Rejeitado pela esquerda por seu papel no antilulismo; ex-juiz desprestigiado e desautorizado pelo Supremo Tribunal Federal; e político que acumulou reveses e traições entre os aliados de ocasião. Esses são alguns fardos que Sergio Fernando Moro precisará carregar nos seus primeiros passos como senador eleito pelo União Brasil do Paraná.
Ao embarcar no projeto de reeleição de Jair Bolsonaro (PL), na reta final da campanha, Moro pode ter cometido um novo erro de cálculo político. É o que avaliam juristas e analistas ouvidos pelo Brasil de Fato, que também preveem seu isolamento no Congresso Nacional por condutas que lhe renderam a fama de "egoísta" e "traidor" até entre aliados ocasionais.
"Essa reaproximação, entre aspas, demonstra que essa união nunca se desfez. Houve um atrito entre Moro e o presidente da República no que tange a condução como ministro da Justiça com acusações gravíssimas em relação a interferências do presidente na Polícia Federal", afirma o advogado Paulo Freire, da Associação Brasileira de Juristas pela Democracia (ABJD).
O jurista também acredita que o senador eleito demonstra apenas trocar de cargos, mas sempre tendo como objetivo principal perseguir o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. "Ele continua insistindo, mesmo com suas decisões anuladas, que a sua decisão foi confirmada pelo TRF-4 (Tribunal Regional da 4ª Região) e confirmada pelo STJ (Superior Tribunal de Justiça). Sim, mas foi derrubada pelo STF, que é a última instância do poder judiciário", explica.
Freire se refere ao peso que a presença de Moro traz ao tema "corrupção" na tentativa de ampliar a rejeição de Lula, que ainda é menor do que a do atual presidente, de acordo com as pesquisas mais recentes. A aposta em espalhar desinformação e destilar ódio, especialmente nas redes sociais e aplicativos de conversa, tentará remediar a perda de credibilidade aprofundada com o caso da Vaza-Jato, em junho de 2021.
"Com o aparecimento daquelas conversas, isso desmoralizou muito. A partir daí, ele quis ingressar na política com os dois pés. Tentou a presidência da República, não deu; tentou ser senador por São Paulo, também não deu; e acabou saindo pelo Paraná, onde conseguiu desbancar (Álvaro Dias) um líder de direita tradicional", identifica o historiador Daniel Aarão Reis, professor da Universidade Federal Fluminense (UFF).
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Outro calcanhar de Aquiles da narrativa de Moro, inclusive na sua relação com a extrema-direita, é a beligerância que ele adotou após deixar o governo, em abril do ano passado. Em declarações à imprensa e em sua conta no Twitter, o ex-número 1 entre os ministros de Bolsonaro o acusou de forçar interferências em investigações contra a sua família na Polícia Federal e chegou a igualá-lo a Lula ao mencionar os casos de "rachadinhas".
"É uma grande ilusão do Moro achar que o bolsonarismo e o Bolsonaro em particular vão recebê-los de braços abertos. Depois que ele abandonou o governo, foi designado como um homem que traiu o bolsonarismo. Traidores, por mais que você os receba de modo instrumental, para servir aos seus objetivos imediatos, nunca são bem recebidos a longo prazo", sublinha o historiador.
Futuro no Senado dependerá de aprendizados e parcerias
A imagem de paladino da Justiça colada em Moro - e reforçada ao longo de anos pela imprensa - sofreu sucessivos danos desde a sua nomeação como ministro. Mesmo assim, continua sendo seu principal capital político, vista sua notória dificuldade em costurar alianças duradouras em todos os partidos por que passou.
Felippe Mendonça, advogado especializado em Direito Constitucional, é cético quanto à efetividade do agora senador em se destacar no Parlamento e à sua capacidade de angariar apoios para projetos pessoais.
"Não vejo Moro como um grande problema no Senado. Ele nunca foi bom nos discursos, então não acredito que ele vá conseguir inflamar muito. Talvez, por ter sido juiz, ele tenda a ingressar em CPIs e aí tentar aparecer em eventuais CPIs, e mesmo assim com dificuldades", opina.
Mendonça também considera o ex-juiz numa situação complicada, por estar "queimado" com toda a classe política, tanto da esquerda quanto da direita. "Ele já está tentando se aproximar da Damares (Alves) e do Marcos Pontes, porque vão ser os três grandes isolados no Senado. Sendo o Lula presidente, eles vão discursar muito, mas não acredito em uma força relevante de oposição. Se for o Bolsonaro, talvez seja possível que ele passe como alguém forte no combate à corrupção", prevê.
Já Freire lembra dos avanços no fortalecimento e da autonomia da Polícia Federal durante os governos Lula e Dilma Rousseff para tratar de dilemas que Moro viverá em um eventual governo Lula. "Ele certamente seria oposição em qualquer tema, mesmo naqueles que jurou defender quando virou ministro. Eu desconfio do apoio dele a esse tipo de pauta, porque o que está por trás de toda essa disputa não é o combate à corrupção, são interesses pessoais e político-eleitorais que Moro deixa cada vez mais claros", enfatiza.
Para o jurista, Bolsonaro e o próprio Moro se valeram de bandeiras "legítimas" anticorrupção, apesar dos conflitos que fizeram a união entre ambos hibernar. "Nós todos sabemos que os aparelhos estatais de combate à corrupção foram desmantelados ou aparelhados durante o governo Bolsonaro. Isso em organismos como a CGU (Controladoria Geral da União) e a PF, instituições responsáveis que têm essa premissa na Constituição", pontua.
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Da ascensão meteórica à desmoralização
Nascido na cidade paranaense de Maringá, em 1972, Sergio Moro se especializou em crimes financeiros após concluir direito na Universidade Federal do Paraná, antes de se tornar juiz federal em 1996. Atuou em casos como o escândalo do Banestado, mas só ganhou notoriedade a partir de 2014, quando comandou o julgamento em primeira instância de crimes apontados pela Operação Lava-Jato.
Sua atuação incomum para a Justiça do país, pautadas pela midiatização e pelo ritmo acelerado dos processos, envolveu dezenas de políticos, doleiros, lobistas e empresas como a Petrobrás e a Odebrecht. Em 2017, condenou Lula à prisão, tirando suas chances de concorrer às eleições de 2018. Na mesma disputa eleitoral, também teria interferido com decisões que reforçavam o antipetismo e a rejeição do então candidato Fernando Haddad (PT).
"Basta a gente lembrar daquela decisão do Sergio Moro que ele, mesmo estando no fim da interceptação telefônica, sem autorização judicial para interceptação telefônica, liberou a conversa feita entre a ex-presidente Dilma e o nomeado ministro da Casa Civil, Luiz Inácio Lula da Silva", rememora Freire sobre o episódio que dominou o noticiário sem distinguir a ilegalidade de gravar uma presidenta em exercício.
"Me parece que o que faz mudar o entendimento do Supremo são as conversas estabelecidas entre o juiz e a acusação. Ali ficou muito claro que o juiz era muito mais acusação (sic) do que julgador. Aí todo o princípio do Código Penal Brasileiro foi por água abaixo", deduz.
Todas as suspeitas de que Moro conduzia uma perseguição a Lula encontrariam respaldo após as publicações sobre a Vaza-Jato feitas pelo Intercept Brasil. O vazamento de conversas entre ele, o então promotor Deltan Dallagnol e outros integrantes da força-tarefa de Curitiba, colocariam em xeque a autenticidade, a legalidade e a origem de todas as evidências apresentadas nos processos.
O vazamento também foi um marco para a corrosão do relacionamento com o STF, que nos primeiros anos da Lava-Jato havia sido permissivo com manobras regimentais de Moro. Um capítulo da história recente do Brasil que também atiça a base bolsonarista mais inflamada, afeita a acusar magistrados de favorecer o ex-presidente Lula.
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Acumulando uma série de reveses, que o próprio ex-juiz admite em sua autobiografia "Contra o sistema da corrupção", lançado em dezembro, Moro mantém ambições ousadas na vida pública. Apostas que estariam vinculadas à reaproximação com Bolsonaro, de quem jura fazer oposição num eventual segundo mandato.
"Para o STF, todos os movimentos dele e a tradição fazem com que ele não seja a primeira escolha de algum presidente, seja qual for o presidente", avalia Mendonça, que considera a Corte mais resistente ao que chama de "populismo judicial".
"É muito improvável a nomeação do Moro como ministro do Supremo num eventual segundo governo Bolsonaro. O Bolsonaro vai preferir escolher evangélicos ou pessoas que sejam incondicionalmente fiéis a ele mesmo", reforça Reis.
Já para o cargo máximo do país, Mendonça acredita que Moro perdeu a sua grande chance, a não ser que consiga dar uma guinada na sua reputação. "Ele precisaria retomar uma imagem de austeridade, seriedade, que também considero muito complicada não apenas para a população, mas principalmente dentro dos partidos políticos. A chance dele, se existia, era para esse ano. Não conseguiu e agora acho que as chances são nulas", finaliza.
Edição: Thalita Pires