*Alterado em 17/01/2023 às 14h45.
“Se a educação sozinha não transforma a sociedade, sem ela tão pouco a sociedade muda”. A frase do educador e filósofo Paulo Freire estampa a quadra da Escola Municipal Joana Benedicta Rangel, no centro de Maricá, na região metropolitana do Rio de Janeiro, onde 180 educadores participam da Jornada de Alfabetização “Sim, Eu Posso”.
O método “Sim, Eu Posso” foi desenvolvido pelo Instituto Pedagógico Latino-Americano e Caribenho (IPLAC) na década de 1990 em Cuba. A proposta é socializar o processo de alfabetização a partir das tradições culturais, identidade e do conhecimento construído pelos educandos ao longo de suas vidas.
No Brasil, o método é usado desde 2006 pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST) para erradicar o analfabetismo. A primeira experiência ocorreu no Assentamento Nova Vida/ Transval no município de Canindé, no interior do Ceará. No estado, mais de 1200 assentados e acampados do movimento foram alfabetizados a partir da metodologia que já foi usada em mais de 30 países.
“A jornada de alfabetização é um método cubano aplicado para alfabetizar jovens, adultos e idosos a partir de 15 anos já pode fazer a inscrição. É um método específico que trabalha números e letras. É muito eficiente e rápido e que já foi aplicado em mais de 30 países”, explica Maria Gomes, da coordenação política da Brigada Joaquin Piñeiro e da Jornada Pedagógica “Sim, Eu Posso”em Maricá.
Leia mais: Combate ao analfabetismo exige política pública emergencial
Em 2006, o IPLAC recebeu o Prêmio de Alfabetização Rei Sejong concedido pela Organização das Nações Unidas (ONU) para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) pela promoção e êxito do programa em três continentes. Mesmo com reconhecimento internacional, a iniciativa ainda é alvo de críticas, como comenta o professor e integrante do setor nacional de Educação do MST, Erivandro Barbosa.
“Há quem critique o ‘Sim, Eu Posso’, por ele ser um método muito prático e efetivo, mas a gente diz que o problema imediato que precisa ser resolvido é dotar as pessoas da técnica da leitura e da escrita, inclusive para as pessoas se conscientizarem e terem uma formação política, com a leitura e escrita com certeza isso será facilitado”, destaca.
Parceria
No estado do Rio de Janeiro, a experiência já ocorreu em assentamentos e acampamentos do MST, mas começa a ser implementada em parceria com o poder público pela primeira vez no município de Maricá. O processo de montagem da equipe começou em agosto de 2022 e passou pelas etapas desde seleção dos educadores por meio de edital simplificado, busca ativa por pessoas em situação de analfabetismo até a formação dos educadores no método que termina nesta sexta-feira (13).
O projeto constatou 2300 pessoas em situação de analfabetismo em Maricá que se encaixam no perfil de educandos atendidos pelo “Sim, Eu Posso”. Ao todo, 180 educadores, 28 coordenadores de turma e oito coordenadores distritais atuarão no município ao longo de 12 meses para a alfabetização dessa parcela da população.
O método cubano executado pelo MST, utiliza como material de apoio uma cartilha e 65 roteiros audiovisuais que facilitam o aprendizado dos educandos. Os alfabetizadores precisam ter o Ensino Médio completo e terem atuações locais para ingressarem na formação. De acordo com a proposta, o processo de início do aprendizado da leitura e escrita começa a ter resultado em 16 semanas de aula. A metodologia é composta por atividades de alfabetização em sala de aula realizadas durante duas horas diárias, em quatro dias da semana.
Em Maricá, os educadores estão divididos em atuação nos quatro distritos do município: Centro, Ponta Negra, Inoã e Itaipuaçu. De acordo com Gomes, a estratégia é atuar para evitar a desistência dos educandos.
“Esses educadores estão espalhados na cidade toda, nos bairros. O ideal é que as turmas aconteçam próximo aos alfabetizandos, porque isso evita deslocamento e, consequentemente, grande índice desistência, uma vez que tem que pegar ônibus. E, por perto, tem as pessoas conhecidas, isso cria uma relação de afetividade e confiança que ajuda no processo de alfabetização”, detalha a coordenadora.
Desafio
Arthur Smith, 22 anos, é um dos 180 educadores que participam da jornada de formação que ocorreu ao longo dessa semana em Maricá. Ele atuará no distrito de Itaipuaçu e contou ao Brasil de Fato que um dos maiores desafios ocorreu na etapa de mobilização, durante a busca ativa pelas pessoas em situação de analfabetismo.
“No início foi um processo muito difícil pra desconstruir na cabeça deles, que poderiam sim voltar a estudar, a ler, a assinar o próprio nome. Tinham muitas residências que a gente chegava e a resposta deles era que eram velhos, que não precisavam disso, que isso era para pessoas novas. Tinham educandas que os maridos não deixavam. Muitas fizeram a inscrição escondidas até”, relata o educador que atuará no condomínio Minha Casa, Minha Vida em Itaipuaçu numa turma de 20 educandos.
Leia mais: Programa Bem Viver debate impacto da pandemia na alfabetização de crianças
A etapa presencial das aulas começa no dia 23 de janeiro. As atividades são agendadas de acordo com a disponibilidade dos grupos e os locais variam de acordo com os bairros e vão desde centros comunitários até igrejas.
Os educadores que participam do projeto recebem uma bolsa de R$1680,00 mensais da prefeitura ao longo de um ano. Ao fim dos 12 meses da Jornada de Alfabetização “Sim, Eu Posso” será realizado um seminário de avaliação que pretende propor políticas públicas em torno da alfabetização e escolarização de jovens, adultos e idosos.
A Jornada de Alfabetização “Sim, Eu Posso” em Maricá está inserida na Mobilização para Alfabetização de Jovens e Adultos, uma das ações de cooperação entre a Secretaria Municipal de Economia Solidária e o Instituto de Ciência, Tecnologia e Inovação de Maricá em parceria com o MST.
Edição: Mariana Pitasse