A mesa dos brasileiros com renda mais baixa está cada dia mais vazia. É o que se pode ver ao comparar o aumento dos preços nos supermercados com os dados de consumo. Entre os preços que mais subiram desde o início do governo Bolsonaro estão os produtos da cesta básica. Os alimentos, na média, subiram 62% em Curitiba, mais que o dobro da inflação oficial, o INPC, que foi de 26,6% até setembro deste ano.
O estudo do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) “Inflação Alta e Renda em Queda” mostra que do começo de 2019 a setembro de 2022, os preços que mais subiram foram do leite (91,53%), da carne (81,9%), do feijão (55,7%) e do arroz (53,15%). Quem ganha um salário mínimo teve de trabalhar 124 horas só para adquirir os produtos mais básicos da alimentação diária.
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Como conta Neusa Felisberto, trabalhadora de conservação e asseio e moradora de área de ocupação em Curitiba: “Eu ganho um salário mínimo para sustentar três pessoas. Carne na minha casa não entra... É uma vez por mês, quando recebo, e das carnes mais baratas. Tenho vivido muito com cesta básica. Vamos ver se daqui pra frente vai melhorar, porque cada vez que se vai ao supermercado, as coisas estão mais caras.”
Mesma situação descrita por Aline Damiana, a "Polaca", moradora da área de ocupação Dona Cida, também em Curitiba. “A minha dificuldade nesses quase quatro anos é grande. Sou mãe-solo e está bem mais complicado porque a minha filha se separou e está também comigo. Sobre a comida e a mistura, está bem difícil. Vivo de ajuda, de doação, faço uns biquinhos. Carne é uma vez na vida e outra na morte. Mistura em casa é ovo e o ‘cabo de reio’, o salsichão”, conta.
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O susto no mercado
Uma pesquisa rápida da reportagem em aplicativo que permite comprar produtos mais baratos em Curitiba mostra o tamanho da conta. Um quilo de carne moída de segunda sai em média 25 reais. A caixa com 12 leites longa vida fica por volta de 60 reais. Um pacote de 5 quilos de arroz fica por volta de 15 reais e o quilo do feijão passa dos 5 reais.
Até por conta desses preços, que sobem a cada dia, o Dieese calcula que o salário mínimo necessário para uma família de quatro pessoas se alimentar, pagar água, luz e outras despesas seria, em setembro deste ano, de 6,3 mil reais. Bem distante do atual valor do mínimo, de 1.212 reais.
Do lado do consumo, dá para ver como esses preços estão afetando a vida das pessoas. Em 2021, o consumo de carne bovina no país foi o menor em 25 anos. Segundo dados da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), foram 26,5 quilos por habitante ao ano, 40% menos que na comparação com 2006, último ano do primeiro mandato do ex-presidente Lula, quando eram 42,8 quilos por pessoa. No leite, a mesma coisa. O consumo atual é de 167 litros por pessoa, quando era de 175 em 2013, segundo a Associação Brasileira de Leite Longa Vida (ABVL).
Queda na renda
O aumento dos preços e a queda no que as pessoas ganham ajuda a explicar por que o Brasil voltou ao Mapa da Fome. Pesquisa da Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar (Rede PENSSAN), feita entre novembro de 2021 e abril de 2022, mostra que 33,1 milhões de pessoas estão passando fome no Brasil. Mais da metade da população brasileira está em insegurança alimentar, não sabe se vai ter o que comer no dia seguinte.
A pandemia piorou a vida de muitas pessoas, mas só isso não explica por que está tão difícil comprar comida e pagar as contas. No caso dos alimentos, o estudo do Dieese mostra que o maior consumo de outros países (exportação) e a subida do dólar foram algumas das causas do aumento dos produtos, além da queda de financiamento e de programa de estímulo a produtores, com cortes de verbas do governo federal.
“A cesta básica subiu mais que o dobro da inflação média no governo Bolsonaro. Isso afeta principalmente quem tem rendimento menor, que gasta mais com alimentação. E isso piora com a queda na renda, por conta da queda na qualidade das ocupações, aumentando o trabalho informal e por conta própria. A consequência disso é uma queda na renda, que hoje é similar à de 2012. Tudo isso afeta os mais pobres”, explica Sandro Silva, economista do Dieese no Paraná.
Fonte: BdF Paraná
Edição: Lia Bianchini