Tínhamos um grupo extremamente talentoso e que tinha plenas condições de conquistar o hexacampeonato
*Luiz Ferreira
Muita gente ainda está tentando explicar o que aconteceu com a Seleção Brasileira no fatídico dia 9 de dezembro de 2022, data em que a equipe comandada por Tite foi eliminada da Copa do Mundo pela Croácia na decisão por pênaltis. Nem preciso lembrar como aquela derrota nas penalidades doeu fundo na nossa alma.
E nem é preciso dizer que o novo revés contra um país europeu num Mundial fez com que aquela galera que gosta de analisar o futebol com o fígado pedisse a cabeça de vários jogadores numa bandeja para serem expostas em praça pública. Principalmente a de Tite. Seguindo essa linha de pensamento, ele é o treinador, ele escalou o time e ele tomou as decisões no jogo contra a Croácia. A responsabilidade é dele e somente dele.
De fato, tínhamos um grupo extremamente talentoso e que tinha plenas condições de conquistar o hexacampeonato lá no Catar. Mas também tínhamos uma comissão técnica valorosa e que recebia os elogios de vários treinadores e jogadores por conta do trabalho realizado na Seleção Brasileira.
Afinal de contas, o que aconteceu? O que deu errado?
Na humilde opinião deste que escreve, Tite cometeu dois erros nesses seus dois ciclos à frente do escrete canarinho. Erros esses que acabaram provocando uma série de problemas que desembocaram na eliminação dolorosa da última sexta-feira (9).
No dia 17 de junho de 2018, o Brasil estreava na Copa do Mundo da Rússia como um empate contra a Suíça. Após a partida, muita gente falou sobre as escolhas táticas realizadas por Tite, as condições físicas de Neymar (que vinha de uma lesão séria) e mais uma porção de coisas que não valem a pena serem repetidas aqui. Poucas pessoas perceberam o óbvio.
A Seleção Brasileira não estava preparada psicologicamente para encarar uma competição desse nível. Não estava na Rússia e também não estava no Catar.
Se você acompanhou as entrevistas coletivas do agora ex-treinador do escrete canarinho, você deve ter ouvido falar na frase “mentalmente forte” pelo menos algumas vezes. A força mental, a concentração, o foco no plano de jogo faziam parte de todo o trabalho realizado por Tite nos seus clubes e também à frente do escrete canarinho.
Curiosamente, não havia lugar para um psicólogo especialista em esporte de alto rendimento na Seleção Brasileira.
Questionados sobre isso na época, os jogadores e a comissão técnica do Brasil afirmavam que “Tite é um bom psicólogo” e minimizavam o problema. E o próprio Tite afirmou em diversas entrevistas que “demora muito tempo para os jogadores e a comissão técnica abrirem o coração para um psicólogo”. Os jogadores, por sua vez, apoiaram a decisão do treinador e seguiram trabalhando sem a ajuda desse profissional especializado.
Mesmo com a lição da eliminação para a Bélgica em 2018, o cargo não foi ocupado por ninguém e a CBF não parecia lá muito preocupada com isso. Mas a situação ficou escancarada após a derrota para a Croácia e todos os relatos dos jogadores nas redes sociais após a participação na Copa do Mundo do Catar.
A postura autossuficiente e até arrogante dependendo do ponto de vista foi o primeiro grande erro de Tite na humilde opinião deste colunista. Ter um psicólogo à disposição não é ter alguém pra conversar ou desabafar. É ter alguém para clarear as ideias, para ajudar a manter o foco dentro de campo e a lidar com as mais diferentes situações que o jogo apresenta. Seja para manter o resultado diante da pressão do adversário ou encontrar a frieza necessária para encarar uma decisão por penalidades.
Conversem com qualquer medalhista olímpico. Brasileiro ou estrangeiro. Eles vão falar que a vida do atleta é composta de mais de mil derrotas e umas 10, 20 vitórias. O esporte é assim! Você tem que estar preparado para perder se quiser ganhar lá na frente.
A falta desse profissional da psicologia esportiva também ajuda a explicar um pouco a postura de Tite após a derrota dos pênaltis para a Croácia.
Muitos criticaram a atitude do treinador ao se dirigir para o vestiário enquanto os jogadores permaneciam no gramado atônitos e tristes com o resultado. E também explica um pouco da nossa postura enquanto torcedores e consumidores do velho e rude esporte bretão.
Deixem-me fazer um pequeno adendo aqui. Tite nunca foi herói ou vilão. Tite é humano e erra como eu e você erramos. Todos os dias. Também tem seus medos como nós temos. É muito fácil ser um líder quando as coisas vão bem. Mas é muito difícil ser um líder quando se está tomado pela frustração de uma derrota. E entender isso também faz parte do nosso processo de amadurecimento mental.
O segundo erro de Tite tem relação direta com o primeiro. É compreensível que todo treinador queira blindar seu grupo e protegê-los das críticas da imprensa e da torcida. No entanto, a blindagem excessiva (como aconteceu com Neymar em vários momentos) acabou tirando dele e dos demais jogadores a oportunidade de lidar com as críticas e as derrotas. E o principal: aprender com elas e crescer.
Quem não se lembra de Rebeca Andrade agradecendo o trabalho da sua psicóloga depois de meses se recuperando de lesão. Essa foi fundamental para que ela lidasse com a pressão e se transformasse na ginasta que é hoje. E se quiserem exemplos do futebol, Abel Ferreira, Carlo Ancelotti e vários outros grandes treinadores trabalham com psicólogos junto ao grupo.
Inclusive, alguns deles ainda estão na disputa pelo título no Catar, sabia?
Não é fácil lidar com as derrotas da vida. Eu garanto que você conhece pelo menos uma pessoa que teve sérios problemas depois de uma desilusão amorosa, da perda de um emprego ou de um ente querido ou de qualquer outra situação mais complicada, e que melhoraram depois de iniciar uma terapia ou um tratamento mais especializado.
O futebol, assim como qualquer esporte de alto rendimento, multiplica a pressão do dia a dia por mil. Ou até mais. É preciso estar focado, abrir mão de estar com a família, manter a menta sã e leve e mais um monte de coisas se você quer ser campeão de uma Copa do Mundo ou conquistar uma medalha olímpica.
A forma como os jogadores da Seleção Brasileira estão reagindo à eliminação para a Croácia resume bem o ponto colocado aqui.
Tite errou? Sim. Não se subestima o cuidado com a saúde mental. Mas entender isso também faz parte de um processo de amadurecimento necessário pra todos nós. Jornalistas, jogadores, treinadores e torcedores. Ah, e façam terapia. Faz um bem danado.
*Luiz Ferreira escreve toda semana para a coluna Papo Esportivo do Brasil de Fato RJ sobre os bastidores do mundo dos atletas, das competições e dos principais clubes de futebol. Luiz é produtor executivo da equipe de esportes da Rádio Nacional do Rio de Janeiro, jornalista e radialista e grande amante de esportes.
**Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.
Edição: Mariana Pitasse