DESLIZAMENTOS

Grande Recife: "Quando chove a gente não dorme”, diz moradora

Nas zonas historicamente afetadas por chuvas, episódio de segunda (06) despertou novamente o medo do período chuvoso

Brasil de Fato | Recife (PE) |
As chuvas da última segunda (06) deixaram os moradores de áreas de risco da Grande Recife amedrontados - Arquivo Pessoal

As chuvas desta segunda (06) na Região Metropolitana do Recife ressuscitaram um fantasma antigo que ronda as famílias que vivem em zonas de risco: o medo de perder tudo, inclusive a vida, em um deslizamento. Só na capital pernambucana, a média de chuvas na segunda-feira (06) foi de 158 mm, 125% da média prevista para todo o mês de fevereiro. 

O primeiro episódio de chuva forte na região metropolitana fez também a primeira vítima do ano em um deslizamento de terra no bairro de Águas Compridas, em Olinda. O jovem Israel Campelo dos Santos, de 19 anos, morreu enquanto dormia. A casa onde ele morava com a mãe e os irmãos era uma das dezenas de casas construídas em zona de risco na cidade, que segundo a Defesa Civil, tem cerca de 50% da sua população residindo nos morros.

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O dia de chuvas também trouxe medo para quem já foi impactado pela água das chuvas de 2022, quando mais de 130 pessoas morreram em deslizamentos na RMR. Moradora do Curado I, em Jaboatão dos Guararapes há mais de 30 anos, Maria Auxiliadora de Souza descreve a sensação: "Quando chove a gente não dorme. Fica pensando que vai cair hoje, vai cair, vai cair. É a mesma coisa de tu estar dormindo com uma pistola apontada pra tua cabeça”, diz a moradora. 

A mãe de Auxiliadora, Dona Adalgisa, de 71 anos, deixou sua casa em maio de 2022 depois de um deslizamento atingir o quintal da residência. A Defesa Civil classificou o terreno da casa como área de risco nível 3 (sendo 4 o máximo) após o deslizamento e a iminência de novos episódios, já que acima da casa uma outra construção foi classificada no nível 4. 

Auxiliadora relembra a época da interdição. “O deslizamento aqui ocorreu no dia 28 de maio do ano passado, daqui a pouco faz um ano. A gente teve que sair porque parte da barreira deslizou e a casa do cidadão lá em cima está sob risco de ter desabamento porque ela baixou toda. A casa está sem o barro hoje ao redor dela, mas a barreira continua ali sendo um risco por causa da casa”, afirma ela, que disse que desde 2019 denunciam a construção irregular da casa localizada acima da barreira.


Dona Adalgisa, de 71 anos, deixou a casa onde vivia no Curado após deslizamentos em maio de 2022 / Arquivo Pessoal

Sem auxílio-moradia ou qualquer outra política que ajude Dona Adalgisa a sair da casa definitivamente, a saída encontrada pela família foi de mudá-la para uma residência alugada em outra zona do bairro, mas manter na casa os animais de estimação da família. Diariamente, Adalgisa vai duas vezes por dia para alimentar os animais e encontrar com os vizinhos, que permanecem vivendo na área, na qual existem 10 casas interditadas.

Por Dona Adalgisa ser aposentada com um salário mínimo, ela não se enquadraria no público beneficiado pelas ações, mas Dora afirma que o valor faz falta. “A prefeitura não proveu absolutamente nada no que concerne a questão de auxílio. Nem sequer o auxílio do Governo do Estado a prefeitura repassou, muito menos aluguel social. Ou seja, é só Termo de Interdição, que inclusive na semana passada eles vieram para renovar”, afirma a moradora.

No bairro Ibura, na zona sul do Recife, a apreensão dos moradores é a mesma. O local foi um dos mais atingidos nas chuvas de 2022. Joseleide, que é conhecida na comunidade como “Vinha”, mora no Ibura há 16 anos próximo a uma das barreiras que deslizou no ano passado. Ela conta que desde que a chuva começou, entre o domingo e a segunda-feira, a apreensão tomou conta da comunidade.

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Mesmo não tendo sido atingida pelas chuvas de 2022, ela afirma que o medo foi grande. “As chuvas de ontem foram uma expectativa desesperadora. A gente pensava que a chuva não ia parar e a barreira caiu uns pedaços novamente. Ficou todo mundo na expectativa e ninguém dormiu”, afirma Vinha, que relembrou as vítimas da comunidade em 2022: “No último deslizamento no ano passado a gente teve 12 vítimas fatais”.

A moradora do Ibura disse que a Defesa Civil apareceu pelo bairro ontem para olhar o local e colocar lona nas barreiras. Já no Curado, Dora afirma que o órgão não foi ao local e que a lona colocada ainda em 2022 já começou a ser rasgada pela vegetação que cresce nas barreiras. “Eles só vieram na semana passada porque correu na mídia que o Inmet [Instituto Nacional de Meteorologia]  e a Apac avisaram que iam ter chuvas grandes, aí correram para renovar a papelada", relata.


No Ibura, a chuva da segunda-feira foi suficiente para fazer pequenos pontos de deslizamento em barreiras / Arquivo Pessoal

Ações preventivas

Visando às ações de prevenção, a equipe do Brasil de Fato Pernambuco tentou contato com a Defesa Civil das quatro cidades onde foram registrados os maiores índices de chuva na última segunda-feira: Recife, Olinda, Jaboatão dos Guararapes e Paulista, além da Coordenadoria de Defesa Civil do Estado de Pernambuco (CODECIPE).

No Recife, a Defesa Civil da cidade informou que recebeu 207 chamados com solicitações de lonas e pedidos de vistorias. A prefeitura paga cerca de 7200 auxílios-moradia, no valor de R$ 300, para famílias que precisaram deixar suas casas devido ao risco. O órgão informou que o trabalho da Defesa Civil inclui também aplicação da geomanta e de lonas plásticas, visitas porta a porta, ações educativas nas comunidades e nas escolas.

Nos casos de emergência, a Defesa Civil recomenda que os moradores liguem para o número 0800-0813400. A ligação é gratuita e a central funciona 24h para atender as chamadas. 

Em Olinda, a prefeitura da cidade informou que está aplicando geomanta em cinco pontos da Rua 6 de janeiro, local onde aconteceu o deslizamento da segunda-feira (06) e a previsão de término da obra é no final deste mês. Outras obras de contenção de encostas estão previstas para serem iniciadas ainda esta semana, com a construção de muros de arrimo.

Na cidade, a Defesa Civil informou também que mantém 30 pessoas nas ruas fazendo monitoramento preventivo nos pontos mais críticos da cidade e que desde o ano passado, mais de 50 famílias foram removidas de áreas de risco na cidade.

Já as prefeituras de Jaboatão dos Guararapes, Paulista e a Defesa Civil do Estado de Pernambuco não responderam aos questionamentos até o fechamento desta reportagem.

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Fonte: BdF Pernambuco

Edição: Elen Carvalho