O presidente Jair Bolsonaro (PL) acelerou o uso da máquina pública para ganhar a eleição. Desde o início do 2º turno, há duas semanas, foram pelo menos 10 medidas de caráter eleitoral com impacto bilionário para os cofres públicos. Em alguns casos, porém, os benefícios à população só vão durar até dezembro, como a ampliação do Auxílio Brasil, já que a previsão de valor mensal que consta no Projeto de Lei Orçamentária Anual (PLOA) de 2023, enviada pelo governo ao Congresso Nacional, é de R$ 400 – até o fim do ano, os pagamentos serão de R$ 600.
O levantamento do Brasil de Fato (leia a lista ao final da reportagem) considerou anúncios feitos depois do dia 2 de outubro, quando Bolsonaro ficou na 2ª colocação no 1º turno, pouco mais de 6 milhões de votos atrás de Lula (PT). Antes disso, porém, também foram aprovadas medidas de grande custo às contas do Executivo. Em junho, a Câmara dos Deputados aprovou a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 15/2022, a chamada PEC dos Auxílios ou PEC Kamikaze, que liberou a criação e ampliação de alguns benefícios sociais há três meses das eleições.
Considerando apenas a disputa atual de 2º turno, as principais medidas são os pagamentos a caminhoneiros e taxistas; o desconto, pela Caixa Econômica Federal, de até 90% de desconto em dívidas de 4 milhões de devedores; incluiu 477 mil famílias no Auxílio Brasil; e a ampliação do público de benefícios sociais. Além disso, há acusações de uso da estrutura estatal de comunicação e de dependências do Palácio do Planalto e da Alvorada para atos de campanha.
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Em entrevista ao Brasil de Fato, o economista David Deccache, assessor econômico da bancada do PSOL na Câmara dos Deputados e professor voluntário de Economia na UnB, comentou o levantamento feito pela reportagem. Segundo ele, "São dois pontos centrais que o conjunto da sociedade deve ter atenção quando se trata do pacote eleitoreiro e oportunista nesse 2º turno. O primeiro é que são medidas de prazo de validade curtíssimo, visando somente a eleição. Em janeiro, o Auxílio Brasil de R$ 600 vai ser reduzido para R$ 400".
"As pessoas mais pobres sofrerão também com o pesado endividamento desse criminoso crédito consignado. Na prática, milhões de famílias terão sua renda reduzida para R$ 600 para R$ 240, já considerando os descontos pesadíssimos que esse crédito oportunista que transfere dinheiro das famílias mais pobres pra os bancos. Com o valor que vai sobrar na mão das famílias, não dá para comprar metade da cesta básica", afirma Deccache.
"O segundo aspecto é que Bolsonaro comprovou, com esse pacote eleitoreiro, que deixou mais de 33 milhões de pessoas na mais absoluta condição de fome nesses últimos quatro anos por pura maldade e oportunismo ideológico. Isso nada tinha a ver com a falta de capacidade fiscal do Estado. A desaceleração econômica, caso Bolsonaro vença, será profunda nos próximos meses. Com a retirada abrupta e desumana dos pacotes eleitorais, a tendência é de elevação do desemprego e queda na renda das famílias mais pobres. Em paralelo, há grande possiblidade de aumento no preço dos combustíveis, já que a Petrobras continuará praticante a política de paridade de preços internacional", concluiu.
Nunca um presidente usou tanto a máquina pública para se reeleger, diz Lula
Em reação, o ex-presidente Lula tem feito duras críticas, apontando o uso da máquina estatal para fazer campanha eleitoral pela reeleição. "Nós estamos fazendo uma campanha com uma certa anomalia, porque nós temos um cidadão, que está exercendo a Presidência, que está utilizando a maquina do governo para fazer campanha. Eu estava analisando desde Marechal Deodoro da Fonseca, 1889 até agora, todos os presidente juntos, ninguém utilizou a máquina 10% como ele está utilizando", afirmou no último sábado.
Lula comparou com o período em que era presidente da República, em 2006, e disputou a reeleição. “Quando eu era presidente da República, que eu fui candidato à reeleição, a gente só saía para fazer campanha após as seis da tarde. Durante o dia a gente tinha que exercer a nossa função principal que era presidir o país”, disse. “A gente não podia fazer acordo com prefeito, a gente não podia anunciar dinheiro, não podia anunciar plano. Ele está fazendo tudo. Ele está agindo como se o Brasil fosse uma coisa particular dele, em que ele faz e desfaz do jeito que ele quer, na medida em que ele tenta ganhar voto”, criticou.
Uso da máquina já resultou em condenações contra Bolsonaro
O uso da máquina pública por Bolsonaro já resultou em duas condenações pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE): a celebração do 7 de Setembro e o discurso na Assembleia Geral da ONU.
O candidato Bolsonaro e seu vice, o general Walter Braga Netto, foram impedidos de veicular todo e qualquer material de propaganda eleitoral relacionado ao 7 de Setembro. A proibição atingiu todas as imagens do presidente capturadas durante os eventos oficiais, sob pena de multa. A decisão proibiu Bolsonaro de produzir novos materiais que explorassem as mesmas imagens.
Sobre o discurso na ONU, o ministro do TSE Benedito Gonçalves reconheceu o uso indevido e determinou a remoção de conteúdos de propaganda, divulgados nas redes sociais de Bolsonaro. Além disso, impôs multa caso as redes sociais TikTok, Twitter, Facebook e YouTube não cumprissem a determinação em 24 horas.
"Nunca se viu uma manipulação tão brutal da máquina", diz Dilma
Em entrevista ao Brasil de Fato Entrevista, a ex-presidenta Dilma Rousseff (PT) comentou o assunto. "Eu acho que já ficou claro que nunca um governo fez o que o Bolsonaro fez em toda a história do país. Nunca se viu uma manipulação, uma tentativa de uso tão brutal da máquina. Eu não acredito que houve, e ficou claro isso no caso do Auxílio Brasil, que eles não conseguiram reverter a visão que o povo pobre desse país tem a respeito deles. Por mais que mentiras sejam ditas", declarou.
Entidades da sociedade civil e movimentos populares têm apontado, em manifestações públicas e ações judiciais, que as medidas configuram abuso de poder econômico. A Central Única dos Trabalhadores (CUT), maior entidade sindical do país, por exemplo, diz que o uso da máquina "afeta a legitimidade da eleição" e que, "se comprovado, pode resultar em inelegibilidade do candidato".
Relembre os casos:
Antecipação de pagamentos a caminhoneiros e taxistas
O governo antecipou de 22 de outubro para 18 de outubro o pagamento dos auxílios a caminhoneiros e taxistas. Há expectativa de que 341,5 mil caminhoneiros e 290 mil taxistas recebam o dinheiro.
Governo libera 12 bancos a conceder consignado do auxílio
O governo federal liberou a Caixa e outros 11 bancos a realizarem empréstimo consignado aos contemplados com o Auxílio Brasil e BPC (Benefício de Prestação Continuada).
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Caixa dá até 90% de desconto em dívidas de 4 milhões de devedores
A Caixa Econômica Federal deve beneficiar 4 milhões de pessoas e 400 mil empresas com um novo programa de negociação de dívidas. Os descontos serão de até 90%.
Governo inclui 477 mil no Auxílio Brasil; total vai a 21,1 milhões
O governo federal incluiu 477 mil famílias no Auxílio Brasil. Agora são 21,1 milhões que vão receber as parcelas de R$ 608, em média, no mês de outubro.
Governo coloca mais 200 mil famílias para receber Auxílio Gás
O governo federal incluiu 200 mil famílias no Auxílio Gás, programa social que distribui dinheiro para a compra de um botijão de gás de cozinha a cada dois meses.
Governo usa estrutura da TV Brasil para exaltar Guedes
O governo federal usou a estrutura estatal de rádio e TV para veicular pronunciamentos de ministros, entre eles Paulo Guedes, em que ele fez discurso de caráter eleitoral pela atual gestão.
Governo já distribuiu 6,6 milhões de cartões do Auxílio Brasil
O governo federal já distribuiu, durante a eleição, 6,6 milhões de novos cartões do Auxílio Brasil, ilustrado com a bandeira do Brasil, símbolo da campanha à reeleição.
Uso dos Palácios para atos de campanha eleitoral
Bolsonaro realizou anúncios quase diários no Palácio da Alvorada, nos quais recebeu o endosso público de governadores reeleitos.
Edição: Rodrigo Durão Coelho