Jogo baixo

Ameaça de "chacina" impede o voto de 500 eleitores da etnia Parakanã no sul do Pará

Violência política atinge os povos Krahô, Xerente, Apinajé e Awaeté-Parakanã, no Tocantins e no Pará

Brasil de Fato | São Paulo (SP) |
Municípios com maior população indígena deram maioria de votos a Lula no primeiro turno
Municípios com maior população indígena deram maioria de votos a Lula no primeiro turno - Marcelo Camargo/Agência Brasil

Os povos Krahô, Xerente, Apinajé e Awaeté-Parakanã nos estados do Tocantins e do Pará denunciam estar vivendo ameaças, boicotes e oferecimento de benefícios por parte de prefeitos, pecuaristas e comerciantes locais para que não votem na eleição deste domingo (30). 

No município de Novo Repartimento (PA), a violência contra os moradores da Terra Indígena (TI) Parakanã está escalando desde março, quando três caçadores foram encontrados mortos dentro do território, em um caso ainda não elucidado. Acusados por moradores da cidade de serem responsáveis, os Parakanã foram ameaçados de sofrer "chacina", conforme denúncia da Associação Brasileira de Antropologia (ABA). Idosos e crianças chegaram a se refugiar nas matas e, isolados, vivem há meses falta de alimentos, de atendimento médico e desativação da escola municipal.   

A vida ou voto 

É nessa situação que chegam as eleições gerais e, segundo a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) e a Federação dos Povos Indígenas do Pará (Fepipa), estes 500 eleitores Parakanã - ameaçados e impedidos de transitar na cidade - terão de trocar o voto pela vida. Já o fizeram no primeiro turno.  

Além disso, mesmo se quisessem arriscar, não contam com transporte e nem tiveram a alteração de suas zonas eleitorais para locais mais próximos das 18 aldeias que compõem o território.    

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Sob o título "Pelo direito ao voto do povo Parakanã", professores da Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará (Unifesspa) denunciaram a situação em carta, caracterizando o caso como "exemplar da ineficácia do poder público".  

As ameaças "racistas", que fazem dos indígenas “prisioneiros em seu próprio território”, segundo o documento, são em boa parte "associadas a oportunismo político-eleitoral e interesses econômicos escusos em explorar ilegalmente a Terra Indígena Parakanã".  

De acordo com a Apib, manifestações de ódio contra o povo Parakanã são fomentadas na cidade de Novo Repartimento "por meio de manifestações como motociatas e carreatas, que contam com apoio político e de candidatos eleitos, ligados ideologicamente ao presidente Jair Bolsonaro". 

Oferecimento de vacas  

Além disso, um card assinado por "pecuaristas e comerciantes" circula nos grupos de WhatsApp da cidade, prometendo bens materiais caso Bolsonaro seja reeleito presidente. Violando a legislação eleitoral, a propaganda é de que serão doadas 30 vacas, mil caixas de cerveja e centenas de fardos de refrigerantes e água.  


"Constitui captação de sufrágio", diz a Lei Eleitoral nº 9.504/1997, "doar, oferecer, prometer ou entregar, ao eleitor, com o fim de obter-lhe o voto" / Reprodução

Indígenas do povo Krahô de Tocantins também denunciaram, em redes sociais, que o ex-prefeito de Goiatins (TO), Vinicius Gomes (PSD) foi até a aldeia Pedra Branca prometendo doar uma vaca aos indígenas caso votassem em Bolsonaro. O procurador eleitoral federal do Tocantins, Álvaro Manzano, solicitou diligências da Polícia Federal para investigar o caso.  

Falta de transporte 

Ainda no Tocantins, na cidade de Itacajá (TO), a prefeita Maria Aparecida (PSC), apoiadora do candidato à reeleição Jair Bolsonaro (PL), negou transporte público gratuito para que indígenas dos povos Xerente e Apinajé possam votar.  

A justificativa dada pela prefeitura ao Tribunal Regional Eleitoral de Tocantins (TRE-TO) foi "falta de combustível e de veículos". Em resposta, o Tribunal deve ceder 12 veículos para atender especificamente a área indígena.  

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No último dia 21, a Apib oficiou o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) solicitando as medidas de apoio logístico necessárias para garantir a segurança e o transporte "para o exercício do voto pela população indígena em todo o território nacional durante o segundo turno das eleições 2022".  

No documento, a articulação lista casos emblemáticos vividos no primeiro turno. Entre eles, o de 400 indígenas do povo Yanomami que se deslocaram de barco em uma viagem de dias para exercer o voto e, sem combustível e apoio da prefeitura de Barcelos (AM) para retornar às aldeias, ficaram por semanas alocados de maneira precária na cidade. 

Edição: Thalita Pires