Eleições nos EUA

Disputa eleitoral nos EUA pode impactar apoio de Biden à Ucrânia

Política externa ganha destaque inédito nas eleições do Congresso dos EUA por conta da guerra da Ucrânia

Brasil de Fato | Rio de Janeiro (RJ) |
Cúpula do Capitólio e a Câmara dos Representantes dos EUA em 4 de novembro de 2022, em Washington, DC. - Samuel Corum / Getty Images / AFP

O massivo apoio militar e financeiro dos EUA à Ucrânia trouxe a política externa para o centro da campanha para as eleições de meio de mandato do Congresso dos EUA, realizadas na última terça-feira (8). O resultado da votação que saiu nesta quarta (9), frustrou expectativas dos republicanos de conseguir uma maioria confortável. Um dos fatores que podem ter impactado a votação foi a Guerra da Ucrânia.

O resultado da eleição dessa semana determina qual entre os dois principais partidos dos EUA controla o poder legislativo no país até 2024. Nos últimos dois anos, ambas as casas do Congresso norte-americano foram controladas pelo Partido Democrata.

Na eleição desse ano, apesar da vitória dos republicanos, foi frustrada a expectativa de uma "onda vermelha" por parte do partido do ex-presidente Donald Trump (cor tradicionalmente associada aos Republicanos; os Democratas são representados com azul). Na contagem dos votos até o fechamento desta reportagem, os republicanos conquistam 204 assentos na Câmara dos Deputados, contra 176 dos democratas. No Senado, os republicanos têm uma vantagem de 49 contra 48. Ao todo, são 435 cadeiras no Congresso. 

De acordo com as últimas projeções, a disputa pelo Senado dos Estados Unidos na Geórgia, por exemplo, terá um segundo turno em dezembro, considerando que nenhum candidato conquistou uma maioria simples (50%) de votos necessária para vencer.

Durante a campanha eleitoral, um dos temas mais discutidos foi o apoio do país à Ucrânia. Desde o início da guerra, os EUA forneceram mais de US$ 65 bilhões de dólares em assistência financeira direta e equipamento militar a Kiev. O porta-voz do Kremlin, Dmitry Peskov, disse que Moscou monitorou de perto o desenvolvimento da situação. Segundo ele, as eleições de meio de mandato nos Estados Unidos são importantes, mas não devem mudar muito as relações russo-americanas.

"Estas eleições são importantes. Mas, por outro lado, provavelmente não estarei enganado se disser que não há necessidade de exagerar seriamente o significado destas eleições a curto e médio prazo para o futuro das nossas relações bilaterais. As eleições não podem mudar nada essencial. As relações até agora são e continuarão sendo ruins", disse o porta-voz do Kremlin.

De acordo com a pesquisadora do Instituto de Estudos dos EUA da Academia de Ciências da Rússia, Alexandra Filippenko, a guerra na Ucrânia deu um papel mais importante à política externa nestas eleições.

"A política externa assumiu um papel 100% mais importante. Em geral, os americanos, principalmente às vésperas das eleições, se concentram especialmente na política interna, tudo gira em torno da economia, do que acontece dentro do país, inflação, alta dos preços, tudo isso preocupa os americanos. Mas agora, como nunca - poderia comparar apenas com as consequências do 11 de setembro -, a política externa vira um fator de grande influência na política interna", disse ela ao Brasil de Fato.

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Enquanto os democratas estão, em grande medida, alinhados no apoio à Ucrânia, no Partido Republicano essa questão causou controvérsia. Durante a campanha, muitos candidatos republicanos atacaram a política externa do presidente Biden, acusando-o de arrastar os EUA para um conflito armado com a Rússia, gerando um grande desperdício de fundos.

Filippenko observa que muitos republicanos alegam que os democratas destinaram verbas à Ucrânia de maneira descontrolada, sem promover uma discussão sobre o tema.“Eles afirmam que não se pode destinar tanto dinheiro à Ucrânia, porque não dá pra saber para onde este dinheiro está indo na realidade”, destaca.

Assim, segundo a pesquisadora, os republicanos têm duas principais reivindicações ligadas à Ucrânia. A primeira diz respeito à necessidade de nomear comissários que vão controlar as verbas à Ucrânia in loco. Já a segunda reivindicação é que os democratas destinaram uma quantidade muito grande de dinheiro, e que, portanto, essa grande quantidade de verbas deveria ficar no país.

Anteriormente, a secretária de imprensa da Casa Branca, Karine Jean-Pierre, havia assegurado que a aliança com Kiev não iria sofrer alterações independente do resultado do pleito no Congresso.

“Estamos confiantes de que o apoio dos EUA à Ucrânia será inabalável, é nisso que acreditamos, e é assim que vemos isso daqui para frente. […] Membros do Congresso, republicanos e democratas, foram claros sobre nosso apoio duradouro à Ucrânia em qualquer cenário”, disse.

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É o que também pensa o pesquisador do Centro de Estudos de Segurança da Academia de Ciências da Rússia, Konstantin Blokhin. De acordo com ele, as autoridades norte-americanas não vão se recusar a apoiar a Ucrânia, pois o país "é um ativo estratégico pelo qual eles lutam desde a década de 1990 e já investiram uma enorme quantidade de dinheiro, esforço e tempo nele".

Por outro lado, ele argumenta que a Rússia pode receber benefícios indiretos com um maior controle dos republicanos sobre o Congresso. "Não se trata de mudar o vetor da política externa, mas de que se fortaleça o confronto político doméstico nos Estados Unidos", explicou o cientista político, citado pela agência russa "Moskva 24".

"Os republicanos podem arranjar dois anos difíceis para o presidente democrata dos EUA, Joe Biden. Decisões políticas importantes vão desacelerar, os republicanos podem bloquear algumas iniciativas do chefe de Estado, só para mostrar, na véspera da eleição presidencial de 2024, que Biden é um líder ineficaz", completa.

Já o diretor da Fundação Franklin Roosevelt para o Estudo dos Estados Unidos na Universidade Estadual de Moscou, Yuri Rogulev, aponta que há riscos reais para o enfraquecimento da assistência financeira à Ucrânia com maior controle dos republicanos, pois estes "geralmente são a favor do corte de gastos do governo".

"Para muitos republicanos, a Ucrânia é um fator secundário. Portanto, eles podem facilmente cortar a ajuda a Kiev para usar o dinheiro liberado principalmente para resolver problemas domésticos. Por exemplo, implantar programas de assistência social nos Estados Unidos, especialmente se ocorrer uma recessão no país", disse Rogulev à Moskva 24.

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A Alexandra Filippenko, por outro lado, sustenta que o apoio norte-americano à Ucrânia não deve sofrer grandes impactos. Em primeiro lugar, ela destaca que quem vai determinar as diretrizes no fim das contas serão os centros de pesquisa que vão evidenciar a magnitude da popularidade do apoio a Kiev na população dos EUA. “Independente do partido que estiver no poder, o mais importante é como os americanos enxergam o que está acontecendo”, completa.

Por outro lado, sob maior ingerência do Partido Republicano, a forma desta assistência pode alterar significativamente. Vale lembrar o discurso de campanha da deputada republicana Marjorie Taylor Greene, que na semana passada afirmou que, no caso de um Congresso controlado pelo seu partido, "nenhum centavo irá para a Ucrânia". A deputada, uma representante da extrema direita nos EUA, foi reeleita ao Congresso pela Georgia esta semana. 

Segundo a pesquisadora do Instituto de Estudos dos EUA da Academia de Ciências da Rússia, isso significa que todo o dinheiro destinado à Ucrânia pode acabar ficando dentro dos EUA através de garantias dos republicanos junto ao lobby armamentista para contratos estatais de produção de armamentos.

"Consequentemente, sim, todo esse dinheiro ficará nos EUA, mas o fornecimento de ajuda à Ucrânia será propriamente em armas, e não em dinheiro. O apoio à Ucrânia não será interrompido, isso não acontecerá, mas esse apoio pode assumir uma nova forma”, completa.

Edição: Arturo Hartmann