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Aposta eleitoral de Bolsonaro, consignado do Auxílio Brasil trava após enxurrada de críticas

Governo atrasa liberação empréstimos vinculados a benefício após repercussão negativa

Brasil de Fato | Curitiba (PR) |

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Auxílio Brasil começou a operar no final de 2021, substituindo Bolsa Família, programa instituído pelo governo Lula que durou 18 anos - Marcello Casal Jr./Agência Brasil

A ideia de Jair Bolsonaro (PL) de estender a beneficiários do Auxílio Brasil a possibilidade de contratar um empréstimo consignado vinculado ao benefício está paralisada em gabinetes do Ministério da Cidadania. Após uma enxurrada de críticas vindas de economistas e até de banqueiros, o governo adiou a implementação daquilo que ele via como um possível impulso à campanha de reeleição do atual presidente.

Bolsonaro assinou em março uma medida provisória (MP) autorizando que bancos concedessem empréstimos com prestações descontadas em pagamentos de programas sociais do governo, assim como acontece com crédito vinculado a aposentadorias. A autorização foi uma das ações incluídas num "pacote de bondades" que o presidente anunciou naquele mês, já preparando-se para a corrida eleitoral.

Entenda: Consignado do Auxílio Brasil: conheça os riscos de contratar

Naquela época, o governo previa um amplo interesse de bancos no novo filão de negócios. Para Bolsonaro, as instituições financeiras concederiam milhões de empréstimos aos beneficiários do Auxílio Brasil meses antes da eleição, injetando esses recursos na economia e aumentando suas chances no pleito deste mês.

Segundo os cálculos do governo, R$ 77 bilhões entrariam em circulação meses antes da votação por conta de empréstimos consignados. Esse valor considerava créditos concedidos a beneficiários do Auxílio Brasil e também do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), cujas margens de consignação também foram ampliadas pelo governo.

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Ampliação da consignação mais que dobrou os empréstimos concedidos a aposentados e pensionistas na comparação entre o primeiro e o segundo trimestres de 2022, segundo dados do Banco Central. De janeiro a março, R$ 11,3 bilhões em empréstimos foram concedidos. De abril a junho, foram R$ 29 bilhões.

O consignado do Auxílio Brasil, no entanto, nunca saiu do papel.

Primeiramente, o Ministério da Cidadania alegava que aguardava a aprovação definitiva da MP sobre o crédito para regulamentar a medida e liberar os empréstimos. Ela foi aprovada em junho, sancionada em agosto, mas a regulamentação ainda não saiu.

Atualmente, o mesmo ministério informa que "segue em constantes tratativas com todos os órgãos e as instituições para garantir mais esse direito à população de baixa renda". A pasta, entretanto, não deu qualquer previsão de quando o consignado estará na praça.

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Críticas freiam programa

As tais tratativas citadas pelo ministério envolvem conversas com banqueiros brasileiros, que não aprovaram a ideia de Bolsonaro de vincular um benefício social a empréstimos.

Assim que a MP sobre o consignado do Auxílio Brasil virou lei, Bolsonaro reuniu-se com representantes das principais instituições financeiras brasileiras na sede da Febraban (Federação Brasileira de Bancos), em São Paulo. Ouviu deles que grandes bancos nacionais não iriam oferecer o novo tipo de crédito pois não estavam interessados em emprestar recursos a uma fatia da população tão vulnerável financeiramente.

O governo chegou a anunciar que, diferentemente do consignado do INSS, os empréstimos vinculados ao Auxílio Brasil não teriam limite de juros, abrindo espaço para ganhos ilimitados de bancos com a operação. Mesmo assim, as principais instituições financeiras privadas do país não mudaram sua opinião sobre o empréstimo.

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A liberação dos juros, entretanto, ampliou as críticas de economistas e de entidades de defesa do consumidor sobre o crédito. Para os os críticos, abrir espaço para que um benefício social sirva de garantia para um empréstimo já é um erro. Liberar os juros cobrados sobre o crédito é ainda mais cruel com os beneficiários do programa.

Para a economista e coordenadora do Programa de Serviços Financeiros do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), Ione Amorim, sem limite de juro, o consignado converte o Auxílio Brasil em "auxílio banco".

"O que dá a entender que a política não foi feita para assistir o cidadão em situação de extrema pobreza. Ela foi feita pra assistir a instituição financeira", criticou ela, em entrevista ao Brasil de Fato em agosto.

"Se é para oferecer crédito consignado para esse público de baixa renda, deveria ser com a menor taxa de juros. Menor do que para os aposentados e pensionistas. E menor que para os servidores públicos", complementou Sergio Mendonça, economista e ex-diretor técnico do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese).

No caso dos aposentados e pensionistas, os bancos não podem aplicar mais de 2,14% ao mês de juros pelos empréstimos, totalizando 28,3% ao ano.

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Já no caso dos consignados do Auxílio Brasil, essa taxa tende a ser mais que o triplo disso. Apesar da liberação do empréstimo ainda depender do Ministério da Cidadania, já existem inúmeras financeiras anunciando um cadastro de interessados. Nas propagandas, há empréstimos com juros de quase 6% ao mês, ou 100% ao ano.

Com um juros desses, um beneficiário do Auxílio Emergencial que tomasse um empréstimo de R$ 2.000 com pagamento parcelado em 24 prestações de R$ 160 (limite do valor da prestação), gastaria mais de R$ 3.840 para quitá-lo. Seriam R$ 1.840 só em juros.

Endividamento recorde

Após a má repercussão das ideias do governo sobre o consignado do Auxílio Brasil, o ministro da Cidadania, Ronaldo Vieira Bento, chegou a aventar a possibilidade de tabelar os juros do empréstimo. Isso, entretanto, nunca foi oficializado, assim como a regulamentação pendente para a liberação das contratações do crédito.

Em fóruns na internet, circulam boatos de que o governo teria desistido do novo tipo de empréstimos. O Ministério da Cidadania nega.

Hoje, mais de 63 milhões de brasileiros estão com o "nome sujo" por conta de dívidas. Isso significa que quatro a cada dez pessoas adultas que vivem no país estão inadimplentes. São exatamente 39,17% da população maior de idade do país – maior índice em oito anos.

::Quatro a cada dez brasileiros adultos estão com ‘nome sujo’ por inadimplência::

Esses dados, que se referem a julho, foram divulgados pela Confederação Nacional de Dirigentes Lojistas (CNDL) e pelo Serviço de Proteção ao Crédito (SPC Brasil).

Naquele mês, o número de consumidores com contas atrasadas cresceu 8,7% na comparação com o mesmo mês do ano passado. De junho para julho, o número de inadimplentes cresceu 0,96% e deve aumentar ainda mais, segundo a CNDL.

Cada consumidor com "nome sujo" no Brasil deve, em média, R$ 3.638,22. Mais da metade das dívidas são justamente com bancos.

Edição: Thalita Pires