“Atos terroristas não podem ser comparados com manifestações do povo”. É o que afirma o cientista político, Darlan Montenegro sobre a invasão às sedes dos Três Poderes em Brasília promovida por grupos bolsonaristas no último domingo (8).
A ação antidemocrática que promoveu não só a invasão ao Congresso Nacional, ao Palácio do Planalto e ao Supremo Tribunal Federal (STF), mas também gerou um quebra-quebra de valor inestimável ao patrimônio público, roubo de armas e agrediu agentes de estado, fez com que algumas figuras públicas, ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), comparassem o ocorrido com as manifestações que marcam a história do país.
E por que não é possível comparar? Além de Darlan, que também é professor de Teoria Política na Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ), o Brasil de Fato conversou com Ana Penido, doutora em relações internacionais e pesquisadora de pós-doutorado em ciências políticas na Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP). Os especialistas explicaram as principais diferenças entre as ações praticadas pelos grupos bolsonaristas e as manifestações democráticas.
O principal ponto para ambos os entrevistados foi a violência praticada em Brasília. Apesar de Ana não considerar a invasão à Praça dos Três Poderes como um ato terrorista, mas sim, como ação de vândalos, a pesquisadora acredita que a comparação com manifestações de 2013 e 2017, por exemplo, para a maior parte das pessoas é fruto de desconhecimento.
“Os bolsonaristas que não estavam engajados naquelas ações tentam encontrar uma válvula de escape e é falar que todo mundo faz, que sempre acontece, mas na verdade aquilo nunca aconteceu na história do Brasil”, explica.
Ana enfatiza que “protestos sempre acontecem independente do governo, o Lula enfrentou protestos em todos os seus governos, o governo Dilma também, tanto da esquerda, quanto da direita, mas a depredação não só de patrimônios públicos, ataques à estações de energia, destruição de rodovias, isso está em outro marco. [...] O direito de protesto é válido desde que seja pacífico”.
Já Darlan, avalia o que aconteceu em Brasília como ação terrorista, porque teve a intenção de provocar o medo nas pessoas. Para ele “foi um ataque direto à democracia”. O cientista político explica que historicamente as manifestações democráticas no Brasil têm pautas bem específicas de reivindicação de melhorias para a vida da população.
“Em junho [de 2013], por exemplo, de onde veio a violência? As manifestações não eram violentas, elas eram objeto de violência, elas foram atingidas por uma repressão violentíssima, inclusive foi isso que fez com que elas se alastrassem pelo país. [...] E esse tipo de situação de uma demanda popular pacífica que enfrenta uma reação violenta não é um caso específico de junho”.
Para ele, não só os ataques ocorridos em Brasília, mas também os acampamentos bolsonaristas espalhados por todos o país tinham o objetivo de “legitimar aqueles que exercem a violência contra os trabalhadores. Eles legitimam o fascismo”
Em sua análise, Darlan diz que os ataques promovidos por bolsonaristas radicais são protestos por menos democracia. Ele acredita que esses grupos se sustentam numa suposta fraude nas urnas, mesmo já tendo sido comprovado diversas vezes que isso não é verdade, porque não aceitam um presidente que seja a representação do povo pobre e operário.
“De um lado você tem um movimento que quer mais democracia e é pacífico e do outro lado você tem um movimento que quer menos democracia e é violento, que faz ideologia da violência. [...] É muito simbólico que eles tenham invadido os três prédios, porque eles acham que esse negócio de Três Poderes é democracia demais, a existência de um Supremo que impede o poder executivo de fazer o que bem entender independente da Constituição é democracia demais”.
Ainda segundo Darlan, esses grupos bolsonaristas tem a intenção de transformar Jair Bolsonaro em presidente vitalício e sem separação de poderes. “No fundo o que eles estão dizendo é que não precisa ter eleição porque se Bolsonaro perder não vão aceitar, ou seja, eles acham que temos democracia demais, eles querem uma ditadura”.
Ação da Polícia
É dever da polícia acompanhar protestos e manifestações para garantir a segurança dos participantes, redirecionar o trânsito, entre outras coisas, mas tradicionalmente não é o que acontece. Não é raridade ver a polícia utilizando de grande repressão contra manifestantes em atos da esquerda, algo bem diferente do que foi visto no último domingo (8), na invasão à Brasília.
Diversos conteúdos se espalharam nas redes sociais mostrando agentes do estado de forma conivente com os atos terroristas. Um vídeo que chamou bastante atenção foi de um policial tirando selfies com os vândalos que invadiram Brasília.
🚨 As imagens de policiais sorrindo e tirando selfies diante da invasão terrorista escancaram o aparelhamento bolsonarista da PMDF! É preciso investigar a conivência de agentes de segurança e seus superiores! pic.twitter.com/EiuKyQcq0R
— Talíria Petrone (@taliriapetrone) January 8, 2023
Para Ana Penido, “a destruição de patrimônio público não faz parte do regime democrático”, por isso, as ações orquestradas por grupos bolsonaristas não podem ser consideradas manifestações, mesmo assim, “o comportamento das forças armadas não foi para impedir”.
Ana explica que em 2013 a inteligência das Forças Armadas, em um trabalho de vigilância, atuou infiltrando um Capitão em grupos que organizavam as manifestações, o que levou a prisão de militantes em um ato. Sobre isso, a pesquisadora questiona: “não fizeram agora nesses atos? O mesmo protocolo operacional não foi adotado? Por que não foi? Foi adotado? Então eles sabiam que ia acontecer. Porque a Inteligência é exatamente para avisar quem está no poder de Estado que aquilo ali pode chegar até que vias”.
Além disso, durante os ataques aos Três Poderes, o efetivo de policiais era insuficiente e grupos de agentes ficaram parados ao lado das viaturas sem realizar nenhuma ação para conter a ação extremista.
“Deliberadamente escolheu-se que eles iam poder passar, porque nada foi montado para que eles não pudessem passar. [...] É responsabilidade do comando produzir informação, organizar a defesa do patrimônio público conforme a informação for produzida”, finaliza.
Edição: Mariana Pitasse