Como explicar pra um alienígena que existe um esporte em que o time que joga melhor pode não vencer?
*Luiz Ferreira
Eu herdei o amor pelo velho e rude esporte bretão do meu pai. “Seu” Fernando me ensinou a apreciar o jogo e entender que até mesmo os rivais dos nossos times do coração tinham jogadores fantásticos e também tinham capacidade de fazer coisas incríveis dentro das quatro linhas.
Um detalhe importante: meu pai não nasceu aqui no Brasil. Nasceu em Angola e tinha uma visão do futebol bem diferente daquela que estamos acostumados. Ele se acostumou a ver Eusébio, Beckenbauer, Pelé, Gerd Müller, Maradona, Cruijff e mais uma porção de craques do passado. Assisti com ele várias vitórias da Seleção Brasileira e várias derrotas também. Essa foi a primeira Copa do Mundo que eu assisti sem tê-lo por perto. Mas eu me lembro muito bem de uma frase dele logo depois de sermos derrotados pela França em 1998 e buscávamos os culpados.
O problema é que vocês precisam de um vilão pra colocar a culpa de tudo. Assim não tem como ir pra frente.
E depois do jogo desta sexta-feira (9), vejo mais uma vez que ele estava coberto de razão. Por isso que o “velho” dificilmente passava frio. É verdade que fomos campeões em 2022, mas isso não quebra o raciocínio. Infelizmente, esse esporte que tanto amamos também sabe ser cruel de uma forma que não dá nem pra colocar em palavras.
O Brasil não fez uma partida ruim contra a Croácia. Muito pelo contrário, pessoal. Pra começo de conversa, o time encarou uma das seleções mais regulares e mais cascudas do planeta. Modric, Brozovic, Perisic, Livakovic… Todos atletas de muita experiência, muita força mental e com muita capacidade de controlar o jogo do jeito que eles querem. Quem achava que ia ser fácil vive num terraplanismo futebolístico tão grave que nem mesmo as bênçãos da Rainha Marta podem curar.
Depois de um primeiro tempo mais complicado, a Seleção Brasileira melhorou muito no segundo tempo e só não fez o gol que selaria por coisa de detalhe. A marcação que estava mal encaixada no começo da partida no Estádio Cidade de Educação melhorou bastante com as entradas de Rodrygo e Antony nos lugares de Vinícius Júnior (sim, eu admito isso) e Raphinha. A Croácia mal atacava o gol de Alisson e tentava de todo jeito se segurar através das defesas do ótimo goleiro Livakovic (um dos melhores dessa Copa do Mundo até o momento na minha humilde opinião).
Veio a prorrogação. O Brasil continuava pressionando com mais gente no ataque (e Pedro no lugar de Richarlison). Até que Neymar (que vinha mal demais na partida) recebeu passe de Lucas Paquetá, tirou o goleiro croata pra dançar e balançou as redes. Golaço.
Só que quem estava do outro lado era a Croácia. A atua vice-campeã mundial. E o time dos caras é cascudo pra cacete, pessoal. Não é pouca coisa.
Tite mexeu no time e colocou Fred e Alex Sandro nos lugares de Lucas Paquetá e Éder Militão, mas alguns jogadores davam a impressão de sentir demais o desgaste físico e mental que a partida exigia. E é aí que está o mérito da Croácia. Na única chance que o time de Zlatko Dalic teve durante os 120 minutos de partida no Estádio Cidade da Educação, Bruno Petkovic bateu, a bola desviou em Marquinhos e tirou o goleiro Alisson da jogada.
Na disputa de pênaltis, Rodrygo e Marquinhos desperdiçaram as suas cobranças. A Croácia, por sua vez, manteve a cabeça no lugar, converteu todas as suas penalidades e comemorou a vaga nas semifinais da Copa do Mundo.
Como que se explica isso? Como explicar para um alienígena que chega aqui na Terra que existe um esporte (maldito) em que o time que joga melhor nem sempre sai vencedor? E como explicar que a gente continua amando a porcaria desse esporte mesmo assim?
Não é por acaso que a busca por culpados já começou.
Alguns culpam Tite pela escalação inicial e pelas mudanças durante a partida. Outros falam no goleiro Alisson que teria “obrigação” de defender pelo menos uma das penalidades da Croácia. E tem quem coloque o peso da eliminação no setor ofensivo ou nos jogadores que deixaram a Croácia armar o contra-ataque que resultou no gol de empate ainda na prorrogação.
O problema, meus amigos, é que agora a Inês é morta e enterrada. Não adianta nada falar que Tite deveria ter feito isso ou aquilo depois que partida acabou. Méritos da Croácia em se segurar e em se manter fiel ao plano de jogo. Podemos não gostar do estilo mais pragmático, mas temos que admitir que os caras são encardidos e fizeram um baita jogo contra um adversário mais talentoso e mais ofensivo.
Ninguém chega em duas semifinais seguidas de Copa do Mundo por sorte. E não dá pra continuar sendo comentarista de resultado e aparecer nas redes sociais com aquele famoso “como eu dizia”...
Mas como “Seu” Fernando dizia, nós precisamos de um culpado. Precisamos de alguém pra linchar em toda derrota da Seleção Brasileira. Mesmo que ela tenha acontecido diante de adversários fortes e muito organizados. Entendemos o resultado negativo como um crime lesa-Pátria que merece punição eterna no mármore do inferno futebolístico.
E de que adianta essa “caça às bruxas”? Grande parte dessa geração está na sua última Copa do Mundo. Nem o Tite vai ficar pra 2026. Só numa reviravolta quase impossível de acontecer.
Agora é o momento de enxugar as lágrimas, levantar a cabeça e iniciar um novo ciclo já pensando no próximo Mundial.
Esse ciclo, por mais que muita gente discorde, nos deixou muitas coisas boas. Há uma porção de jovens valores que podem sim nos dar alegrias. Rodrygo, Antony, Vinícius Júnior, Bruno Guimarães, Gabriel Martinelli, Pedro, Raphinha e mais alguns que não estiveram no Catar e podem assumir a responsabilidade já no ano que vem com um novo treinador que ainda vai chegar.
E gostem ou não, Tite deixa sim um legado imenso para os próximos anos. O trabalho, apesar das derrotas nas quartas de final em 2018 e 2022, foi sim muito bom. Quem quer que assuma a bronca no ano que vem vai encontrar um caminho e uma linha de trabalho clara.
Só é uma pena que o futebol seja assim tão cruel.
*Luiz Ferreira escreve toda semana para a coluna Papo Esportivo do Brasil de Fato RJ sobre os bastidores do mundo dos atletas, das competições e dos principais clubes de futebol. Luiz é produtor executivo da equipe de esportes da Rádio Nacional do Rio de Janeiro, jornalista e radialista e grande amante de esportes.
**Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.
Edição: Mariana Pitasse