Não se muda de treinador com a mesma "vibe" de quem vai escolher a roupa pro rolé de sexta à noite
*Luiz Ferreira
Este colunista não gosta de escrever textos e crônicas usando um tom baseado no “eu te disse” ou “eu avisei que ia dar ruim”. Mas o futebol é um esporte baseado em escolhas. Dentro e fora de campo. E todas elas trazem suas consequências boas e ruins.
Dito isto, precisamos entender que a derrota do Flamengo para o Al-Hilal nesta terça-feira (7) nada mais é do que resultado da escolha feita pela diretoria rubro-negra no final de 2022. Vocês devem se lembrar que Dorival Júnior deixou o comando técnico do time logo depois de conquistar a Copa do Brasil e a Libertadores num episódio até agora controverso e sem explicações mais claras por parte de Landim, Braz e companhia.
O que se sabe é que muita gente se surpreendeu quando o jornal português Record noticiou o interesse do Flamengo em Vítor Pereira, treinador que havia comunicado a sua saída do Corinthians, não fazia muito tempo, alegando problemas de saúde na sua família. Com isso, Dorival Júnior, que já trabalhava na renovação de contrato com o clube, comunicou que estava fora do Fla por opção dos dirigentes rubro-negros.
Não preciso lembrar ninguém que o Brasil é um verdadeiro moedor de treinadores.
Ainda há muito amadorismo por parte de quem comanda os clubes aqui por estas bandas. Gente que confunde gestão com torcida e que usa o fígado ao invés do cérebro para decidir as coisas. Gente que prefere se pautar pela “grife” do que pelo trabalho bem feito. E mesmo encerrando o ano de maneira esplêndida, Dorival Júnior se transformou em mais uma vítima desse processo. E não me venham com o papo de “Ah, mas ele deixou o Ceará no meio da temporada”. O ponto aqui é outro. Podemos discutir se Dorival Júnior foi ético ou não ao deixar o Vozão, mas o negócio foi feito às claras. Bem diferente do processo envolvendo Vítor Pereira.
Me permitam um parêntese aqui para trazer mais um ensinamento de Dona Clemilda, mundialmente conhecida como mamãe: “Meu filho, se as coisas começam de maneira errada, dificilmente elas terminam bem”.
A impressão que ficou pra todo mundo foi a de que Vítor Pereira foi procurado pela diretoria do Flamengo ao mesmo tempo em que ela falava à imprensa que seguia “trabalhando ativamente” pela renovação de Dorival Júnior. O próprio Marcos Braz falou logo depois da conquista da Libertadores em cima do Athletico Paranaense: “O treinador quer ficar e o Flamengo quer que ele fique. Tenho certeza que não vamos ter nenhum tipo de problema.”
Vejam bem a escolha que os dirigentes rubro-negros fizeram. Eles optaram por uma mudança drástica no departamento de futebol às vésperas de três decisões importantíssimas: a Supercopa do Brasil, o Mundial de Clubes e a Recopa Sul-Americana. Duas já subiram no telhado. E o pior de tudo é que todos aqueles que alertaram para o problema que os dirigentes rubro-negros poderiam causar, e causaram, foram rapidamente rechaçados pelos passadores de pano e “apaixonados” pela mesma diretoria que fez uma quantidade imensa de lambanças ao longo dos últimos meses.
Como cantava Hebert Vianna nos Paralamas do Sucesso, uma das bandas preferidas deste colunista: “Eu quis dizer, você não quis acreditar...” Tenham em mente que não se muda de treinador com a mesma “vibe” de quem vai escolher a roupa pro rolé de sexta à noite.
O Flamengo, que já havia assimilado completamente o estilo de jogo trabalhado por Dorival Júnior, agora precisava entender e compreender um nova linha completamente diferente de trabalho com a chegada de Vítor Pereira. E para que todas essas ideias sejam compreendidas, era preciso um tempo que o Fla não tinha por conta das decisões que teria pela frente nesses primeiros meses de 2023. Tempo e paciência.
Paciência porque a Braz, Spindel e Landim venderam Vítor Pereira como um “Jorge Jesus repaginado” e a solução de todos os problemas do Flamengo. E o que a famigerada FlaTT, a atuante e irritante parcela de torcedores rubro-negros que vivem nas redes sociais, mas que pensam que o clube foi fundado em 2019, compraram essa ideia.
Sobre a derrota contra o Al-Hilal em si, é difícil não apontar o dedo para Vítor Pereira em algumas escolhas.
Eu ainda não entendi a saída de Arrascaeta no intervalo, mesmo se arrastando ele é craque e poderia resolver num único lance, e a opção pela entrada de Pulgar quando se tinha Vidal no banco de reservas. Seguindo essa linha, a saída de Everton Ribeiro acabou com o setor de criação do Flamengo no segundo tempo. Mesmo com o gol de Pedro nos acréscimos, a sensação era a de que o escrete saudita parecia muito mais próximo do quarto gol do que o Fla do empate.
O time esteve completamente bagunçado. Por mais que Gabigol, Pedro e companhia sejam extremamente talentosos, faltava organização e um plano de jogo mais assimilado para que as coisas acontecessem conforme o esperado por todos. Lembrem-se de que Vítor Pereira enxerga o futebol diferente de Dorival Júnior. E tá tudo bem. O problema é quando você resolve trazer um treinador novo às vésperas de decisões importantes e que possui um estilo de jogo que não bate com as características dos principais jogadores do elenco.
É notório que Vítor Pereira está tentando seguir suas convicções sem entender as características do elenco rubro-negro. Suas escolhas se basearam muito mais na adoção do seu estilo particular do que na acomodação das características dos jogadores que tem à disposição. No entanto, quando se olha o cenário completo, o treinador português se transforma em mais uma vítima das circunstâncias do que propriamente no algoz. Ele é muito mais consequência do que causa de tudo que vimos.
Mas isso só acontece porque a diretoria do Flamengo achou que seria ótimo mudar o treinador do time dentro desse contexto. Alguém lá dentro achou que seria “super legal” mandar Dorival Júnior embora e apostar numa mudança de filosofia dessa profundidade. E todo mundo avisou que a chance de dar errado pelos motivos já explanados anteriormente era gigantesca. Mas Landim sempre teve quem passasse pano pra ele. Principalmente na imprensa esportiva. Como se faz há muito tempo, aliás.
Não quero realizar uma caça às bruxas e colocar toda a culpa em cima de Vítor Pereira, apesar dos erros cometidos na Supercopa e no Mundial e da forma como deixou o Corinthians para acertar com o Fla.
A culpa real está em quem achou uma ótima mudar de treinador dentro de todo o contexto relatado anteriormente.
“Eu quis dizer, você não quis acreditar...”
A gente avisou. Mas teve gente que não quis ouvir. Agora é recolher os caquinhos e trabalhar para corrigir todos os problemas.
*Luiz Ferreira escreve toda semana para a coluna Papo Esportivo do Brasil de Fato RJ sobre os bastidores do mundo dos atletas, das competições e dos principais clubes de futebol. Luiz é produtor executivo da equipe de esportes da Rádio Nacional do Rio de Janeiro, jornalista e radialista e grande amante de esportes.
**Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.
Edição: Jaqueline Deister