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Zema, queremos a juventude livre: não à privatização do socioeducativo

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As unidades de atendimento serão uma em Betim, na Região Metropolitana de Belo Horizonte, e outra em Santana do Paraíso, no Vale do Rio Doce - Reprodução/Sejusp
Mais uma vez, precisamos de ampla mobilização para impedir que essa proposta perversa avance

Projeto de parceria público-privada (PPP) quer vender as juventudes para serem cobaias, pagar R$ 67 milhões iniciais, entregar mais R$ 3 milhões mensais à iniciativa privada por 30 anos e ainda colocar a integridade dos nossos jovens em risco.

Parece que a gente nunca tem descanso. Há três semanas do fim do ano, às portas do recesso parlamentar, e com todos os setores da sociedade concluindo os trabalhos e se preparando para as festas e merecidas férias, temos mais uma briga grande pela frente contra este governo estadual liberalóide, que segue disposto a passar por cima dos Direitos Humanos em nome do dinheiro.

Aproveitando a desmobilização momentânea da sociedade, após um cansativo ano das eleições mais importantes da nossa geração, Zema agora está mirando na privatização do socioeducativo, usando nossa juventude como mercadoria, oferecendo Minas Gerais para ser cobaia e favorecendo ainda mais o setor privado, injetando dinheiro público no bolso de seus amigos empresários.

Há duas semanas, o governo anunciou o processo licitatório, construído sem transparência ou participação da sociedade, com início previsto para março de 2023, e a realização de uma audiência pública preparatória para a licitação marcada em cima da hora para 7 de dezembro, sem tempo para mobilização dos setores, e em um formato em que sequer há direito de fala para a população.

Modelo proposto

O “Novo socioeducativo” é um projeto de parceria público-privada para a criação de duas unidades socioeducativas em Minas Gerais, em que as funções de acompanhamento, formação e segurança dos jovens em privação de liberdade serão realizadas pelo setor privado, e a segurança dos locais será feita pelo Estado. O projeto ainda promete um lucro de 10% para a empresa operadora do serviço. Vale repetir, o custo aos cofres públicos para a implementação é de R$ 67 milhões, além de R$ 3 milhões mensais para manutenção, pelo tempo da concessão, que é de 30 anos.

As unidades de atendimento serão uma em Betim, na Região Metropolitana de Belo Horizonte, e outra em Santana do Paraíso, no Vale do Rio Doce, cada uma com capacidade de abrigar 90 jovens. Atualmente, existem 43 unidades socioeducativas em Minas, com cerca de 830 adolescentes sob tutela do Estado, ou seja, uma média de 20 jovens por unidade, quantidade que permite atender aos mínimos critérios para um cuidado integral ao jovem institucionalizado.

Vale lembrar que, durante o período de isolamento social motivado pela pandemia de Covid-19, houve uma redução do número de pessoas em cada unidade para conter a propagação do vírus, convertendo algumas medidas restritivas em outras que não fossem privativas de liberdade. Essa estratégia mostrou que é possível recuperar os adolescentes sem necessidade de institucionalização, reforçou a tendência de diminuir o número de pessoas atendidas em cada unidade para permitir atenção integral individualizada, além de preferir a educação e a ressocialização dos adolescentes em conflito com a lei a partir de medidas que não envolvam internação.

Além dos absurdos já citados, o projeto é uma falácia, já que todos os serviços apontados como novidade nesse novo modelo já são ofertados no sistema público. Mais um destaque relevante sobre o novo socioeducativo diz respeito ao controle e fiscalização do trabalho. A empresa concessionária será avaliada por meio de indicadores de desempenho que impactam diretamente na remuneração.

A lógica do setor privado é o lucro. E o lucro nesse projeto vai depender de avaliações positivas do trabalho desempenhado. Isso pode gerar desvios, já que denúncias de violações de direitos serão desencorajadas, o que compromete a independência dos dados e se torna um grave risco à proteção dos adolescentes. Nos perguntamos se, para potencializar o lucro, não haverá um aumento e até mesmo incentivo em adotar medidas em meio fechado, em detrimento das medidas que mantêm o adolescente em liberdade.

Para o estado, jovens são ameaça

O Brasil é o país com a maior população carcerária do mundo, sendo que duas em cada três pessoas presas são negras, maioria com idade entre 18 e 34 anos. A população carcerária que mais aumenta é a de mulheres negras. São os jovens negros que estão em privação de liberdade, ou sendo assassinados pelas mãos do próprio Estado. E cada vez mais cedo. São 56% os adolescentes negros, de ambos os gêneros, cumprindo medidas restritivas e privativas de liberdade no socioeducativo, contra 22% de brancos, e 16% sem dados de raça.

Esses números mostram que o Estado vê os jovens como ameaça. Só isso justificaria usar as juventudes como mercadorias, transformá-las em cobaias para experimentos que prometem atacar ainda mais a dignidade dos adolescentes sob tutela do Estado. A juventude negra é potência, precisa de educação, cultura, lazer, acesso a trabalho digno. Não precisamos combater nossos jovens, testar novas formas de puni-los, mas como Estado, temos o dever de corrigir as violações de direitos que os empurra para a criminalidade cada vez mais cedo.

Um destino melhor desse recurso público – que vai ser usado para dar lucro ao setor privado – seria fortalecer o sistema educacional e preferir a adoção de medidas em meio aberto. Privatização não é a solução para nenhum serviço público. Entregar a garantia de direitos para o mercado perverte seu objetivo, desvia sua função, mercantiliza as pessoas, retira dinheiro do povo e injeta no mercado. Serviço público é investimento, não gasto. Investimento em pessoas e no seu bem-estar.

Quem olha pelos nossos jovens se não nós mesmos? Mais uma vez, precisamos de ampla mobilização da sociedade para impedir que essa proposta perversa avance. Será necessário pressionar para o adiamento da audiência e a construção de uma nova, com tempo para mobilização e espaço de diálogo com os setores. Nossos jovens não são mercadoria. Vamos dizer não às PPPs do bolsonovismo.

Iza Lourença é vereadora em BH pelo PSOL

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Este é um artigo de opinião e a visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal

 

Edição: Larissa Costa