Abandonado há seis anos na Baía de Guanabara, o navio São Luiz virou motivo para o jogo de empurra entre órgãos públicos para decidir quem deveria assumir a responsabilidade pelo acidente que aconteceu na última segunda-feira (14), quando a embarcação se chocou contra a Ponte Rio-Niterói. O navio, de propriedade privada, é alvo de disputas judiciais entre sócios e sua utilização está impedida.
Mas para o ambientalista Sérgio Ricardo Potiguara, cofundador da organização não-governamental Baía Viva, que vem denunciando há anos os problemas de poluição na Baía de Guanabara, onde há um "cemitério" de mais de aproximadamente 250 embarcações, segundo levantamento de 2002, o problema causado pela ação judicial foi continuado e potencializado pela omissão dos órgãos públicos, que deveriam ter retirado o navio do local.
"A responsabilidade de fiscalizar, controlar e remover esse passivo ambiental que está contaminando a Baía de Guanabara é compartilhada entre três órgãos: a Capitania dos Portos, que é o órgão da Marinha do Brasil, o Ibama, que é o órgão ambiental federal, e o Instituto Estadual do Ambiente, que é o órgão licenciador dessas atividades. Mas o que estamos vendo é uma omissão generalizada", afirma Sérgio Ricardo.
Leia mais: Em livro, pesquisadores resgatam cultura e passado de histórias no entorno da Baía de Guanabara
A ONG Baía Viva fez um alerta para a situação geral da Baía de Guanabara por conta dos barcos abandonados e afundados. Os ambientalistas disseram que há grande risco de vazamento de óleo, de outras substâncias químicas e metais pesados oriundos destas embarcações que apodrecem no fundo da Baía ou que encontram-se ancoradas no espelho d’água de forma precária e insegura.
"É uma hipocrisia qualquer autoridade pública fingir ou negar que desconheça a existência de um verdadeiro 'cemitério de navios abandonados' nas águas da Baía de Guanabara, conforme constantemente tem sido alertado pelo Baía Viva nas últimas décadas e que está fartamente documentado em inúmeras reportagens", afirma o comunicado da ONG.
O Brasil de Fato solicitou à Marinha, ao Ibama e ao Instituto Estadual do Ambiente (Inea), órgão do governo do estado vinculado à Secretaria de Meio Ambiente, um posicionamento sobre as responsabilidades no caso. Apenas o Inea respondeu a respeito do ocorrido da última segunda-feira.
O Inea informou que atua em caso de acidentes envolvendo derramamento de óleo ou de produtos nocivos, que resultem em dano ambiental. "O Instituto Estadual do Ambiente informa que o controle das embarcações ancoradas na Baía de Guanabara e abandonadas é atribuição da Marinha do Brasil", acrescentou o órgão estadual. Marinha e Ibama ainda não se pronunciaram publicamente sobre a colisão.
Na segunda-feira (14), a Marinha informou em nota que tem atribuição sobre os assuntos referentes à segurança da navegação, à salvaguarda da vida humana no mar e à prevenção da poluição hídrica.
"Questionamentos sobre processos e litígios judiciais em andamento e, neste caso específico, envolvendo a embarcação 'São Luiz' devem ser endereçados à empresa proprietária da embarcação, Navegação Mansur, e ao Juiz responsável pelo processo", completou.
Empobrecimento
Além dos riscos para a vida marítima da Baía de Guanabara por ocorrências como derramamento de óleo, já que entre 30% e 40% das embarcações que estão afundadas são de madeira, há impactos consideráveis para a navegação. Segundo Sérgio Ricardo, o constante processo de açoreamento provoca acidentes.
"Aquela região está cada vez mais rasa e há risco de uma embarcação se chocar com uma ponta de ferro de um barco abandonado e afundar", explica o ambientalista, se referindo ao Canal de São Lourenço, que está próximo da Ilha da Conceição, em Niterói.
Segundo Ricardo, há ainda grandes prejuízos para pescadores que se sustentam da pesca na região e em outros locais, como Ponta d'Areia e Barreto e Ponta d'Areia, bairros que compreendem os dois lados da Ponte na chegada à Niterói.
"Os pescadores daquela região estão extremamente empobrecidos porque não conseguem pescar nem trafegar com seus barcos ali e temos também um prejuízo econômico enorme para Niterói e para a Região Metropolitana. Em 2013, foi construído pelo Ministério da Pesca e Aquicultura, ao custo de R$ 10 milhões, o terminal pesqueiro público de Niterói, reivindicado por 30 anos pelo setor de Niterói", explica Sérgio.
Por conta do cemitério de navios no entorno, do processo de poluição e açoreamento da Baía de Guanabara, o terminal nunca funcionou. Em 1991, foi assinado o Programa de Despoluição da Baía de Guanabara (PDBG), um plano de cooperação que envolvia atores internacionais e órgãos públicos brasileiros. Até 2014, o programa já havia consumido 800 milhões de dólares. Mas o resultado jamais foi visto pela população.
Edição: Mariana Pitasse