Embora os números da covid-19 no Brasil estejam variando no platô mais baixo da pandemia desde as primeiras infecções, o movimento dos últimos dois meses pode indicar um processo de reversão dessa tendência e aumento do número de casos, a exemplo do que já vem acontecendo em algumas nações.
Desde setembro, o total de casos a cada sete dias está abaixo de 50 mil em território nacional. Nesse período, as mortes só superaram 500 registros por semana uma vez, de acordo com informações do Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass).
Na quinta-feira (3), no entanto, uma pesquisa divulgada pelo Instituto Todos pela Saúde (ITpS) mostrou que o cenário pode estar mudando. Segundo o levantamento, o percentual de testes positivos escalou de 3% para 17% no mês de outubro. Desde o fim do ano passado, a iniciativa já avaliou as informações de quase 600 mil exames realizados pelos laboratórios Dasa, DB Molecular e HLAGyn.
No mês passado, os resultados mostraram "um forte indício de uma nova onda de casos de covid-19", de acordo com a ITpS. O número de testes positivos ultrapassou 19% em praticamente todas as faixas etárias. Somente entre pessoas com menos de 19 anos, o índice de positividade ficou abaixo disso (cerca de 8%).
O matemático Wallace Casaca, professor da Unesp e coordenador do SP Covid-19 InfoTracker, afirma que já é possível notar um "aumento substancial" de novos casos de covid-19, com base nos dados mais recentes.
"Outros indicadores epidemiológicos importantes como a taxa de transmissão (Rt) - hoje acima do limiar aceitável - e o total de leitos covid ocupados - no estado de São Paulo, por exemplo: saltou de 857 para 1.036 nos últimos 7 dias - também corroboram esse aumento", afirma Casaca.
Há ainda indícios de outros estados que mostram que a pandemia está andando mais rápido no Brasil. Na semana passada, o governo de Pernambuco confirmou aumento nos índices de testes positivos realizados por laboratórios estaduais, que saíram de pouco mais de 4% para 11,8% em sete dias.
No Amazonas o total de casos subiu consideravelmente. Desde setembro as novas infecções por semana não passavam de 300. Nos 14 dias anteriores a 29 de outubro, no entanto, esse número disparou e passou de 1 mil.
O infectologista Bernardo Wittlin, da Rede Nacional de Médicas e Médicos Populares, explica que a pandemia já mostrou à ciência que tem como principal característica repiques e ondas em sucessão. Isso porque o poder de mutação do coronavírus é alto e a imunidade é transitória.
"Não é a toa que a Organização Mundial da Saúde (OMS) ainda considera que estamos sob uma emergência sanitária. Considerando as características do vírus e sua alta capacidade de mutação - que aumenta quando há grande circulação do vírus - e as características da resposta imunitária, que tende a ser transitória, a gente vê um cenário de indefinição. No Brasil, apesar da queda consistente desde o meio do ano, já há os primeiros sinais de um repique, o que mostra realmente a característica dessa pandemia. Apesar de não estarmos mais na situação pior que vimos nas primeiras ondas, o mar ainda está revolto."
Proteção, testagem e imunização
O professor Wallace Casaca afirma que, mesmo com as infecções subindo, o Brasil não deve voltar a enfrentar momentos de caos. Com a população mais protegida, o desafio agora é manter a consciência sobre medidas sanitárias simples e o foco total na vacinação. Ele lembra que é preciso também atenção a grupos mais vulneráveis, como idosos e pessoas com comorbidades ou imunossuprimidas.
"O cenário atual é diferente daquele enfrentado em 2020, 2021 e início de 2022, como resultado positivo da nossa vacinação e da natureza menos letal das variantes/sublinhagens predominantes no país. Em suma: neste momento de recrudescimento da curva de contágio é importante retomar parte das medidas básicas que já conhecemos, como utilização de máscaras em locais fechados e de grande fluxo de pessoas, bem como a atualização do esquema vacinal, incluindo terceira e quarta doses."
O que mais preocupa em relação às novas ondas é a pressão nos sistemas da saúde. Esse foi um dos pontos levados em conta pela OMS ao decidir manter a condição de pandemia para a propagação do coronavírus.
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O infectologista Bernardo Wittlin lembra que o SUS está com recursos limitados desde o governo de Michel Temer (PMDB). Há previsão de cortes no orçamento do ano que vem, elaborado pelo governo de Jair Bolsonaro (PL). A injeção de recursos para a pandemia também deve cair.
"Nossa expectativa é que com a entrada do novo governo haja uma reversão dessa previsão de queda orçamentária. Em termos da covid-19, temos vários desafios pela frente, desafios estruturais do próprio sistema de saúde. Um sistema combalido pode não responder a contento às novas ondas. Apesar de haver uma queda no número de mortes, esses novos repiques acabam aumentando a pressão no Sistema Único de Saúde."
Edição: Nicolau Soares