O Supremo Tribunal Federal (STF) proferiu duas decisões às vésperas do seu recesso e, com elas, alterou o balanço de forças entre Poderes dias antes da posse do presidente-eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
O plenário do Supremo decidiu nesta segunda-feira (19) que o pagamento de emendas parlamentares sem identificação de seus autores, o chamado “orçamento secreto”, é ilegal. Já no domingo (18), o ministro Gilmar Mendes autorizou que o governo federal pague benefícios do Bolsa Família sem que eles sejam contabilizados no Teto de Gastos.
O “orçamento secreto” era uma das principais formas do presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), manter controle sobre recursos públicos e, com isso, o poder. Lira, aliás, negociava com o governo eleito a possibilidade de manter o influência sobre o “orçamento secreto” para trabalhar pela aprovação da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) da Transição, que visa a tirar do Teto de Gastos justamente os gastos do governo federal para pagamento do Bolsa Família.
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Com o “orçamento secreto” proibido e o Bolsa Família garantido mesmo sem a PEC, Lira e todo o Parlamento perdem poder.
Lula, por sua vez, consegue recursos para cumprir a sua promessa mais urgente de campanha – pagar R$ 600 por mês às famílias mais pobres do país – sem ter que negociar com o Congresso Nacional nem ter que ceder recursos via “orçamento secreto”.
Já o STF volta a intervir no debate político, aproxima-se do presidente-eleito e sinaliza que não vai aceitar que o Legislativo Nacional se empodere de sobremaneira neste novo ciclo político que inicia-se com a cerimônia de posse de Lula, marcada para dia 1º.
Freio no crescimento
Presidentes da Câmara dos Deputados, desde o governo da ex-presidenta Dilma Rousseff (PT), ganharam importância no cenário político nacional.
Eduardo Cunha, hoje no PTB, conseguiu inviabilizar o segundo mandato de Dilma após ser eleito presidente da Casa em 2015. Abriu o processo de impeachment contra a presidenta, o qual culminou com a cassação do mandato de Dilma.
Rodrigo Maia, hoje no PSDB, também presidiu a Câmara e ganhou notoriedade ao fazer oposição ao governo do presidente Jair Bolsonaro (PL).
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Maia foi substituído na Câmara por Lira, que apoiou o governo Bolsonaro em troca da cessão do controle de parte do Orçamento Federal a ele.
Lira, aliás, é franco favorito a ser reeleito presidente da Câmara no ano que vem. Sabendo disso, o governo de transição já havia aberto negociações com ele para tentar garantir que pautas fundamentais para Lula e seus ministros avançassem no Congresso.
As decisões do STF, contudo, reduziram a necessidade dessas negociações.
Alívio para governo
Segundo André Luis dos Santos, analista político do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap), antes das decisões do STF, o presidente Lula “estava nas cordas” numa batalha política contra Lira pela aprovação da PEC da Transição. “Agora, ganhou um novo fôlego e poderá discutir a tramitação da emenda em novas bases”, disse.
Lira, disse dos Santos, de fato, perdeu poder de forma imediata. Ainda assim, permanece sendo um político poderoso, com o qual o governo eleito tende a querer aliar-se.
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Já o STF, na opinião de Santos, voltou a atuar com base na agenda política, decidindo sobre assuntos que estavam em debate entre os eleitos.
O analista da Diap disse que o Supremo deu no início desta semana uma demonstração do grande poder que detém. Dos Santos disse que tamanho poder não é razoável principalmente porque o Supremo pode usá-lo de forma autoritária.
“Não podemos esquecer que o Supremo já impediu, por exemplo, que o presidente Lula fosse nomeado ministro no governo de Dilma Rousseff”, exemplificou dos Santos, lembrando que uma decisão do STF acabou colaborando para a deterioração do ambiente político do país que culminou no impeachment em 2016.
Reacomodação
Mayra Goulart, professora de Ciência Política da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e do Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais (PPGCS) da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ), disse que os Poderes da República passarão por um processo de reequilíbrio após as decisões mais recentes do STF.
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Ela, aliás, não acredita que o Congresso abra mão do poder sobre o Orçamento que já conquistou só por conta dos julgamentos do Supremo. “Planos Bs foram sendo fiados. No caso do orçamento secreto, o plano B é o projeto de resolução”, afirmou.
Edição: Rodrigo Chagas