Após o imbróglio envolvendo Edmar Camata, que teve a nomeação para o comando da Polícia Rodoviária Federal (PRF) suspensa, o próximo ministro da Justiça, Flávio Dino (PSB), informou que o diretor-geral da corporação será o agente Antônio Fernando de Oliveira.
Camata perdeu força após seu entusiasmo e admiração pela Operação Lava Jato ser revelado. Nas redes sociais, ele chegou a defender a prisão de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), próximo presidente do país. O agente, que hoje é secretário de Transparência do governo do Espírito Santo, foi indicado pelo PSB, partido de Dino e do governador capixaba, Renato Casagrande.
Flávio Dino explicou, no Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB), em Brasília, onde se reúne a equipe de transição do próximo governo, a motivação para a revogação da nomeação de Camata.
"A questão é que não foi um julgamento sobre o que ele achava (da Lava Jato), mas em face da polêmica, claro que no futuro não teria condições para se dedicar como nós gostaríamos", explicou Dino, que contou aos jornalistas o teor da conversa com Camata.
"Foi no sentido de que em face da polêmica que seria melhor para ele, para instituição e para nós todos que houve uma indicação com outra pessoa que não tivesse esses questionamentos que surgiram nas últimas horas", encerrou.
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A outra pessoa é Fernando de Oliveira, que vai na direção oposta de Camata e não esconde, em suas redes sociais, o respeito por Lula e outras figuras relevantes da esquerda, como o argentino Ernesto "Che" Guevara e o ex-presidente cubano Fidel Castro.
Fernando Oliveira trabalhou Assessoria de Planejamento do Departamento Estadual de Trânsito do Estado (Detran), durante o segundo mandato de Flávio Dino à frente do governo do Maranhão.
O perfil de esquerda do próximo comandante da PRF contrasta com a imagem construída pela corporação nos últimos anos, em especial durante o governo de Jair Bolsonaro (PL).
Chacinas e crime eleitoral
Neste período, a PRF participou de episódios que prejudicaram a imagem da corporação, como o assassinato e tortura de Genivaldo de Jesus Santos, em Sergipe, no dia 25 de maio deste ano, durante abordagem na qual o porta-malas da viatura da PRF acabou transformado em uma câmara de gás.
Antes, no Rio de Janeiro, atuaram em operação policial que culminou com uma chacina no bairro da Penha que terminou com 23 pessoas mortas a tiros. A ação do Batalhão de Operações Policiais Especiais (BOPE), da Polícia Federal (PF) e da PRF foi deflagrada durante a madrugada do dia 24 de maio, para, segundo as forças de segurança, localizar e prender lideranças criminosas que estariam escondidas na comunidade, inclusive criminosos oriundos de outros estados do país.
O tiroteio na região durou cerca 12 horas. O clima de terror tomou conta do bairro. O Hospital Estadual Getúlio Vargas, na Penha, não parou de receber corpos e feridos ao longo de todo o dia. Ao todo, 23 pessoas morreram na operação.
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Também neste ano, a PRF colaborou para que eleitores de Lula, em regiões distantes, com difícil locomoção até zonas eleitorais, não comparecem ao local de votação, no segundo turno da eleição. Para ter êxito com essa medida, os agentes trancaram estradas e rodovias, realizando blitzes e obstruindo veículos.
A ação culminou no afastamento e exoneração do comandante da PRF, Silvinei Vazquez, que agora é réu por improbidade administrativa, depois que o juiz José Athur Diniz Borges, da 8ª Vara Federal do Rio de Janeiro, acatou a um pedido do Ministério Público Federal feito em 15 de novembro.
Novo comando
Apesar das últimos ações da PRF e do alinhamento com Bolsonaro durante a eleição, Fabrício Rosa, policial rodoviário federal há 23 anos e fundador do grupo Policiais Antifascistas, crê que a corporação seja um espelho da sociedade.
"Metade da população brasileira votou no Bolsonaro. É normal que metade da PRF seja bolsonarista. A cúpula da PRF foi nomeada pelo Bolsonaro e seu ministro. A administração central da PRF paga hora extra para que os policiais estejam nas rodovias fazendo aquelas operações que vimos", explicou Rosa.
Ainda de acordo com o agente, o novo diretor-geral da corporação deverá ser bem recebido entre seus pares. "Na PRF, apesar de ter muitos bolsonaristas, tem muita resistência. São dezenas, centenas de policiais filiados ao PT, PCdoB, PSOL e PSTU, e outros milhares filiados a outros partidos. A PRF vai receber bem o Fernando, a maioria dos policiais é legalista e cumpre as determinações. Vivemos um momento de polarização política, então qualquer nome da esquerda receberia críticas, mas isso não vai influenciar o trabalho do policial no cotidiano."
Por fim, Rosa afirmou "não ter dúvida" de que "as ordens do comando serão respeitadas e não haverá nenhum tipo de insubordinação e resistência". "Todos os gestores terão um grande trabalho, que é separar uma polícia que é do povo de uma polícia que é do governo x ou y. Temos compromisso com a legalidade democrática. Isso não significa despolitizar, porque o apreço pela constituição, legalidade, democracia e direitos humanos é também um fazer político."
Edição: Nicolau Soares