Com recursos cada vez mais escassos, cortes e ameaças constantes do Ministério da Educação (MEC) de bloqueio de verbas, a gestão do atual presidente e candidato à reeleição Jair Bolsonaro (PL) aprofundou a crise orçamentária nas instituições federais de ensino em todo país.
Gestores de universidades federais do Rio de Janeiro têm alertado que os sucessivos cortes terão impactos na continuidade das atividades acadêmicas ainda neste ano.
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Serviços básicos de manutenção predial, limpeza, segurança e a assistência estudantil como alimentação já são os mais afetados. A Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), por exemplo, suspendeu o pagamento das contas de água e energia preventivamente.
A moratória foi acordada com as concessionárias em agosto, meses após o corte de 7,2% no orçamento discricionário das universidades, que excluem despesas com salários e previdência.
O vice-reitor da UFRJ, Carlos Frederico, afirma que diante da gravidade da situação também suspendeu os contratos de limpeza e segurança, mas os ajustes na execução das despesas chegaram no limite. O orçamento da UFRJ é o menor desde 2012, período de maior expansão das universidades com o Programa Universidade para Todos (Prouni).
“Nesse momento estamos trabalhando com o orçamento para pagamento principalmente dos terceirizados e da alimentação até novembro. A gente não tem condições de pagar dezembro. Nós ainda temos cerca de 18 milhões de recursos próprios que foram arrecadados e que estão retidos pelo Tesouro Nacional. Desde que foi implantado o Teto de Gastos isso tem sido recorrente”, explica o professor Carlos Frederico.
Assistência estudantil
O gestor ressalta que a demanda por serviços aumentou com as políticas de acesso e expansão das universidades públicas, mas o orçamento não acompanhou a mudança de perfil dos estudantes. O mesmo acontece na Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ) no qual cerca 35% dos alunos possuem renda familiar bruta de 1 a 2 salários mínimos, segundo o último balanço.
Para Alexandre Fortes, que já foi diretor do Instituto Multidisciplinar (IM) da UFRRJ em Nova Iguaçu, na Baixada Fluminense, a insegurança orçamentária coloca em risco a permanência de estudantes de baixa renda que se alimentam no Restaurante Universitário, e dependem de auxílios para o transporte e moradia.
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“O governo está estrangulando as verbas e tentando sabotar de toda maneira possível a assistência estudantil. E na pós é pior porque simplesmente não existe”, constata o professor que acompanhou os ataques à universidade pública desde o governo Temer e deixou o cargo de pró-reitor de pesquisa e pós-graduação ano passado.
Segundo o vice-reitor Carlos Frederico, a UFRJ também registrou um aumento nas refeições. O gasto com alimentação corresponde a cerca de 5% do orçamento. “Nos últimos anos, houve um empobrecimento da população e a demanda sobre alimentação estudantil que é subsidiada. Nós cobramos dois reais por refeição e o custo para nós é de quinze [reais]”, completa.
Limitações
O orçamento discricionário é o único que a universidade pode administrar para pagar as contas. Isso inclui serviços (água, luz, telefone), contratos (segurança, limpeza), terceirizados, investimento em obras, laboratórios, bolsas acadêmicas e alimentação estudantil.
O professor Alexandre Fortes lembra que a Lei Orçamentária Anual (LOA), aprovada no início do ano, é uma autorização preliminar de gastos. Na administração pública, a União libera a execução do orçamento gradualmente por meio de notas de empenho.
“O governo promete o orçamento e você promete aos seus fornecedores. E até isso o governo começou a complicar. Inclusive atrasar por vários meses a liberação dos recursos financeiros que já tinha autorização. Além de ir reduzindo ao longo do ano com o tal do contingenciamento”, relata o ex-diretor do IM/UFRRJ.
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“Às vezes você tem um orçamento alto para algumas coisas, mas você não pode dizer ‘ah eu não vou fazer obra para ajudar os estudantes’. Não é possível fazer isso sem autorização do governo, às vezes até sem emendas ao orçamento que tem que passar pelo Congresso. Então é muito amarrado”, completa Fortes.
A projeção para a UFRJ não é de melhora, e Carlos Frederico demonstra preocupação com um início de 2023 endividado e com orçamento ainda menor. “Nós temos anos duros pela frente porque temos que recuperar um orçamento que vem sendo reduzido ao longo dos últimos, desde 2015 a redução é clara. Acho que com condições políticas melhores a gente pode pelo menos usufruir mais do nosso próprio orçamento”, completa o vice-reitor.
Edição: Mariana Pitasse