Uma crise política na Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) pode levar a destituição do empresário Josué Gomes da presidência da entidade.
Apesar de oficialmente ele informar que permanece no comando da federação patronal mais influente do país, uma assembleia realizada na última segunda-feira (16) já votou pelo seu afastamento. A decisão foi tomada por 47 votos a 1, numa reunião em que representantes de sindicatos apoiadores de Gomes não estavam presentes.
Gomes não reconhece a assembleia, que classificou como clandestina. Em nota, ele disse que os responsáveis pela votação sofrerão consequências "administrativas, trabalhistas e eventualmente em outras esferas" (leia abaixo a íntegra do documento).
Defesa da democracia
A Fiesp não comunicou quais razões levaram a essa votação, nem explicou se ela foi ou não válida. O que se sabe é que Gomes, que havia sido eleito em 2021 para o posto mais alto da mais influente entidade patronal do país, pode perder o cargo após perder força política durante a eleição do ano passado, vencida por Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
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Em tempos de extrema polarização, o fato de a Fiesp ter ajudado a organizar e assinado um manifesto em defesa da democracia e da Justiça foi reprovado por empresários bolsonaristas que compõem a base da entidade. A carta foi divulgada em abril, quando o então presidente Jair Bolsonaro (PL) já escalonava seus ataques à urna eletrônica e a lisura do processo eleitoral brasileiro. Foi entendida dentro da entidade patronal como uma sinalização de apoio a Lula.
A Fiesp esteve ao lado de Bolsonaro durante quase todo seu governo. Após financiar campanhas que culminaram no impeachment da ex-presidenta Dilma Rousseff (PT), Paulo Skaf (Republicanos), ex-presidente da federação patronal, aproximou-se do governo de extrema direita. Durante a campanha eleitoral, chegou a pedir votos a Bolsonaro, agradando parte dos representantes dos 133 sindicatos da federação.
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Gomes só foi empossado na presidência da Fiesp em 1º de janeiro de 2022, último ano do governo Bolsonaro. No cargo, iniciou um plano de modernização da entidade, o que desagradou e o distanciou principalmente dos dirigentes de sindicatos menos expressivos da federação, localizados principalmente no interior do estado.
É justamente no interior de São Paulo que Bolsonaro tem uma de suas bases eleitorais mais coesas. Quando Gomes assinou a carta em defesa da democracia, dirigentes dessas regiões ficaram mais contrariados.
“Esse ato [a divulgação do manifesto] foi a gota d'água de uma relação ruim”, explicou Andre Sturm, presidente do Sindicato da Indústria Audiovisual de São Paulo (Siaesp), em entrevista à Folha de S.Paulo.
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Eles passaram, então, a mobilizar-se pela destituição de Gomes, que é historicamente ligado a Lula por conta de sua família. Gomes é filho do empresário José Alencar, morto em 2011. Alencar foi vice-presidente de Lula durante seus dois primeiros mandatos na Presidência.
Realinhamento e ‘golpe’
Por conta dessa relação histórica, Gomes chegou a ser cogitado para ser vice na chapa de Lula na eleição de 2022, posto que acabou ocupado por Geraldo Alckmin (PSD). Após a eleição, Gomes também foi cotado para o cargo de ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, que também ficou com Alckmin.
Alckmin, aliás, chegou a dizer que Gomes só não integrou o governo Lula porque decidiu defender-se de uma tentativa de “golpe” na Fiesp.
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O advogado Miguel Reale Júnior também considera a tentativa de destituição de Gomes um “golpe, com todas as letras”. Reale, que foi um dos autores do pedido que levou ao impeachment de Dilma, hoje defende o empresário. Disse que não há fato específico para destituição e que a votação para isso ocorreu de forma irregular.
A Fiesp também não informou se o afastamento de Gomes ainda será concretizado. De acordo com o estatuto da entidade, se isso ocorrer, ele deve ser substituído pelo vice-presidente mais velho em exercício: Elias Miguel Haddad, 95 anos, ligado ao Sindicato da Indústria da Malharia e Meias no Estado de São Paulo (Simmesp) e aliado de Skaf.
Reale Júnior deve levar o caso à Justiça se for necessário. E, enquanto isso não acontece, o empresário segue movimentando-se politicamente para permanecer no cargo.
Na quarta-feira (18), Gomes recebeu uma carta pública de apoio assinada, em parte, pelas mesmas pessoas que assinaram o manifesto pela democracia em agosto. Estão entre os signatários: Armínio Fraga, economista e ex-presidente do Banco Central; Caio Magri, diretor-presidente do Instituto Ethos; Juruna, secretário-geral da Força Sindical; Maria Alice Setubal, socióloga e presidente do conselho da Fundação Tide Setubal; Ricardo Patah, presidente da União Geral dos Trabalhadores (UGT).
Na sexta (20), Gomes esteve em Brasília reunido com o presidente Lula e militares.
Leia a nota de Josué Gomes, na íntegra:
Prezados senhores,
Com absoluta surpresa recebi de alguns de nossos colaboradores e diretores a informação de que teria sido dado posse ao Diretor Elias Miguel Haddad como Presidente da Entidade, tudo isso em continuidade ao escuso propósito de destituir um Presidente regularmente eleito e com mandato em curso e que até agora, frise-se, não se submeteu a uma acusação formal e específica em Assembleia regularmente convocada para este fim, nos termos Estatutários.
Tal atitude isolada, desproporcional, irresponsável, acaba por provocar riscos econômicos, jurídicos e trabalhistas em nossa entidade, o que deve ser formal e veementemente coibido, o que faço desde já nesta notificação, tornando sem efeito toda e qualquer deliberação tomada em minha ausência.
O Estatuto da FIESP é o nosso Norte e deverá ser ele fielmente cumprido, lembrando que esta bússola cria causas e condições para cassação de mandato de um Diretor Eleito.
Enquanto isto não for realizado segundo as regras estatutárias, cumprirei minhas obrigações legais e estatutárias junto a nossa Entidade, prevenindo riscos e coibindo ilegalidades.
Não será uma assembleia clandestina, que sequer tinha itens para deliberar que colocará nossa Entidade em riscos econômicos, jurídicos e de credibilidade.
Comunico, portanto, que nenhum ato, incluindo eventual e abusiva demissão de funcionários, está autorizada por esta Presidência.
Advirto, outrossim, que os responsáveis sofrerão consequências administrativas, trabalhistas e eventualmente em outras esferas, servindo a presente notificação para ciência inequívoca da ilegalidade dos atos praticados nesta tarde, que comprovam a desabrida reiteração de atos ilícitos e a ambição de a qualquer modo ocupar indevidamente a Presidência.
Edição: Rodrigo Durão Coelho