POSICIONAMENTO

Padre de Belo Horizonte escreve carta explicando por que não vota em Bolsonaro

Sacerdote não concorda com a afirmação de que Jair Bolsonaro é defensor da família tradicional

Brasil de Fato | Belo Horizonte (MG) |
Os motivos foram descritos numa carta, assinada pelo sacerdote, e enviada aos paroquianos, nesta segunda (19) - Thiago dos Anjos

“Ele é a favor do armamento da população; ele já se posicionou a favor da tortura e do regime militar de 1964”, argumenta o padre Marcos Albuquerque Gomes, da Paróquia Santa Cruz, em Belo Horizonte, ao explicar o porquê não votará em Jair Bolsonaro (PL) nas eleições deste ano.

Os motivos foram descritos numa carta, assinada pelo sacerdote, e enviada aos paroquianos, nesta segunda (19). Além da defesa do armamento e da ditadura militar, padre Marcos também cita a demora na compra de vacina contra a covid-19, os ataques ao Supremo Tribunal Federal (STF), a política internacional e o aumento do desmatamento na Amazônia.

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“Estou aberto ao contraditório. Peço o favor que me respondam colocando o seu ponto de vista. Apenas rogo que não sejamos agressivos ou desrespeitosos ao responder. Lembro que a caridade e amor a Jesus que nos une é maior do que nossas opiniões políticas”, afirma o padre, ao chamar os fiéis para o diálogo.

Padre Marcos ainda destaca que não concorda com a afirmação de que Jair Bolsonaro é defensor da família tradicional e critica a postura do candidato em relação às pessoas LGBTI+.

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“Uma coisa é ser contra a “ideologia de gênero”, outra coisa é defender os direitos dos homossexuais e o respeito à sua dignidade. Não precisamos concordar com eles, mas devemos respeitá-los como filhos amados de Deus”, afirma.

Leia trechos da carta

Queridas lideranças da Paróquia de Santa Cruz.

Faltando quinze dias para as eleições para presidente da República em primeiro turno, tomei a liberdade de escrever este texto porque penso que devo ser sincero com vocês sobre a minha posição política.

Ele não tem a pretensão de fazer mudar o voto daqueles que já se decidiram. Sei que cerca de 70 por cento dos nossos paroquianos votam no Bolsonaro, e respeito sua decisão.

A minha opinião só tem sentido para aqueles que já estabeleceram um laço de confiança comigo.

Estou aberto ao contraditório. Peço o favor que me respondam colocando o seu ponto de vista. Apenas rogo que não sejamos agressivos ou desrespeitosos ao responder. Lembro que a caridade e amor a Jesus que nos une é maior do que nossas opiniões políticas.

Gostaria de dizer também que nunca vou expressar esta opinião nas celebrações da Santa Missa.

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Então, vamos lá. Este texto foi escrito em forma de diálogo. Eu e uma pessoa imaginária; a fim de proporcionar uma melhor compreensão.

- Padre Marcos, por que você não vota no Bolsonaro?

- Não voto no Bolsonaro pelas seguintes razões: ele é a favor do armamento da população, e a CNBB já se posicionou contra; ele já se posicionou a favor da tortura e do regime militar de 1964. Além disso, fez campanha contra a vacina e, repetidamente, atacou o Supremo Tribunal Federal. Quando um poder constituído da república ataca outro poder, coloca-se em risco o sistema democrático. Lembro que São João Paulo II, na sua encíclica Centesimus Annus, já afirmou: “a Igreja encara com simpatia o sistema da democracia” (DSI 406; CA 46). A todo momento, ele faz uma insinuação que não vai aceitar o resultado das eleições ao colocar em dúvida o voto eletrônico. Na política externa, o governo Bolsonaro se isolou de vários países estratégicos para a nossa economia como a França e a China, ao abandonar o multilateranismo. A China é um dos maiores parceiros comerciais do Brasil. O Papa Francisco defende o multilateranismo na sua encíclica “Fratelli Tutti” (174). E por fim, porque no seu governo, o desmatamento na Amazônia aumentou drasticamente por causa da invasão dos garimpeiros nas terras indígenas. Segundo os dados do IPAM (Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia), nos últimos quatro anos, o desmatamento na Amazônia cresceu 56%.

- Mas ele não é contra o aborto e a favor da família tradicional?

- No primeiro ponto concordo plenamente. Ele é contra a legalização do aborto. Sobre a defesa da família tradicional, tenho minhas dúvidas. Principalmente depois daquelas palavras baixas que ele falou durante o 7 de setembro. Palavras essas que eu não teria coragem de repetir aqui.

- Mas ele é contra a “ideologia de gênero”.

- Com certeza. Entretanto, uma coisa é ser contra a “ideologia de gênero”, outra coisa é defender os direitos dos homossexuais e o respeito à sua dignidade. Não precisamos concordar com eles, mas devemos respeitá-los como filhos amados de Deus.

- Mas o Bolsonaro defende a nossa liberdade; e estão querendo tirar a nossa liberdade.

- Não consigo fazer essa leitura do atual momento político e social do país. Se isso estivesse acontecendo, acredito que a CNBB já teria se manifestado sobre o assunto. A menos que me apresentem dados concretos e confiáveis, continuo pensando da mesma forma.

- Mas então em quem devemos votar? O Lula defende o aborto.

- Sinceramente, nunca vi o Lula defender o aborto explicitamente. Já vi o PSOL, que está ligado ao PT defendendo o aborto. Entretanto, a política é a arte de escolher o que é possível. Ou seja, existe o ideal e o possível; nesse ponto, não posso entrar na sua consciência. Faça o seu discernimento diante de Deus e escolha. Só penso que deveríamos respeitar quem pensa diferente de nós. Essa história da luta do bem contra o mal é uma falácia. O bem e o mal existem em todos os lugares por causa do pecado original. Corroborar com esse discurso é cair no maniqueísmo (uma corrente filosófica surgida no terceiro século depois de Cristo que pregava a existência de um conflito cósmico entre o bem e o mal). Esta doutrina foi condenada pela Igreja Católica.

Que Deus te abençoe em sua escolha.

Espero não ter te ofendido com esta carta. Se ofendi, peço perdão. Entendi que, diante de Deus e do evangelho, deveria escrevê-la.

A paz de Nosso Senhor Jesus Cristo, o amor do Pai e a comunhão no Espírito Santo esteja com todos nós.

Padre Marcos.

Belo Horizonte, 19 de setembro de 2022.

Fonte: BdF Minas Gerais

Edição: Larissa Costa