A gente vive uma situação preocupante, com baixa cobertura, mas o Brasil sabe como fazer
A Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), em parceria com a Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm), está construindo desde o final do ano passado um projeto que visa o aumento da cobertura vacinal no país. O esforço surge no momento de retorno de doenças até então já erradicadas, como o sarampo e a poliomielite, devido à baixa procura por imunizações.
Maria de Lourdes Sousa Maia, coordenadora da Assessoria Clínica de Bio-Manguinhos e do Projeto pela Reconquista das Coberturas Vacinais da Fiocruz, afirma que as coberturas vacinas estão em queda desde 2011, agravando-se substancialmente com a pandemia de covid-19.
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Dados da própria Fiocruz mostram que menos de 70% do público alvo, de crianças entre um a quatro anos, estava com as doses em dia em 2021. Em 2015, esse índice era de 98%. Com o sarampo, a situação é parecida. Em 2019, o Brasil o país perdeu a certificação de “país livre do vírus do sarampo”, entregue em 2016 pela Organização Panamericana de Saúde (Opas), depois de um surto iniciado em 2018 na região Norte e que se espalhou para outros estados.
Ainda em 2019, foram registrados 20.901 casos. Paralelamente, a cobertura de vacinação contra a doença caiu de 93,1%, em 2019, para 71,49% em 2021, segundo dados do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef).
Na mesma linha, dados do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) indicam que a cobertura de vacinação contra sarampo, caxumba e rubéola no Brasil caiu de 93,1%, em 2019, para 71,49% em 2021.
“As baixas coberturas propiciam que as doenças retornem. A gente já tem o sarampo aí que voltou. É preciso que a gente saiba que estas doenças matam ou deixam sequela”, afirma Maia. É diante desde quadro que se deu a idealização do projeto “pela reconquista das altas coberturas vacinais”, diz.
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“O que a gente observa é que, nos municípios que têm as condições, os gestores eles estão se mobilizando. A gente vê que eles estão fazendo uma busca ativa. A própria Atenção Primária de Saúde, com os seus agentes comunitários de saúde, está fazendo essa busca ativa”, defende.
Um exemplo é o município do Rio de Janeiro. A Prefeitura informou, nesta quinta-feira (20), que houve aumento de cerca de 130% na procura pela vacina da poliomielite. O crescimento ocorreu após a busca ativa por crianças que ainda não foram vacinadas. Atualmente, a taxa de imunização do público alvo está em 50%.
“A gente vive uma situação preocupante, com a necessidade de um esforço conjunto de toda a sociedade para reconquistarmos as altas coberturas vacinais. O Brasil sabe como fazer. O Brasil já fez. E a gente pode voltar a ter o orgulho de ter as altas coberturas vacinais”, diz Maia.
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No total, são três eixos do projeto. O primeiro busca garantir que a vacinação seja realizada, garantindo equipamentos e transporte adequados. O segundo parte para a capacitação dos profissionais para que possam lidar da melhor maneira com as informações, os computadores, as aplicações, etc. Por fim, a conscientização da população da importância da imunização e os riscos das doenças, a partir de estratégias de comunicação e educação.
Flávia Bravo, diretora da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm), defende a realização de algumas boas práticas para resolver o cenário. Entre elas, a capacitação. “A informação tem que ser feita não apenas para população, como também para o profissional de saúde. A gente hoje em dia ainda vê uma alta rotativa. Aquela história daquela mesma enfermeira que passava anos e que a comunidade a conhecia ali da sala de vacinação não é mais assim. É uma rotatividade grande o que contribui para uma pior orientação da população. É difícil capacitar”, afirma.
Motivos para a baixa cobertura vacinal
Flávia Bravo afirma que algumas famílias deixam de levar as crianças para a vacinação, porque o controle de certas doenças fez com que estas deixassem de ser vistas. “Isso gera uma falsa impressão de que o problema pode ter acabado. Para que eu vou vacinar meu filho dar uma injeção, se não tem mais esse risco? O que é uma impressão completamente falsa”, fiz Bravo.
Isso está diretamente relacionado à propagação de notícias falsas sobre imunização que chegam até a população. “A gente tem que lembrar que durante a pandemia”, por exemplo”, “as fake news e as informações truncadas tiveram um impacto muito grande inicialmente em relação as vacinas de covid”, o que gerou uma “falta de confiança, que acabou se estendendo para as vacinas de um modo geral”.
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Um outro motivo, explica a diretora, é a redução progressiva da comunicação com a população. “Houve realmente uma redução, com outras mídias substituindo as mídias tradicionais de acesso mais fácil para população. A gente tem que lembrar que o nosso país é muito diverso e que existem locais que nem internet tem. Então, eles precisam ter essa informação via televisão e via rádio. E a gente vê uma diminuição desse tipo de campanha de informação”, diz.
Soma-se a isso a dificuldade de acesso às vacinas. “Não só pela dificuldade geográfica, mas eventualmente mesmo nos grandes centros muitas famílias precisam gastar dinheiro com ônibus, com transporte. Eles perdem trabalho para terem acesso à vacinação.” Bravo cita, nesse sentido, o fechamento dos postos de saúde em horários e dias em que a população não está trabalhando, como horários de almoço, após às 18h e nos sábados e domingos.
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A diretora afirma que a escassez de vacinas também é um problema, ainda que pontual. Uma das explicações para baixa cobertura vacinal contra a tuberculose está a dependência do Brasil em relação ao mercado internacional para produzir e distribuir os imunizantes, que devem ser aplicados logo após o nascimento, de acordo com orientação do Programa Nacional de Imunizações.
Segundo Paulo Victor Viana, pesquisador e chefe do Centro de Referência Professor Hélio Fraga, da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca, da Fiocruz, a suspensão das atividades da única fábrica brasileira da vacina BCG, utilizada na prevenção da doença, em 2016, “vem ocasionando o fornecimento intermitente” das doses. Desde então, o Ministério da Saúde passou a realizar a importação da vacina de fornecedores da Índia, mas com dificuldades de logística.
Edição: Rodrigo Durão Coelho