O Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central (BC) divulgará no final da tarde desta quarta-feira (21) sua decisão sobre o patamar da taxa básica de juros da economia nacional, a Selic. A expectativa de economistas é que a taxa seja mantida nos atuais 13,75% ao ano e permaneça assim até o final deste ano.
Caso essa previsão seja mesmo confirmada, o Copom encerrará uma sequência de 12 altas seguidas da Selic. Antes de ela começar, a taxa era de 2% ao ano, no início de 2021. Hoje, está no seu maior nível desde janeiro de 2017, ou seja, em quase seis anos.
A Selic serve como parâmetro para os juros cobrados em operações de crédito no Brasil. Por isso, quando ela sobe, os empréstimos ficam mais caros, adiando decisões de compra e reduzindo o crescimento da economia como um todo.
Leia mais: Juros de linha de crédito criada por Bolsonaro na pandemia quadruplicam e dívidas explodem
A mesma taxa também serve como base para os juros dos títulos das dívidas do governo. Assim, se a taxa aumenta, esses juros também sobem. O governo, portanto, passa a gastar mais recursos públicos para arcar com compromissos com seus credores.
Segundo o Banco Central, de agosto de 2021 a julho de 2022, o governo gastou R$ 586 bilhões para pagar os juros da dívida pública nacional. Isso corresponde a 6,31% de todo o Produto Interno Bruto (PIB) gerado pela economia brasileira durante esse período.
É também quase o dobro do gasto com juros acumulados de agosto de 2020 a julho de 2021. Naquele período, quando a Selic ainda estava entre 2% ao ano e 4,25% ao ano, o gasto com juros foi de R$ 323,5 bilhões, o que representava 3,94% do PIB.
De acordo com o Tesouro Nacional, aproximadamente 76% de todos os títulos da dívida brasileira pertencem a instituições financeiras, fundos de investimentos e de previdência – ou seja, aos bancos.
Os estrangeiros têm mais 9% do total dos títulos. O restante está com seguradoras, o próprio governo e outros, incluindo pessoas físicas que têm recursos para "emprestar" dinheiro à União – cerca de 1,5% da população, segundo a Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima).
"São basicamente os detentores de riqueza", disse Mauricio Weiss, economista e professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
:: Alta da Selic beneficia poupadores ricos, mas não ajuda pobres ::
Isso quer dizer que a maior parte dos mais de R$ 580 bilhões que o governo gastou com juros foram parar nas mãos dos bancos. Isso é mais que cinco vezes o gasto anual do governo federal com o pagamento do Auxílio Brasil a mais de 20 milhões de brasileiros. Supera também o que o governo federal reservou no Orçamento deste ano para as áreas de Saúde e Educação: R$ 139,9 bilhões e R$ 62,8 bilhões, respectivamente.
Gasto recorde
O valor do gasto do governo com juros em 12 meses encerrados em julho também já é mais alto do que o maior gasto anual com juros da dívida na história. Em 2015, durante o governo de Dilma Rousseff (PT) e quando os juros estavam entre 11,75% ao ano e 14,25% ao ano, esse gasto chegou a R$ 501,8 bilhões, segundo o Banco Central.
Gestoras de investimentos e agência de avaliação de riscos financeiros já estimam que o gastos do governo com juros em 2022 chegue a R$ 700 bilhões. A Instituição Fiscal Independente (IFI) do Senado Federal prevê que o gasto chegue a R$ 719 bilhões. Isso seria mais de sete vezes os R$ 97 bilhões que serão gastos com o Auxílio Brasil em 2022.
"É um gasto considerável [com juros]", disse Alexandre Andrade, economista da IFI. "São mais de 7% do PIB brasileiro."
:: Aumento da Selic deve elevar gasto do governo com juros da dívida a maior valor da história ::
Apesar desse esforço, a dívida pública só cresce. No final de 2015, essa dívida, já descontadas as reservas internacionais – a chamada dívida líquida do setor público –, correspondia a menos de 36% do PIB nacional. Em julho deste ano, ficou em 57% do PIB, segundo o BC.
Durante o governo do presidente Jair Bolsonaro (PL), aliás, a dívida líquida pública cresceu. Em janeiro de 2019, quando ele assumiu a Presidência, ela era de 53% do PIB. No início de 2021, durante a pandemia, chegou a 60%. Mais recentemente, recuou um pouco.
O mesmo aconteceu durante o governo de Michel Temer (MDB). Ele assumiu o governo no final de agosto de 2016, com dívida em quase 43% do PIB. Em pouco mais de dois anos de sua gestão, ela subiu cerca de 10 pontos percentuais.
Esse aumentos, segundo Weiss, têm a ver com o baixo crescimento econômico. Ele lembrou que, como a economia praticamente não cresceu nesses anos, a razão entre PIB e dívida tende a crescer.
:: Economistas divergem sobre eficiência da taxa Selic como “remédio” para frear inflação ::
"O que aconteceu é que, a partir de 2016, o principal fator para a dívida ter aumentado foi a queda do nível da da econômica", disse.
Durante o governo Dilma, a relação dívida líquida-PIB manteve-se relativamente estável. Passou de 37,5% no início de 2011 para 43% em quase seis anos.
Já durante os oito anos de governo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que é candidato à Presidência neste ano, a dívida foi bastante reduzida: de 50% do PIB em janeiro de 2003 para 37,5% no final de 2010.
Essa queda está relacionada ao crescimento do PIB no período.
Leia mais: Autonomia do Banco Central pode ser problema para eventual governo Lula arrumar a economia
Mais investimentos
Com a dívida em queda, os gastos com juros tendem a ficar cada vez menores. Sobra, portanto, mais recursos para governos investirem. Durante o governo Lula, por exemplo, a taxa de investimento do governo federal em relação ao PIB passou de 0,20% para 0,84%.
Essa taxa caiu durante os governos de Dilma e Temer. Caiu ainda mais durante o governo Bolsonaro: de 0,34% do PIB em 2019, passou para 0,26% em 2021.
Parte dessa queda, aliás, está relacionada também ao Teto de Gastos, aprovado em 2016, que determina que gastos do governo até 2036 só podem crescer com base na inflação. Por conta dessa lei, mesmo que sobre dinheiro no caixa do governo, ele não pode aplicá-lo.
O teto, porém, não é aplicado sobre o gasto com juros. De acordo com a lei, seja qual for o patamar da Selic, o pagamento da dívida está garantido.
Aprofunde-se: O Brasil e a escassez: o que os momentos históricos de carestia nos ensinam?
Bancos apoiaram a adoção da medida argumentando que o controle de gastos do país seria positivo. Segundo Uallace Moreira, professor da Faculdade de Economia da Universidade Federal da Bahia (UFBA), esses mesmos bancos não defenderam o controle de gastos com juros e hoje são beneficiados com a alta da Selic.
"É a contradição pura. Eles estão argumentando que precisa manter o ajuste fiscal, mas ao mesmo tempo elevam juros, aumentando os gastos públicos. Ficam muito em evidência os interesses de classe na coordenação da política econômica", disse Moreira ao Brasil de Fato ainda em outubro de 2021, quando a Selic estava em 7,75% ao ano.
"O Teto de Gastos não congela pagamento com serviços da dívida. Então, você pode fazer a festa no orçamento, pegando dinheiro público e transferindo ao setor financeiro. Enquanto isso, o governo mantém o argumento de cortar gastos da saúde, da educação, e 92% do orçamento da ciência", criticou Moreira.
Em 2021, no início do ciclo de aumento da Selic e no ano mais mortal da pandemia, bancos brasileiros registraram lucros recordes.
Só as quatro maiores instituições financeiras com ações negociadas na Bolsa de Valores de São Paulo – Banco do Brasil, Bradesco, Itaú e Santander – lucraram juntas R$ 81,6 bilhões.
:: Bancos brasileiros têm lucro recorde em pior ano da pandemia ::
Weiss destacou ainda que, mesmo com o teto de gastos, a dívida aumentou. Na verdade, segundo ele, o teto é responsável por esse aumento, já que limita investimentos e reduz a possibilidade de crescimento da economia.
"O teto, ao invés de ter segurado a dívida, ele pode até no sentido ter atrapalhado. Porque quando impossibilitou investimentos do setor público", explicou. "Então você tem uma piora da dinâmica da dívida, especialmente em relação ao PIB."
Edição: Nicolau Soares