Preso às sombras do Palácio do Planalto, de onde praticamente não saiu desde que foi confirmada sua derrota para Luiz Inácio Lula da Silva (PT), no último domingo (30), Jair Bolsonaro (PL) vive suas últimas semanas como presidente da República e já tem negociado seu futuro.
No horizonte próximo, o candidato derrotado se mantém como quadro do PL e barganha para ser um consultor do partido, com previsão de remuneração e algumas regalias. Porém, a partir de 1 de janeiro de 2023, já sem o escudo do mandato, deve enfrentar adversidades, como explica Ivan Fernandes, cientista político e professor de Políticas Públicas da Universidade Federal do ABC (UFABC).
"É provável que Bolsonaro acabe isolado, do ponto de vista político. Pois as outras lideranças de direita podem se aproximar do Lula ou podem tentar a presidência em 2026. Aí, teremos outra grande questão, que é o que acontece do ponto de vista jurídico com Jair Bolsonaro. Todos os equívocos cometidos ao longo de seu governo, cometidos principalmente durante a pandemia, protegidos por sigilos que Lula deve derrubar", explica Fernandes.
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É provável que no final do ano Jair Bolsonaro viaje para não entregar a faixa presidencial a Lula durante o cerimonial que acontecerá dia 1 de janeiro de 2023, missão que deve ser cumprida pelo vice-presidente Hamilton Mourão. Para a cientista política Rosemary Segurado, o atual mandatário pode não retornar ao Brasil.
"Bolsonaro já disse que só sairia da presidência se fosse morto. Ele tá vivo ainda, mas foi derrotado nas urnas. Um tempo atrás, ele fez uma viagem para a Arábia Saudita que levantou muita dúvida sobre o teor da visita. Inclusive, levantou-se a possibilidade dele viver lá. O número de crimes que ele pode ser julgado, ele pode sair do país e ter um pedido de repatriação, não é uma saída tão simples. Na Arábia, ele ficaria mais tranquilo, já que não temos acordo de repatriação com eles", argumenta.
Cientista político formado em Ciências Sociais pela PUC-SP e doutor pela Unicamp, Rudá Ricci também acredita que a Justiça estará no encalce de Bolsonaro, mas que essa perseguição não será alimentada pelo PT.
"Eu duvido que o Lula vá para cima do Bolsonaro. Pelo contrário, o discurso de vitória dele foi muito nítido. Esse é o discurso oficial e deve ter tido acordo com a ampla aliança que o elegeu, que passa por Alckmin, Tebet e Marina. Ali ele fala em baixar as armas, então ele não vai atacar o Bolsonaro. O Lula tentará fazer um governo de reposição nacional. O primeiro semestre é fundamental para ele criar essa calmaria."
Ao Brasil de Fato, Juliano Medeiros, presidente nacional do PSOL, afirmou que o partido terá em seu norte a prisão de Jair Bolsonaro, pelos atos ilegais que cometeu durante o mandato na presidência da República. "Lutaremos para que ele e seus aliados paguem por seus crimes. O Brasil não pode repetir o erro de conceder anistia ampla e irrestrita para assassinos e corruptos."
Cultura da ilegalidade
Pedro Serrano, jurista e especialista em Direito Constitucional, acredita que Bolsonaro terá que responder à Justiça por seus crimes e diz estar com medo, pois se cria entre os progressistas uma "cultura da ilegalidade, a partir de raciocínios estratégicos".
O jurista recorda dos episódios envolvendo a deputada federal Carla Zambelli (PL-SP), bolsonarista de primeira fileira, que sacou a arma no centro de São Paulo, no meio da rua, contra um jornalista e entusiasta de Lula.
Dias antes, o ex-deputado federal Roberto Jefferson (PTB), também aliado de Bolsonaro, atirou e lançou uma granada contra agentes da Polícia Federal e após um dia inteiro de negociação foi preso, mas sequer foi algemado.
No dia 30 de outubro, durante o período da votação do segundo turno, agentes da Polícia Rodoviária Federal (PRF) trancaram rodovias no nordeste com blitzes, interrompendo a circulação de eleitores. A região é, majoritariamente, lulista: o petista conseguiu 70% dos votos nordestinos, contra apenas 30% de Bolsonaro.
Todos esses episódios, segundo Serrano, não receberam o devido tratamento da Justiça. "A gente, como o Lula ganhou, está deixando passar esse tipo de crime. Quando Lula estiver no governo não será fácil, haverão contínuos ataques à democracia, estamos lidando com a extrema-direita, não é uma direita civilizada e racional. O único modo de enfrentar esses ataques, será pela aplicação rigorosa da lei, não podemos deixar criar a cultura do raciocínio estratégico na aplicação do Direito. A aplicação do Direito não pode passar por disputa do poder. Nós, da esquerda, temos que ser os primeiros a defender a aplicação da lei. Isso não tem nada a ver com revanchismo, claro que não pode e não usaremos de cargo público para vingança", encerra o jurista.
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Ricci considera que o atual presidente, mesmo que alcançado pela Justiça, não recuará. "A única saída do Bolsonaro e seu núcleo central é ir pra cima. Com isso, assustar o Judiciário. Se ele recuar, o Judiciário vai pra cima do bolsonarismo e os militares envolvidos com falcatruas. A única chance do Bolsonaro é manter a ofensiva e eu não tenho dúvida que ele vai manter esse tom."
Outro problema para Bolsonaro, em um horizonte mais largo, pode ser a disputa dentro da direita pela sucessão de Lula em 2026, segundo Fernandes. "Ele criou futuros líderes da direita. O Tarcísio em São Paulo, o Zema, que teve menos apoio, o próprio Moro e o Castro no Rio de Janeiro. São lideranças que podem querer herdar o capital político do Bolsonaro, deixando o Bolsonaro para o passado. São lideranças que em algum momento podem se transformar na cara de uma direita menos radical, como a crônica política vem falando, 'uma direita que come de garfo e faca'."
Edição: Nicolau Soares