Parece estranho, mas o VAR permite explicar: houve quem comemorasse o gol, mas ele nunca existiu
Afirmar a inocência de Lula é inequívoco. A Constituição de 1988 estabeleceu o estado de inocência (ou presunção de inocência), que atinge todos aqueles que não foram condenados por sentença penal transitada em julgado. Trata-se de uma garantia que já foi reafirmada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) e que se aplica a todos que nunca sofreram uma condenação irrecorrível.
Nos últimos tempos, porém, há uma disputa política em torno do termo “inocentado”. Afinal, a Justiça inocentou Lula? Da inocência, como dito acima, não há dúvida. O termo “inocentado”, porém, remete a um outro debate, que procura associar-se à ideia de absolvição. A utilização do termo jurídico “inocência” e da palavra “inocentado” tem levado a essa confusão, na qual se busca discutir se Lula foi efetivamente absolvido nesses processos.
Lula não foi absolvido.
Houve condenação em duas instâncias, com a manutenção das decisões pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) – que, aliás, não é terceira instância, mas um órgão que analisa se a decisão está de acordo com lei federal. No STF, porém, as condenações foram anuladas. Com a anulação, a Justiça não concluiu a análise de mérito para verificar se ele seria, ao final, absolvido.
E por que o STF anulou tudo? A declaração de nulidade é uma medida que reconhece um vício no processo que jamais poderia ter sido corrigido. No caso, o juiz foi considerado suspeito, ou seja, aquele que deveria ser imparcial não tinha essas credenciais. Em outras palavras, o STF impediu a manutenção das condenações porque constatou que os elementos do processo apontavam que o resultado do jogo já estava definido desde o início.
Em qualquer Estado democrático do mundo, a garantia da imparcialidade do juiz sinaliza que não vai haver qualquer perseguição. Quem já passou perto de um fórum jamais gostaria de saber que o resultado desfavorável já está no roteiro.
Com a nulidade, as condenações ruíram, e os processos voltaram ao início. Se não há mais condenação, do ponto de vista jurídico sequer podemos dizer que o ex-presidente foi condenado. É como se as decisões não tivessem existido. Parece estranho, mas o VAR hoje permite explicar: houve quem comemorasse o gol, mas ele nunca existiu.
Mesmo assim, a inocência de Lula não impede que alguém continue acreditando na corrupção ou na prática dos crimes.
Durante muito tempo, figuras clássicas da política foram tidas como corruptas mesmo sem condenação. Desse modo, é possível expressar certas compreensões sobre esses fatos no debate público e eleitoral. E o mesmo vale em relação ao seu oponente: ambos são inocentes, mas há acusações dos dois lados.
O que não dá para aceitar é o jurista TikTok que matou a aula de Direito Constitucional e Processo Penal para negar o estado de inocência, falar em terceira instância e até se valer do termo “descondenado”.
Edição: Mariana Pitasse