Coluna

Sadio Mané e os comedores de ouro

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Bife com ouro é um prato exótico e caro - Reprodução
Longe de Mané, astros da seleção brasileira tiraram tempo para gastar R$ 3 mil em um bife com ouro

Sadio Mané, o atacante do Bayern de Munique, não come ouro. Pelo menos, não ao que se saiba. Diz o jornal alemão Bild que Mané ganha o equivalente a R$ 121,2 milhões por ano ou R$ 10,1 milhões mensais. Não tem pra ninguém: é o maior salário do seu milionário clube e um dos maiores do universo da bola. Mas o que Mané faz com tanto dinheiro? Vamos deixar ele mesmo dizer, como fez em uma estação de TV de seu país, o Senegal:

“Para que quero dez Ferraris, 20 relógios com diamantes e dois aviões? O que faria isso pelo mundo? Eu passei fome, trabalhei no campo, joguei descalço e não fui à escola. Hoje posso ajudar as pessoas. Prefiro construir escolas e dar comida ou roupa às pessoas pobres".

Em vez das Ferraris, dos relógios com diamantes, dos aviões e de um bife folheado a ouro, Mané doou R$ 2,5 milhões para levantar um hospital em Bambali, a cidadezinha onde nasceu.

Lá também mandou construir uma escola secundária e uma mesquita. Paga mensalmente R$ 345 a cada família local, além de garantir internet 4G gratuitamente para todos em Bambali. Na pandemia, entregou R$ 245 mil ao comitê de combate à covid-19 em seu país. E fechou parceria com a empresa Oryx Energies para levar energia elétrica a lugares distantes da África Subsaariana.

Longe de Mané e da pobreza que já viveram, o veterano Ronaldo Nazário e os jovens Vini Jr., Eder Militão e Gabriel Jesus, todos da seleção brasileira, tiraram um tempinho para gastar R$ 3 mil por cabeça e se refestelarem com um bife temperado com pó de ouro num restaurante do Catar.

Um gesto condimentado com uma pitada de arrogância, outra de cafonice e um punhado bem servido de alienação.

Dado à gastronomia áurea, o quarteto frequenta o seleto clube dos 266 mil milionários brasucas.

Considerando-se que 33,1 milhões de brasileiros e brasileiras não têm o que comer, que mais de 120 milhões vivem em insegurança alimentar, que a fila do osso é uma realidade e que bandeja de pele de galinha virou iguaria, a patuscada deu o que falar.

Saiu de tudo nas redes, com mais ênfase no refogado de muita grana com descolamento da realidade circundante.

Ronaldo, chamado Fenômeno, injuriou-se. Rodou a baiana e reclamou do que definiu como “discurso de ódio”.  Discurso de ódio, cara pálida? O aecista (isso ainda existe?) Ronalducho, como era chamado pela turma do Casseta & Planeta, ouviu o galo cantar mas não sabe onde.

Deitou falação sobre os críticos dizendo que assim agem por “inveja”. Professoral, explicou que consumir ouro via oral “pode ser inspirador para outras pessoas, pra quem for correr atrás, para trabalhar, para correr atrás do sucesso e da vitória”.

Como não demos conta disso? No fundo, era uma generosidade. Os caras estavam nos mostrando o caminho que, tolos e invejosos, não vimos.

Por exemplo, Bruno e Ian Barros da Silva, se soubessem disso, estariam aqui com a gente. Acusados de furtar carne em um supermercado, os dois foram detidos e torturados até a morte. Aconteceu em Salvador. Ronalducho mostrou o atalho inspirador para correr atrás do sucesso e da vitória. Mas eles preferiram fazer do jeito deles...

Ou o caso de outros dois homens que optaram por não correr “atrás do sucesso e da vitória”. Sem dar ouvidos às palavras redentoras do Fenômeno e suspeita de roubar picanha em Canoas/RS, a dupla foi sequestrada e torturada por seguranças de outro supermercado. 

Sadio, de Mané só tem o nome.

Mané na vida são os otários que acham da hora fazerem selfies, enquanto pagam R$ 3 mil e decoram as tripas com ouro para descarregá-lo na privada.

*Ayrton Centeno é jornalista, trabalhou, entre outros, em veículos como Estadão, Veja, Jornal da Tarde e Agência Estado. Documentarista da questão da terra, autor de livros, entre os quais "Os Vencedores" (Geração Editorial, 2014) e “O Pais da Suruba” (Libretos, 2017). Leia outras colunas.

**Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.

Edição: Glauco Faria