A fuga de garimpeiros ilegais da Terra Indígena Yanomami (RR) pode prejudicar outras terras indígenas que já sofrem com os impactos nefastos da mineração clandestina. O temor é que os 20 mil mineradores que atuam no território Yanomami possam migrar para outros pontos de garimpo onde ainda não há ação contundente do poder público.
Estão em risco outras seis terras indígenas com cerca de 14,5 mil habitantes que sofreram aumento da presença de garimpeiros nos últimos anos. Todas ficam no Pará, um dos polos mundiais da produção de ouro ilegal.
A conclusão é de um levantamento feito pelo Brasil de Fato com base em denúncias públicas de lideranças indígenas e com dados da plataforma Terras Indígenas do Brasil, mantida pelo Instituto Socioambiental.
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“Se não houver um plano do governo federal com respostas rápidas, assistiremos a uma invasão rápida dessas terras”, diz a advogada do Instituto Socioambiental Juliana Batista. Segundo ela, o governo federal deve apostar em um trabalho de inteligência para identificar todos os envolvidos na cadeia do garimpo, não apenas os invasores.
“Não se pode esperar que a situação piore. Temos que cobrar ações imediatas da Funai e das outras autoridades”, defende o ex-presidente da Funai Sidney Possuelo. Ele conduziu operações de expulsão de garimpeiros da Terra Indígena Yanomami na década de 90, quando havia cerca de 40 mil invasores no território, o dobro do que se estima atualmente.
Em entrevista coletiva concedida na última semana em Boa Vista (RR), a ministra dos Povos Indígenas, Sonia Guajajara (PSOL), disse que o governo federal tem um plano para diminuir os impactos da fuga de garimpeiros da Terra Indígena Yanomami, mas afirmou que não pode revelar detalhes por questões de segurança.
Kayapó e Munduruku devem ser prioridades, diz Possuelo
Possuello diz que, se estivesse à frente do órgão indigenista, priorizaria a expulsão dos garimpeiros de dois territórios: Kayapó e Munduruku, ambos no Pará.
“Infelizmente existe um problema de saúde na terra dos Kayapó, onde algumas aldeias já foram corrompidas por garimpeiros, o que levou à dissensão interna e até à morte. É necessário agir agora para evitar conflitos. O governo brasileiro deve agir da mesma forma que já está agindo na Terra dos Yanomami”, defendeu Possuelo.
O indigenista diz que, durante a primeira expulsão de garimpeiros na década de 90, a Funai e a Polícia Federal conduziram operações semelhantes às de hoje, com estrangulamento do fornecimento de alimentos e combustível. Na época, o espaço aéreo sobre a terra Yanomami também foi fechado, mas, segundo o indigenista, não houve participação do Exército.
Garimpeiros ameaçam terra indígena vizinha dos Yanomami
“Há o risco de que os garimpeiros em fuga invadam a Terra Indígena Raposa Serra do Sol”, afirmou o assessor jurídico do Conselho Indígena de Roraima (CIR), Ivo Macuxi. A organização defende que o governo federal coloque em prática um plano de proteção integrado, com aumento da vigilância em todos os territórios ameaçados.
O CIR calcula que, na Serra do Sol, ao norte de Boa Vista (RR), atuem quase 4 mil mineradores ilegais. Entre os impactos já sentidos, e que podem ser agravados com a migração de garimpeiros, estão a poluição dos rios e a cooptação de indígenas, que provoca divisões internas na comunidade.
Apoiadores do garimpo querem programa social
Políticos de Roraima que apoiaram a mineração ilegal em terras indígenas estão preocupados com o impacto socioeconômico do desmantelamento do garimpo na Terra Indígena Yanomami.
O governador do estado, Antonio Denarium (PP), propôs ao presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), a criação de programas sociais para invasores expulsos. Denarium, que sancionou leis inconstitucionais favoráveis ao garimpo, diz que 50 mil pessoas vivem da atividade em Roraima.
Para Juliana Batista, do ISA, as pessoas que foram levadas ao garimpo em condições análogas à escravidão sejam acompanhadas pelo poder público, com o objetivo de evitar que elas voltem a praticar atividades ilegais.
Ela afirma, porém, que a maioria dos garimpeiros entrou no território por vontade própria. “O fato de os garimpeiros estarem sustentando suas famílias não pode tornar lícito o ilícito, nem tolerável. A gente não pode rasgar o código penal”, avaliou a advogada.
Empresas que legalizam ouro ilegal devem ser punidas
Segundo Juliana, os garimpeiros expulsos poderão voltar a atuar em área proibidas, caso as cinco Distribuidoras de Títulos e Valores Mobiliários (DTVMs) não sejam incluídas nas investigações. Sem as DTVMs, dificilmente haveria invasões tão massivas como na terra indígena Yanomami.
Nessas empresas, que funcionam com autorização do Banco Central, o minerador clandestino pode fornecer uma permissão de lavra falsificada e, sem qualquer checagem, obter a nota fiscal que transforma o ouro ilegal em regularizado.
A advogada vê ainda a necessidade de responsabilizar os envolvidos na esfera cível, não apenas no âmbito criminal. “Estudos apontam que o garimpo causou prejuízo social de R$ 3 bilhões. Quem vai pagar essa conta?”, questiona.
Edição: Rodrigo Durão Coelho