Únicas palavras possíveis de serem reverberadas neste momento são: Sem anistia!
O que sobrará dos escombros do dia 08 de janeiro de 2023? Neste dia a sociedade brasileira foi ultrajada e ridicularizada da maneira mais vil possível. Triste do país que não se indigna com o ocorrido e passa, mais uma vez, essa vergonha internacional no crédito e no débito.
Na volta de carro de Brasília ao Rio, com parada em Belo Horizonte, fui surpreendido com a tentativa explícita de golpe de Estado e depredação dos prédios públicos onde funcionam os poderes instituídos da República.
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Não há outra palavra a não ser fúria, ao ouvir na rádio a declaração carregada de simbolismo e desfaçatez do governador do Distrito Federal, Ibaneis Rocha, que trata a res publica como o quintal de casa em pleno compadrio, quando “pede desculpas”, segundo as suas palavras, “ao meu querido amigo Arthur Lira, ao meu amigo Rodrigo Pacheco”, dispensando o mínimo de impessoalidade do cargo que ocupa e escancarando, algo muito além da falta de postura pública. O que se viu foi uma conivência golpista, já anunciada em atos anteriores, e, sobretudo, quando nomeia o ex-ministro de Bolsonaro, Anderson Torres, como o Secretário de Segurança Pública do Distrito Federal.
Cabe outra palavra ao vivenciar este episódio: a dor. A dor vai além da destruição física das representações dos poderes, dos quadros de Di Cavalcanti, do conjunto da obra de Niemeyer. A dor maior é a completa falta de respeito com a vontade do povo brasileiro, como já ficou evidente, dias antes deste evento trágico, em texto de Anna Marina, publicado pelo Jornal O Estado de Minas, ao escrever em sua coluna, sem o menor pudor, que “Podemos ter índios, pretos e estropiados compondo nosso povo, mas colocar essa seleção na cara da nação me pareceu uma forçada de mão. E essa gente responsável por representar o novo poder que o presidente devia receber me causou uma péssima impressão(...) Na hora vi que Bolsonaro fez realmente o que devia, quando correu para os States (...) ele percebeu antecipadamente que seria uma roubada ficar por aqui.”
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Mais uma vez, o indígena, a mulher catadora de material reciclável, a criança negra, o homem trabalhador, ou seja, o povo brasileiro, representado por essas pessoas na posse de Lula, era violentado, como tantas outras vezes na história. Parece que seu voto valia menos. Dói profundamente reconhecer e conviver com a perversidade da elite bolsonarista apoiadora e financiadora de atos desta natureza. Me refiro a esta elite, pois, ao nos depararmos com a imagem das prisões, vemos que os golpistas presos na Esplanada se parecem fisicamente com as pessoas que passaram a faixa para Lula e também estão sendo enganados, instrumentalizados e prejudicados pelos golpistas ocultos e covardes. Como seguimos produzindo uma elite tão asquerosa e fascista no seio do povo brasileiro? Até quando continuaremos a falhar em deixar esse tipo de ser social reverberar ódio?
Uma terceira palavra segue sendo a mais importante e ditará a nossa reação ou fracasso enquanto república democrática: a responsabilização. A lista é extensa, mas não cabe vacilações.
No que tange aos meios de comunicação, está claro que parte das redes sociais e emissoras constituídas insuflaram o Golpe de Estado. O caso mais notório e frequente, no curto prazo, é a Jovem Pan, que repercute a opinião de comentaristas com saudações nazistas e alimenta frações golpistas durante boa parte de sua programação. Não é cabível este tipo de concessão pública em um país com regime democrático.
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No caso das autoridades instituídas, o governador Ibaneis Rocha atuou, por mais contraditório que pareça, deliberadamente em omissão. Um governador de estado não pode ser visto como mero cidadão, ou muito menos, mero cristão que carece de perdão/desculpas. Deve responder pelos atos que cometeu ou pela não ação na defesa da sociedade brasiliense, como governador eleito e já empossado.
Junto ao governador, a Polícia Militar do Distrito Federal, que estava sob o seu comando antes da intervenção federal, jamais poderia cortejar violadores do Estado de Direito até a Esplanada dos Ministérios. Nunca se tratou de manifestação pacífica, Ministro Flávio Dino. Depois do que aconteceu no dia da eleição presidencial envolvendo a Polícia Rodoviária Federal, das Forças Armadas assegurando a defesa de acampamentos golpistas e do que ocorreu no dia 08 de janeiro com a PM-DF, é imperioso que as forças policiais e forças armadas sejam urgentemente repensadas. Hoje elas atuam politicamente na desestabilização do Estado Democrático de Direito. Há uma confusão entre o desejo de policiais golpistas e a sua missão constitucional, envergonhando qualquer corporação que preze pelo Estado de Direito.
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A responsabilização de todas as pessoas envolvidas, que se deslocaram para Brasília, deve ser a nova tônica das autoridades locais. Os prefeitos/as e os governadores/as devem averiguar e viabilizar a instrução da investigação destes residentes ao regressarem às suas cidades de origem. Os ônibus retornarão às cidades do interior brasileiro e este tipo de postura não pode ser naturalizada, cabendo ao povo das respectivas cidades cobrar apuração e denunciar os golpistas.
O maior responsável por toda esta situação é o ex-presidente Jair Bolsonaro. Ele governou nos últimos 4 anos alimentando, em centenas de situações, a sanha golpista e semeando a atuação organizada protofascista dentro da sociedade brasileira. Faltaria espaço para encadear os exemplos publicamente conhecidos.
A democracia não se defende só com o discurso, ela requer constante combate à barbárie com força política contundente. Os golpistas invasores são mais do que seres nojentos e desprezíveis, devem responder não só pelos atos, mas devem ser expostos como párias na história da República brasileira. Para que os seus filhos/as, os netos/as, amigos/as e as próximas gerações tomem conhecimento da delinquência e a degradação moral praticada pela pessoa. Essa marca nefasta que ela carrega na história, deve servir para que a infâmia cometida em sua trajetória nunca mais aconteça. “Vocês vão pagar e é dobrado”, lembraria Chico Buarque, mas isso não será vingança, isso será Justiça.
O absurdo perdeu a modéstia, costuma dizer a deputada Erika Kokay. As únicas palavras possíveis de serem reverberadas neste momento são: Sem anistia!
Edição: Vivian Virissimo