós não sabíamos que o poder público tinha responsabilidade. Alugamos em condições de alugar o espaço [estacionamento] para pagarmos o aluguel do imóvel. Porém, quando tomamos ciência dos fatos, a metade dos motoristas saiu porque o muro caiu e só volta se o muro estiver no lugar. Queríamos realocar, mas só pode se a Defesa Civil liberar o laudo. Sendo interditado, não conseguimos alugar os espaços, colocar mais carros e fazer o dinheiro para pagar o aluguel”, explica Costa que depende da realocação para pagar o aluguel integral do imóvel.
A rua Washington Luiz é um dos principais acessos ao centro histórico de Petrópolis para os turistas que chegam na cidade pelo bairro Quitandinha. As obras na localidade estão sendo feitas pelo governo do estado e ainda não foram concluídas. A via faz ligação com a rua Coronel Veiga, que segue com problemas constantes de alagamentos.
Uma preocupação dos moradores e comerciantes da região central da cidade é o Túnel Extravasor. As obras no túnel não foram concluídas pelo governo do estado. O local foi construído nos anos 1960 e 1970 e é uma importante via de escoamento das águas do Rio Palatino, no centro, para o Rio Piabanha, no bairro Itamaraty evitando fortes enchentes centro histórico.
O que diz o poder público?
A reportagem procurou o governo do estado do Rio de Janeiro e a prefeitura de Petrópolis para explicações sobre as obras no município e o apoio aos comerciantes da região afetada.
A Secretaria de Infraestrutura e Cidades (SEIC) informou ao Brasil de Fato que já concluiu mais de 90% das obras realizadas na rua Whashington Luiz. Segundo a nota, a previsão é que ela seja finalizada até o final de março. “A pista já foi totalmente reconstruída, restando apenas concluir a contenção do canal da rua. A intervenção realizada chega até a altura da elevatória”, diz o comunicado.
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Sobre o Túnel Extravasor, a SEIC informou que a primeira etapa será entregue até o final deste mês. “Essa fase corresponde às correções de danos causados pela força da água no túnel nas chuvas de um ano atrás. A galeria, que alivia o alto nível do Rio Palatino, foi construída em 1960 e nunca havia recebido obras. O governo do estado, por meio da SEIC, entregará, neste primeiro momento, o túnel com a estrutura reforçada, desassoreada e desobstruída. Uma segunda etapa a ser licitada ainda neste semestre incluirá obras nas comportas do túnel, além de jateamento de concreto para proteção em volta das paredes e no teto e concretagem no fundo do túnel”, explica o governo estadual.
Segundo a pasta, nenhuma obra que estava em execução foi paralisada. A secretaria informou que o valor total que vem sendo investido pelo governo do estado nas contenções de encosta e no Túnel Extravasor é de R$ 255 milhões. A prefeitura não retornou até o fechamento da reportagem. O espaço segue aberto para o governo municipal.
Edição: Mariana Pitasse