O presidente Jair Bolsonaro (PL) encaminhou ao Congresso Nacional uma proposta de Orçamento para 2023 que prevê o menor nível de investimento do governo federal em dez anos. A mesma proposta prevê ainda um aumento no gasto com emendas parlamentares na comparação com 2022, incluindo aquelas consideradas parte do chamado "orçamento secreto", que não indicam os deputados ou senadores contemplados.
As constatações fazem parte de uma nota técnica elaborada por consultores do Congresso Nacional e divulgada na quarta-feira (28). Para especialistas ouvidos pelo Brasil de Fato, os números indicam que Bolsonaro cedeu a parlamentares parte do seu poder de orientar e controlar os gastos públicos em busca de apoio político na Câmara e no Senado.
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"Bolsonaro só escolhe transferir esse poder de decisão para deputados e senadores em troca de algum favorecimento que o Congresso possa lhe dar", explicou Paula Ravanelli, procuradora e especialista em políticas públicas. "Ele não tem apoio popular. Então, para garantir sua governabilidade, ele depende do Congresso Nacional, do chamado centrão."
O centrão é formado por parlamentares de partidos que apoiam ou fazem oposição a governos e suas pautas conforme conveniência política. Bolsonaro já criticou o grupo. Durante seu governo, após denúncias de corrupção e má gestão, precisou se aliar a ele para evitar o impeachment.
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O presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), é hoje a grande liderança política do centrão. Ele tem o poder de abrir processos para o afastamento de Bolsonaro, mas nunca o fez. Viabilizou, porém, uma forma de distribuir recursos do Orçamento para projetos indicados por deputados sem que isso seja publicamente acompanhado. Essa distribuição sem transparência e por critérios obscuros compõe o orçamento secreto.
Em sua proposta de Orçamento para 2023, Bolsonaro reservou R$ 19,4 bilhões a pagamentos de emendas via orçamento secreto, burocraticamente identificadas como emendas do relator. O valor é 17,5% a mais do que o reservado em 2022.
De acordo com reportagem publicada pela piauí, técnicos do governo chegaram a recomendar que o governo não reservasse recursos para as emendas do relator pois elas não teriam "assento constitucional". Bolsonaro, porém, ignorou o alerta.
Com esse expediente incluído no Projeto de Lei Orçamentária Anual (PLOA de 2023), o valor reservado a todo tipo de emendas parlamentares deve atingir R$ 38,8 bilhões. Isso é mais que o dobro do que a reserva feita no Orçamento de 2019, o primeiro sancionado por Bolsonaro. Naquele ano, R$ 17,2 bilhões foram destinados a emendas (valor já corrigido pela inflação).
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Em 2020, ano em que o orçamento secreto entrou em operação, o custo de emendas parlamentares chegou a R$ 43,5 bilhões (valor corrigido).
"Há cerca de dois anos, o presidente Bolsonaro viu-se obrigado a entregar a caneta e a chave do cofre ao centrão, tendo em vista a necessidade de apoio político", reforçou Gil Castelo Branco, economista e diretor executivo da Contas Abertas. "As 'emendas de relator' passaram a ter valores bilionários. O Congresso, dessa forma, apropriou-se de uma parcela ainda mais significativa do Orçamento da União."
Falta investimentos
Com mais recursos reservados para atender pedidos de parlamentares, falta dinheiro para que o próprio governo possa fazer investimentos em 2023, como construir escolas, hospitais e estradas. Na proposta orçamentária encaminhada pelo governo ao Congresso, são R$ 22,4 bilhões reservados para investimentos – menor nível registrado desde 2013.
Em 2022, o próprio governo havia reservado R$ 25,6 bilhões para investimentos. Esse valor foi alterado durante a discussão da lei orçamentária e chegou a R$ 45 bilhões.
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Segundo o assessor econômico do PSOL na Câmara dos Deputados e diretor do Instituto de Finanças Funcionais para o Desenvolvimento (IFFD), David Deccache, o valor de investimentos proposto por Bolsonaro tende a ser alterado pelo Congresso. O valor, contudo, deve permanecer entre os mais baixos da história por conta da Lei do Teto de Gastos e dos acordos políticos já firmados pelo presidente com parlamentares.
O Teto de Gastos, instituído em 2016, proíbe que o governo aumente suas despesas acima do percentual da inflação acumulada no período. Isso por si só, segundo Deccache, já seria um problema para ampliação de investimentos governamentais, que são necessários.
"O governo Bolsonaro ainda aprofunda esse problema", complementou ele. "Além do teto, há uma má alocação de recursos via emenda de relator. O espaço orçamentário que já era curto ficou ainda mais porque existem as emendas, que já pegam uma parcela muito relevante do orçamento, aproximadamente R$ 20 bilhões."
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No caso dos investimentos, esses gastos são todos discricionários, ou seja, opcionais. O governo pode definir livremente quanto quer aplicar em obras, desde que sobrem recursos após o pagamento das despesas obrigatórias e sobre espaço no teto.
Deccache também listou áreas que têm destinação de recursos garantida, mas que sofrem com efeitos do teto e da forma de Bolsonaro governar. O orçamento da Saúde, por exemplo, deve ser o menor desde 2014, considerando valores corrigidos pela inflação, de acordo com consultores do Congresso Nacional. Já alguns programas de assistência social devem perder até 97% dos recursos no ano que vem.
Edição: Thalita Pires