após destruição

Terroristas bolsonaristas podem ser de fato chamados de "terroristas"?

Legislação brasileira não garante esse enquadramento, mas o conceito de terrorismo vai além da letra fria da lei

Brasil de Fato | Rio de Janeiro (RJ) |

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Defensores de golpe de estado, os autoproclamados "patriotas" destruíram prédios e bens públicos em Brasília - Marcelo Camargo/Agência Brasil

Desde o último domingo (8), quando o Brasil e o mundo assistiram atônitos à barbárie bolsonarista nos prédios da Praça dos Três Poderes, em Brasília, veículos de imprensa – incluindo este Brasil de Fato – trataram aquelas pessoas por termos que condizem com as atitudes delas: golpistas, vândalos, extremistas, invasores, criminosos... terroristas. Essa última palavra, porém, gerou dúvida: é possível enquadrá-los nessa definição?

Juristas ouvidos pelo Brasil de Fato foram unânimes ao dizer que, segundo a legislação brasileira vigente, a depredação dos prédios públicos não prevê o enquadramento da turba sob esse crime específico. Entretanto, também de maneira unânime, os especialistas afirmam que é, sim, possível chamá-los de terroristas, já que o termo tem sentidos que vão além da questão meramente jurídica.

No Brasil, o crime de terrorismo é definido pela Lei 13.260, assinada pela ex-presidenta Dilma Rousseff em março de 2016, menos de dois meses antes de ser afastada do poder no processo golpista daquele ano. O texto cita uma série de atos que podem ser configurados como terrorismo: uso de explosivos e gases tóxicos ou atentado contra a vida ou integridade física de pessoas, por exemplo. A previsão de pena é de 12 a 30 anos de prisão.

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Um trecho do texto da Lei, porém, faz com que seja muito improvável o enquadramento dos terroristas bolsonaristas como terroristas de fato dentro da lei brasileira: "o disposto neste artigo não se aplica à conduta individual ou coletiva de pessoas em manifestações políticas, movimentos sociais, sindicais, religiosos, de classe ou de categoria profissional", destaca o Parágrafo 2º.

A advogada criminalista Eleonora Nacif, ex-presidenta do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais, afirma que não é possível categorizar, sob a luz do Direito, os atos de domingo como terroristas. Entretanto, ela afirma que em outros contextos o termo é adequado.

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"No aspecto político, até sociológico, a gente pode dizer que são terroristas. Tecnicamente não é terrorismo, enquadrado na lei antiterrorismo que nós temos. Mas de uma forma mais genérica, com olhar político, a gente poderia chamar de terrorismo para além da questão técnica da lei antiterrorismo", aponta.

A professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e advogada Luciana Boiteux acrescenta: o conceito de terrorismo é um dos mais complexos do Direito, incluindo internacionalmente.

"O Tribunal Penal Internacional (TPI) nunca tipificou o terrorismo, pois sempre houve um debate interminável, uma divergência entre especialistas, diplomatas, que impediu a tipificação", explica a especialista, que no próximo mês de fevereiro deixará a condição de suplente e assumirá uma vaga como vereadora da Câmara Municipal do Rio de Janeiro, pelo PSOL.

Boiteux afirma que o conceito ganhou relevância internacional após os ataques de 11 de setembro de 2001 nos Estados Unidos. Entretanto, o termo é usado há mais tempo como forma de estigmatizar movimentos de emancipação de esquerda – inclusive no Brasil. "Os que lutavam contra a ditadura militar eram chamados de terroristas pela própria ditadura", lembra.

Porém...

Se o quebra-quebra na Praça dos Três Poderes não deve levar aquelas pessoas a serem enquadradas como terroristas, outros episódios protagonizados pelo bolsonarismo nas últimas semanas podem ter entendimento jurídico distinto.

O advogado Pedro Serrano, professor de Direito Constitucional, lembra que os acampamentos bolsonaristas, recentemente desfeitos, foram territórios férteis para cometimento de crimes a céu aberto. "Dali partiram crimes, a meu ver, de terrorismo, claramente, como a tentativa de instalar bombas em aeroportos próximo à posse de Lula", destacou.

Serrano se refere trecho da legislação antiterrorista brasileira que prevê sabotagem de estruturas de comunicação, transporte, transmissão de energia, refino e processamento de petróleo e gás e instituições bancárias, entre outros tipos de estruturas.

Além das ameaças de bombas na região do aeroporto da capital, houve quem planejasse invadir refinarias – essa tentativa foi fracassada. Foram registrados, ainda, ataques a estruturas de transmissão de energia, com indícios de que houve participação de bolsonaristas.

Outros crimes

Se é improvável que os responsáveis pelas cenas grotescas do dia 8 de janeiro respondam na Justiça pelo terrorismo cometido, eles certamente serão enquadrados por diversos outros crimes, dependendo de como participaram.

"Tem as pessoas que estavam nos acampamentos; tem os agentes públicos que há anos semeiam discursos e incitam, inflamam ânimos antidemocráticos, incitam crimes contra o estado democrático de direito; e temos essas pessoas que no último domingo foram lá e depredaram de fato o Supremo Tribunal Federal, o Palácio do Planalto e o Congresso Nacional", lembra Eleonora Nacif.

O Código Penal, por exemplo, tem dois artigos que tratam de crimes contra as instituições democráticas, ambos incluídos no Código em 2021. Os dois textos tratam de episódios como os registrados na Praça dos Três Poderes, o que faria com que os participantes daqueles atos fossem enquadrados nesses crimes, segundo Pedro Serrano.

"Tentar, com emprego de violência ou grave ameaça, abolir o Estado Democrático de Direito, impedindo ou restringindo o exercício dos poderes constitucionais", diz o Artigo 359-L. Por sua vez, o Artigo 359-M fala sobre "Tentar depor, por meio de violência ou grave ameaça, o governo legitimamente constituído". 

Os especialistas afirmam ainda que quem efetivamente marchou pelas vias de Brasília, furou o frágil bloqueio que havia naquele domingo e atacou os prédios e obras públicas, por exemplo, pode responder por dano ao patrimônio público qualificado, já que foram destruídas obras de arte de valor histórico.


Quadro "As Mulatas", de Di Cavalcanti: um dos focos da fúria bolsonarista e destruída a facadas, a obra está avaliada em milhões de reais / Fábio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil

"Como cidadã, [a destruição das obras] me causou tristeza enorme", diz Nacif. "Como amante das obras do Niemeyer, do Burle Marx, de Di Cavalcanti, de todas as obras de arte que ali estavam. É interessante essas pessoas que se autodenominam patriotas agirem com tamanho ódio contra bens públicos da União, do povo, de nós todos."

Também há os crimes de incitação, cometidos por empresários que financiaram os acampamentos antidemocráticos e incentivaram as ações diretas. Outros que podem ser enquadrados são os agentes públicos. Em alguns casos, por omissão – ou seja, deixar de agir em meio ao cometimento de outros crimes.

"Os agentes públicos que praticaram o que a gente chama de omissão comissiva, ou seja, uma omissão dolosa, sabendo que aquilo era um ataque à democracia e não agiram, quase como uma forma de participar do ataque, isso pode levar esses agentes a serem coautores. Tem que analisar caso a caso, esse caso é mais delicado, tem que verificar qual o dolo específico do agente", explica Serrano. "De qualquer forma, praticaram crime de prevaricação, ou seja, um crime contra a administração pública", complementa.

E as penas?

Como são muitas pessoas envolvidas, e com diferentes graus de envolvimento, é difícil estimar as penas que cada um poderá cumprir. A Justiça e o Ministério Público terão trabalho para identificar cada autor e os crimes que cada um comenteu.

Luciana Boiteux estima que uma pessoa que seja enquadrada nos crimes de ameaça ao Estado Democrático de Direito e de tentativa de depor o governo teria, por base, uma pena mínima de 10 a 15 anos de prisão.

"Danos contra patrimônio histórico; também [crime de] subtração de armamento; eventuais furtos, também. Todos esses outros crimes também se acrescentam a essa outra tipificação que define motivação política. E as penas são somadas. Somando, a gente pode chegar a penas bastante altas", conclui.

Edição: Nicolau Soares