FÉ E POLÍTICA

“Meu voto é um voto de liberdade”: fiéis revelam rotina em igrejas com líderes fundamentalistas

Relatos mostram que a igreja se tornou, para parte dos fiéis, um lugar de opressão e perseguição política

Brasil de Fato | Petrolina (PE) |
Fiel da IPB relata que, na sua igreja, usar roupa vermelha pode ser motivo para ser chamada atenção - Foto: John Moore/AFP

"Eu amo a minha igreja, mas hoje me sinto muito oprimida dentro da congregação". É com pesar e emocionada que Rafaela (nome fictício) partilha como tem sido difícil exercer sua fé em um ambiente que foi tomado pelo bolsonarismo.

A recifense é membro da Igreja Presbiteriana do Brasil (IPB) desde 2009 e tem vivido dias de angústia nas eleições deste ano, desde que a instituição adotou a posição pública de defender a reeleição do candidato Jair Bolsonaro (PL).

Recentemente, um documento interno foi elaborado pela IPB com normas sobre como tratar membros de “esquerda”. A ideia é afastar os fiéis de um suposto "comunismo". A fiel conta que documento chegou a ser publicado através de um aplicativo chamado iCalvinus, criado para ajudar na organização e comunicação das igrejas e membros.

A IPB voltou atrás e revogou o registro. Mas, na prática, as normas continuam a valer. "Me choca saber que muitos pastores que admiro, que me deram lições lindas de vida, estão sendo contaminados”, desabafa a fiel, que não quis ser identificada por medo de represálias.

Ela não se sente confortável nem mesmo para vestir vermelho, sob o medo de ser convidada a sair da congregação ou chamada para conversar com o pastor. “A mensagem da cruz não trata disso. Ela trata de acolhimento, de diálogo, de amor”, defende.

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Ela também critica a postura do presidente em relação às igrejas. "Pra muitos Bolsonaro é evangélico, mas ele não é, ele não tem membresia em nenhuma igreja evangélica. Ele transita dentro das igrejas por pautas falsas para angariar o apoio de pessoas", diz.

O apoio implícito

Na zona da mata norte de Pernambuco, em Carpina, a estudante de Psicologia Anna Guerra frequenta a Igreja Batista há oito anos. Após um episódio em setembro, ela e sua família optaram por se afastar da igreja. Membros da instituição, contra a orientação do pastor, utilizaram um momento de celebração interna para engajar os fiéis, de maneira implícita, para a campanha bolsonarista.

"O pastor decidiu não se posicionar em relação à política. Só que existem outros líderes e eles decidiram que iam enfeitar a igreja. Colocaram bandeiras e tudo", conta a estudante. Ela relata que a igreja organizou uma peça teatral que proferiu falas racistas contra religiões de matriz africanas e fez a igreja cantar o hino nacional. “Foi super constrangedor”, relembra.

Ela relata também que os jovens são estimulados a se engajar na campanha e vestir a camisa da Confederação Brasileira de Futebol (CBF), muito utilizada pelos grupos bolsonaristas. “Quando tem acampamento de jovens, a maioria foi estimulada a ir com a camisa do Brasil, as fotos eram no meio da oração com a camisa do Brasil”, diz.

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Para ela, o apoio implícito impossibilita o diálogo. "Se fosse de forma explícita, a gente poderia dar opinião, mas da forma que é, se a gente for reclamar, eles vão dizer ‘não, mas a gente nunca disse isso, você viu a gente dizer isso?’ Então começam a fazer algo que a gente não tem como se defender”, lamenta a estudante.

Outro caminho possível 


Além de evangélica, Esther é historiadora e pesquisadora de Josué de Castro, um dos principais estudiosos sobre a fome / Foto: Arquivo Pessoal

A historiadora e ativista pelos Direitos Humanos, Esther Souza, mostra que outro caminho é possível. Hoje ela consegue praticar sua religiosidade sem deixar de se posicionar e de se inserir nos movimentos populares na periferia do Recife. “Hoje estou em um ambiente seguro e consigo falar abertamente sobre política e sobre os movimentos que faço parte sem me sentir julgada. Não há coação por parte das lideranças da igreja para que se vote em político A ou B", relata.

Mas não foi sempre assim. Esther fazia parte da Igreja da Família, que possui 54 anos de história no município. No entanto, a instituição declarou apoio abertamente ao candidato Jair Bolsonaro (PL) nas eleições de 2018. Segundo ela, na época, toda a liderança fazia coro à candidatura. Isso fez com que ela tomasse a decisão de sair. 

“Não foi uma decisão fácil, muito pelo contrário. Foi extremamente doloroso. Eu tinha muitos conflitos internos, emocionais, espirituais e relacionais”, relembra. “Eu não conseguia conceber que a liderança espiritual, aquela que eu tinha tanto apreço, tanto afeto, estava fazendo do Altar do Senhor um palanque politico”. 

Foi então que ela encontrou acolhimento em uma igreja da periferia da zona oeste do Recife. Na conversa com Rafaela, ela tece a análise de que igrejas evangélicas periféricas não refletem os fiéis fundamentalistas que saem de verde e amarelo nas ruas. "Essas pessoas não votam em Bolsonaro. As pessoas que conhecem e gozaram das políticas públicas dos governos de 2002 a 2006 conhecem e sabem muito bem o que fizeram por eles”, pontua.

Atualmente, não só Esther se sente mais segura para frequentar os cultos, como também vê e faz parte de um combate à fake news dentro da igreja. "Fazemos parte de uma campanha nacional contra fake news e produzimos conteúdo sobre isso", conta. A cartilha que está circulando o Brasil pode ser acessada aqui.

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O voto pela liberdade

Segundo uma pesquisa do instituto Inteligência em Pesquisa e Consultoria Estratégica (IPEC), os evangélicos representam 25% do eleitorado brasileiro. Assim, é um segmento com um grande poder de decisão nos resultados das eleições, mesmo que no dia a dia precisem esconder seu posicionamento.

Por situações como a que vivenciou, Anna vem percebendo que a igreja tem perdido fiéis. Ela também diz que existem mais pessoas como ela. "As pessoas começaram a deixar de ir pra igreja... perguntaram ao meu pai porque ele parou de ir, e ele disse que não concordava com aqueles posicionamentos", afirma.

Esther reforça que, desde a redemocratização, essa é a eleição mais importante da história e não pretende se omitir. "Como evangélica, eu não posso de maneira alguma votar em um candidato que zomba do nome de Deus", declara a ativista.

Rafaela, que é filha de pais da esquerda, conta que sempre se sentiu segura para criticar os governos progressistas sem temer por sua integridade física, mas não agora. “Meu voto é um voto de liberdade”, finaliza.

Crime eleitoral

Segundo a Lei das Eleições, Nº 9.504/1997, está proibida a veiculação de propaganda eleitoral de qualquer natureza nos bens de uso comum, que são aqueles a que a população em geral tem acesso - como templos religiosos. O Tribunal Regional Eleitoral de Pernambuco (TRE-PE) reiterou a proibição após uma denúncia recebida. Estão sujeitos a pena os que descumprirem a orientação. 

Sendo assim, ao notar propaganda eleitoral irregular em igrejas, é possível denunciar através do aplicativo Pardal. Se a propaganda for feita de maneira implícita ou se os líderes religiosos coagem de alguma forma ou condenam pensamentos diferentes, é sempre possível buscar outras possibilidades para exercer a fé, como mostra a fiel Esther. 

Fonte: BdF Pernambuco

Edição: Vanessa Gonzaga