A tropa de choque bolsonarista — termo utilizado para se referir aos apoiadores mais radicais do atual presidente no Congresso — se reuniu no Senado na última quarta-feira (30). Além de senadores e deputados de extrema-direita, o evento teve a participação de influenciadores e lideranças dos movimentos nos quartéis, que há um mês pedem que o resultado das eleições para presidente não seja respeitado.
A Agência Pública acompanhou a sessão e identificou ataques ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ao Supremo Tribunal Federal (STF) e ao presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Um blogueiro bolsonarista chegou a afirmar que a audiência serviu para incentivar Jair Bolsonaro a “acionar os militares”.
A sessão aconteceu na Comissão de Transparência, Governança, Fiscalização e Controle e Defesa do Consumidor (CTFC) e foi presidida pelo senador Eduardo Girão (Podemos-CE). Girão, que é integrante da comissão, havia sido o autor de um requerimento para realizar uma audiência pública que discutiria a “fiscalização das inserções de propagandas politicas eleitorais”. O pedido foi aprovado pelos pares, mas o evento pouco abordou o tema proposto.
O auditório da CTFC estava lotado. Não havia onde sentar e algumas pessoas vestidas de verde, amarelo e azul acompanhavam as falas de pé, aplaudindo e gritando quando concordavam com os discursos. Vários faziam lives e tietavam seus parlamentares favoritos sempre que podiam.
Transmitida ao vivo no Youtube da TV Senado, a live da audiência chegou a ser acompanhada simultaneamente por mais de 140 mil pessoas. No total, o vídeo já chegou a 2,3 milhões de visualizações.
A blogueira Bárbara Destefani, dona do canal Te Atualizei no Youtube, que tem 1,78 milhão de inscritos, foi uma das principais atrações do dia. Fez um discurso de 21 minutos e se emocionou ao afirmar que estaria sendo perseguida pelo Supremo Tribunal Federal (STF), já que é investigada no inquérito das fake news (4781).
“Por favor, Senado, por favor, Congresso, parlamentares, socorro. Socorro! Por todas as pessoas que estão na rua, como foi bem dito, elas não sabem mais pra quem pedir ou o que pedir, elas estão desesperadas porque não confiam mais nos representantes que elas elegeram. Por favor, por favor, Congresso, Senadores, não decepcionem o povo de vocês”, pediu Destefani.
Seu nome virou um dos assuntos mais comentados no Twitter brasileiro logo após o fim do discurso, e sua fala repercutiu em blogs bolsonaristas, como o Pleno News — um dos que mais dissemina desinformação, de acordo com reportagem da Agência Pública — e Brasil Sem Medo, cujo dono, o blogueiro Bernardo Küster, também é investigado nos inquéritos do STF.
“Pessoas honestas, como Bárbara @taokei1, têm sido vítimas de perseguição mesmo sem cometer crimes”, disse o deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP), filho 03 do presidente, ao compartilhar no Twitter um corte da fala da blogueira. O conteúdo alcançou mais de 11,2 mil curtidas e 2,4 mil retuítes.
Quando ela, acompanhada pela deputada Carla Zambelli (PL-SP) e o deputado eleito, Gustavo Gayer (PL-GO), saíram da sala, as cadeiras das duas últimas fileiras da audiência ficaram momentaneamente vazias. Várias pessoas acompanharam os três para o lado de fora, onde gravaram vídeos e tiraram fotos com eles.
A audiência durou mais de 11 horas — começou pouco depois das 9h30 da manhã e só terminou por volta das 21h. Mais de nove horas após o início da sessão, apoiadores de Jair Bolsonaro (PL) ainda esperavam na frente do Anexo II do Senado para entrar e acompanhar o fim do evento.
Depois do fim da audiência, alguns deles seguiram para o Salão Azul do Senado, onde defenderam o “fim do inquérito das fake news” e disseram que a eleição foi “tomada” pelo STF e pelo TSE para Lula. “Se precisar a gente acampa, mas o ladrão não sobe a rampa!”, gritaram, reproduzindo um dos gritos de guerra dos atos nos quartéis.
Além de Bárbara Destefani, o blogueiro bolsonarista Alan Frutuoso, dono do canal Vista Pátria, que tem mais de 840 mil inscritos no Youtube, também esteve presente e compartilhou os acontecimentos do dia nas redes sociais. Frutuoso fez um vídeo sobre o protesto no Salão Azul que chegou a 148 mil visualizações, e outro em que afirma que a audiência pública estaria incentivando Jair Bolsonaro (PL) a “acionar os militares”, por meio do qual atingiu mais de 263 mil views. Frutuoso foi citado durante a CPMI das Fake News como parte de um esquema que cria e replica campanhas de ódio.
A CTFC já foi palco de outras manifestações bolsonaristas depois transformadas em posts para engajar as redes sociais, como relevou a Pública. Em 30 de agosto, o senador Girão presidiu uma audiência que criticou as operações de busca e apreensão sofridas por empresários que defenderam um golpe militar em um grupo privado de WhatsApp.
Mentiras sobre as eleições e pedidos de intervenção militar
Além de criticar o STF e seus ministros por suas ações no combate à desinformação, alguns bolsonaristas presentes utilizaram o momento para pedir um golpe militar, mas rechaçaram serem chamados de “golpistas”.
O desembargador aposentado do Distrito Federal, Sebastião Coelho, que se tornou conhecido por deixar seu cargo ao se declarar insatisfeito com o STF, defendeu a prisão de Moraes e a aplicação do artigo 142 para supostamente parar com as “arbitrariedades” impostas pelo tribunal. Foi aplaudido de pé.
Já o deputado federal Filipe Barros (PL-PR) afirmou em sua fala que “o nosso processo eleitoral foi maculado” e que “o eleitor não tem a garantia que o seu voto foi registrado, apurado e totalizado corretamente”, o que é mentira. As eleições brasileiras foram acompanhadas por observadores nacionais, como o Tribunal de Contas da União (TCU) e a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), e internacionais, que atestaram a veracidade dos resultados.
Sob a justificativa da suposta fraude eleitoral, Barros pediu uma intervenção militar: “o artigo 142 é a intervenção constitucional para combater o regime de exceção que nós estamos vivendo, e é necessário que o presidente Bolsonaro, com o apoio do povo brasileiro, invoque o artigo 142”, afirmou em sua fala de pouco mais de 7 minutos.
Entretanto, é consenso entre juristas que o Art. 142 não legitima ou sustenta uma intervenção militar nos Poderes da República. A informação de que o artigo “é para impedir movimento golpista, não apoiá-lo” também já foi publicada pelo site oficial do governo brasileiro, mas foi retirada.
A fala do deputado foi recortada e compartilhada no Twitter, onde o termo “art 142” ultrapassou 42 mil menções e virou um dos assuntos mais comentados no Brasil em 1º de dezembro, dia seguinte à audiência.
“O remédio tem nome…É artigo 142, pra isso precisamos do Presidente e do povo”, tuitou uma apoiadora citando Barros. Outro apoiador compartilhou um texto do site Brasil Sem Medo feito a partir do discurso de Filipe Barros. O deputado também divulgou sua fala no Instagram e no Twitter, onde conseguiu mais de 55 mil curtidas no total.
A deputada Aline Sleutjes (PROS-PR) também pediu um golpe em seu discurso de 12 minutos. “Tudo que nós vimos nos últimos dias foi o clamor da população dizendo ‘SOS Forças Armadas, nos ouçam! Cuidem de nós! Por favor nos atendam! Nós não queremos perder essa nação verde e amarela’”, disse ela.
“Nós precisamos agir rápido. Dia 12 tem uma diplomação que eles querem que aconteça. Nós não podemos deixar as coisas acontecerem até o dia 12, porque dia 12 já foi. Nós só temos 11 dias, 11 dias senadores, para vocês aqui no Senado fazerem a parte de vocês, para nós lá na Câmara fazermos a nossa parte, e para as Forças Armadas fazerem a parte delas!”, acrescentou a deputada, referindo-se à data marcada para a diplomação do presidente eleito.
A plateia aplaudiu o discurso da deputada e gritou em apoio. Sleutjes é vice-líder do governo no Congresso Nacional e tentou se eleger como senadora do Paraná nas últimas eleições, mas foi derrotada. Também repercutiu sua fala nas redes sociais: “o dia de hoje foi histórico”, disse no Twitter.
Ao todo, ao menos 40 parlamentares estiveram presentes no Senado. 19 deputados e 9 senadores falaram na audiência. Entre eles, estiveram os deputados Carla Zambelli (PL-SP), Bia Kicis (PL-DF), Caroline de Toni (PL-SC), Marcelo Álvaro (PL-MG), Daniel Silveira (PL-RJ), Carlos Jordy (PL-SP), Macel Van Hattem (NOVO-RS), General Girão (PL-RN), além dos senadores Luis Carlos Heinze (PP-RS), Zequinha Marinho (PL-PA), Marcos Rogério (PL-RO) e Marcos do Val (PODEMOS-ES).