O espaço de Criola vem de longe, tem muita ancestralidade em tudo que é feito
“Nós fomos orientando a nossa luta, a nossa perspectiva e o modo de pensar a partir da ancestralidade considerando figuras emblemáticas, simbólicas como as ialodês”, afirma Lúcia Xavier, cofundadora da ONG Criola.
Uma das lendas que representa a luta das ialodês contra a desigualdade de gênero conta que houve uma grande reunião para tomar decisões sobre toda a sociedade. Porém apenas homens podiam participar. Oxum, a senhora da fertilidade. do amor e da riqueza, para mostrar a importância feminina, deixou todas as mulheres inférteis. Então tudo na terra secou e Oxum só desfez a decisão quando foi convidada para as próximas reuniões.
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A luta das mulheres negras existe desde sempre e as Ialodês da atualidade, assim como suas ancestrais, batalham diariamente contra todas as formas de opressão. É o caso da ONG Criola, organização de mulheres negras fundada no Rio de Janeiro, que há 30 anos traz em sua construção a herança dos valores representados por orixás femininos.
“Mulheres negras nunca imaginam as conquistas somente suas, para elas os indivíduos e a comunidade precisam estar envolvidos neste processo”, explica Xavier, destacando a luta das mulheres negras no Bem Viver de toda a sociedade.
Um dos grandes desafios da ONG Criola foi a "Marcha contra o racismo, violência e pelo Bem Viver", que aconteceu em Brasília, em 2015.
“Nos unimos para pensar que é necessário enfrentar a violência e o racismo a partir de diferentes atuações, quer seja no campo do direito, das políticas sociais, das condições socioeconômicas, da cultura, do acesso a bens e serviços, mas que tudo isso só será possível se também mudarmos o padrão de civilidade”, afirma Xavier.
De acordo com o Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia, 65% dos lares de pessoas pretas ou pardas estão em situação de insegurança alimentar. Diante do cenário, a Criola aplica na prática a ideia “uma puxa a outra”.
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A pedagoga Fabiana Silva conheceu a ONG Criola durante um projeto de auxílio à pessoas durante a pandemia. Fabi, como gosta de ser chamada, fazia um trabalho de combate a violência contra a mulher na comunidade em que morava, no Rio, quando teve sua vida ameaçada e foi expulsa de sua casa pelo tráfico. Ela explica que a Criola deu todo o suporte para que ela conseguisse ficar em segurança e superar a situação.
“Para além do apoio psicossocial, o apoio de seis meses de ajuda de aluguel. Fazendo o mapa de segurança, checando informações, dando dicas de como eu poderia voltar a ter minha vida de forma segura foi muito importante”, lembra Silva.
A assistente social Dona Zica trabalhou como empregada doméstica desde seus 9 anos e foi uma das fundadoras do Sindicato das empregadas domésticas do Rio de Janeiro. Para ela, o trabalho feito pela ONG Criola ajudou a descobrir sua identidade como mulher preta para outras mulheres.
“Esse histórico nosso de mulheres negras, nosso povo negro, o porquê da nossa discriminação. Por que o povo negro é menos reconhecido? Por que em todas as questões sociais o povo negro está em terceiro lugar? Às vezes em lugar nenhum? Então a ONG Criola me ajudou muito nessa descoberta da minha identidade e hoje eu posso estar passando para as minhas meninas, as mulheres das comunidades, para minhas filhas, essa identidade”, relata Zica.
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Débora Silva coordena uma ONG em uma comunidade de Belford Roxo na baixada fluminense. Ela conta que o sentimento sobre esses 30 anos da Criola é de gratidão.
“A Criola é uma referência para mim. Quando se fala sobre mulher negra, eu pego essa referência e tento multiplicar aqui no meu município e na vida de tantas outras mulheres. Então vida longa para a Criola, todo sucesso, toda longevidade. O espaço de Criola vem de longe, tem muita ancestralidade em tudo que é feito, e eu tenho certeza que ainda vai impactar muitas mulheres”, destaca Silva.
Edição: Daniel Lamir